As notícias de hoje, de que Lula terá esta semana um encontro com Fernando Henrique Cardoso, outro com Gulherme Boulos e, ainda, que convidou o senador Randolfe Rodrigues para integrar o núcleo de sua campanha à Presidência deixa claro, para quem ainda não havia percebido, que o ex-presidente está fazendo, na prática, o que os candidatos da chamada 3ª Via falsamente propunham: formar um frente política para impedir a continuidade de Jair Bolsonaro e estabelecer uma plataforma mínima para a reorganização da política brasileira, devastada pelo ódio, pelo autoritarismo e pelo golpismo que anos atormentam desde as eleições de 2014.
Lula, sua capacidade eleitoral e sua história política, é o suficiente para que seja o fiador deste pacto, ainda implícito, que se apresentará ao eleitor em outubro e presidirá a formação do novo governo.
Não foi preciso – e não funcionaria – “forçar a barra” por estas alianças, explícitas ou implícitas. Foi preciso a compreensão de que o processo político-social, depois de grandes rupturas, exige que a a sua integridade não seja reconstituída por um único fio, ou por alguns poucos deles.
Precisou-se – e quase não mais – de paciência e tolerância para não transformar desagrados e disputas menores da política esgarçarem trama e urdidura deste tecido a recompor, e Lula demonstra tê-las de sobra.
Na entrevista que dá hoje à BBC, Gabriel Boric, novo presidente do Chile, usa uma frase que deveria nos ajudar a refletir: “A realidade é mais teimosa do que qualquer ideologia.”
É isso o que está se impondo aqui, a realidade: não há outros candidatos capazes de restabelecer este convívio. Ciro e Dória não são capazes disso, o primeiro porque adotou, desde há muito tempo, uma retórica ‘bélica”, o segundo porque deslealdade e traição são seu curriculum vitae.
De Sérgio Moro nem é preciso falar, está claro que, no poder, retomaria a vocação de mando imperial e arbitrário que sempre o marcou.
É por isso que Lula está dissolvendo as resistências políticas que sem dúvida tem, mas que acabam sendo deixadas de lado, em razão da necessidade que as pessoas lúcidas – mesmo as que dele divergem em parte e mesmo grande parte, de restabelecer-se um governo com capacidade de mediação política e um mínimo de sensatez econômica.
Cumprida esta etapa, será inevitável uma reorganização partidária no Brasil: nem Moro, nem Dória, nem Ciro têm condições de liderar partidos de oposição e há terreno limpo para que se formem novos arranjos. Talvez mesmo formando uma maioria para diluir o poder do chamado “Centrão” de hoje.
Porque é sobre o fato de governos não terem maioria parlamentar que ele exerce seu poder de chantagem e, se não tiver expressão para isso, um acordo em bases republicanas entre lideranças e correntes políticas aliadas, em maior ou menor grau, ao novo governo possa reduzir em muito o cacife com que exigem cargos e verbas.