“O senhor não deve nada à Justiça, mas vamos falar de corrupção”.
Uma das primeiras frases de William Boner é, afinal, o envergonhado pedido de desculpas da Globo que Lula há anos esperava.
Um gol logo no primeiro minuto de jogo, como convém a quem quer dominar a partida.
Não é preciso mais nada para responder à campanha de mentiras que se fará na campanha eleitoral, como não foi preciso mais para que Lula escapasse incólume dos dez minutos – e mais alguns no “repique” com o Centrão – dedicado ao “vamos falar de corrupção”.
Nenhuma vacilação, nenhuma autodefesa agressiva, nem um momento parecendo acuado.
Com direito a falar, ainda, nos decretos de 100 anos de sigilo baixados por Bolsonaro.
A vacina contra o antipetismo foi Alckmin, o ex-adversário que se reuniu por uma causa comum. Nem com a forçação de barra de Bonner sobre as “resistências” do PT ao ex-governador. “Em que mundo você está, Bonner” desmontou o apresentador, que ainda tentou insistir na questão.
Com Renata Vasconcellos foi mais gentil no “passa-fora”, ao dizer que não dizia quem iria nomear para a Procuradoria Geral da República para deixá-la “com uma pulga atrás da orelha”. Não entregou a sua autoridade e mostrou que o quadro atual é de aniquilação da independência do Ministério Público.
Também a driblou com o momento “agro é pop” em que se quis explorar o apoio de Bolsonaro entre o agronegócio, ligando isso à questão ambiental e ao desmatamento, depois costurando o pacote com os problemas para a exportação de nossa agroindústria e arrematando com uma possível composição entre a agricultura familiar e os megafazendeiros de exportação.
Lula estava tão solto e falando com tanta naturalidade que faltou tempo para muitos temas e este tempo haverá a partir de amanhã com a propaganda eleitoral no rádio e na TV.
Esta noite, porém, ele botou a bola no pé e cadenciou o jogo conforme quis. Teve controle total da entrevista, enquanto ela durou.
Nas redes sociais, normalmente território bolsonarista, a situação é acachapante. O apoio a Lula domina perto de três quartos da rede, onde Bolsonaro pretendia organizar um “já perdeu”.
Ao contrário do que aconteceu com Bolsonaro, que jogou para “manter os seus”, Lula empolgou os seus e provou aos resistentes que tem as qualidades políticas para presidir um país e, além disso, tem o vigor físico e a lucidez de pensamentos necessárias para o cargo, o que não é pouco para um homem de 76 anos.
Fixou-se na ideia de que quer fazer melhor do que fez e o que fez é, sem dúvidas, uma referência para a memória popular.
Isso supre em parte o pouco que lhe faltou para “fazer o L” e comemorar a vitória nesta preliminar na campanha. Fome, desespero, tristeza de ver o Brasil voltar ao mapa da fome, temas em que poderia ter posto um nó na garganta de todos, daqueles fatais para a indiferença.
Não esqueçam, porém, que este era um jogo para Lula perder, gaguejar, embrulhar-se nas provocações da Globo.
Que se desmoronaram naquele “o senhor não deve nada à Justiça”.
Por mais que eles relutem em admitir, é a certidão de inocência que parecia a muitos ser uma tolice Lula esperar da Globo.