Marcelo Auler: menores para escolas do crime ou escolas contra os crimes do menor?

Como disse outro dia, o recém-inaugurado  blog do coleguinha Marcelo Auler é visita diária obrigatória, por três essenciais razões: informação, qualidade do texto e humanidade das ideias.

De lá, retiro três notas, que reproduzo aqui.

Mas, se me permitem a recomendação, vá vê-lo todo, é imperdível.

Auler tem 40 anos de estrada jornalística, já passou por quase todas as redações, ganhou dois prêmios Esso, mas, como você lerá, ainda não cansou do ser humano nem aderiu à burrice.

Que hoje é, como no velho anúncio dos cigarros Continental, uma preferência nacional.

E faz mais mal do que aqueles. 

Quando o fígado supera a razão

Marcelo Auler

Trocaram a educação por obras desnecessárias; agora clamam por justiçamento.

As mortes violentas que os cariocas presenciaram nos últimos dias provocaram, como não poderia deixar de ser, uma indignação generalizada. Nas redes sociais, de tudo se encontra um pouco, até mesmo quem queira taxar os dois mortos na padaria no Morro do Dendê – Gilson da Silva dos Santos, de 12 anos, e Wanderson Jesus Martins, de 23 anos – de criminosos. Como se criminosos merecessem ser executados friamente ao mesmo tempo em que se lamenta o assassinato do médico Jaime Gold, que perdeu a vida por causa de uma bicicleta.

Infelizmente, muitos comentários e opiniões surgem de maneira fria, insensata, por gente, que só parece capaz de pensar com o fígado. Acredito até que, após a ficha cair e a poeira baixar, alguns conseguirão rever posições. Me assusta, porém, não apenas a discriminação – a morte na Zona Sul da cidade gera indignação maior do que as duas mortes na comunidade do Dendê – mas algumas bandeiras levantadas oportunisticamente,.

Exemplo disso foi provocado por uma postagem sensata do jornalista André Moragas. Na tarde de quarta-feira, no calor dos debates, quando muitos pediam justiçamento no lugar de Justiça, ele deu um alerta sobre roteiros de filmes que já assistimos. E lamentamos.

 II

A propósito do texto postado abaixo (aqui, acima)– “Quando o fígado supera a razão” – destaco um comentário que me foi feito por minha amiga, Gilda Portugal Gouvêa, que abrilhanta mais o debate em torno da questão dos jovens infratores. Ela alerta que não adianta apenas criarmos escolas em horário integral, é preciso mais: torná-las atraentes. No que estou lembrado, na ideia inicial de Darcy Ribeiro havia esta “atração” com diversificação de atividades paralelas. Mas, isto deixo para educadores comentarem.

A escola precisa ser atraente para os jovens, pois isso ela não está conseguindo ser. Não basta ser de período integral. Precisa ser atraente para os/as professores e diretores, pois com a rotatividade existente hoje nas nossas escolas não há organização que funcione. Como manter o/a jovem interessado/a? A rua é muito mais atraente !!!! Enquanto é criança ainda se consegue mante-lo/a na escola. Mas quando ele/ela adquire a liberdade de ir e vir a situação muda!!!”
Gilda, para quem não sabe, possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1967), mestrado em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (1971) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1994). Fez Pós Graduação na Cornell University – USA (1971-1974).

A profecia de Darcy Ribeiro

Vale a pena recordar a profecia de Darcy Ribeiro há 30 anos:

Ou construímos escolas ou no futuro teremos um exército de trombadinhas assaltando nas ruas”.

Não deu outra.

PS do Tijolaço: depois da diminuição para 16 da maioridade penal plena não dar certo, a reduziremos para 14? Ou 12? Ou faremos logo uma “eugenia”, separando as crianças pobres apenas para que cresçam para trabalhar, como os Gama Menos de Orwell?

Fernando Brito:

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  • Texto bem intencionado. Mas, anacrônico! Não adianta construir escola, torná-la atraente, manter a criança dentro dela. É preciso discutir o que está sendo ensinado no interior da escola (aquele negócio de que tudo vale à pena se a alma não é pequena, lembram?). Que analisem as propostas educacionais e o quanto elas refletem o desejo das elites de formar uma sociedade tolerante às suas posições; analisem também a seleção de conteúdo, a dinâmica das relações profissionais no meio educacional, a filosofia por trás dos posicionamentos em relação à criminalidade juvenil e a contribuição dada pelo sistema educacional; a situação fragilizada do professor diante das investidas do crime no interior do ambiente escolar. E, por último, o grau de sofisticação do discurso "pedagógico" daquele professor que recebe do sistema todos os louros por um excelente trabalho desenvolvido!

    A categoria vai bem das pernas? Não foi engolfada pelas mesmas ideologias difundidas por meios de comunicação, pelas secretarias de Estado, pela internet, por parcelas dos formadores de opinião no setor educacional, advindos de uma universidade tão viciada quanto a imprensa? Todos os professores são críticos, analíticos, dispostos a enfrentar as perseguições internas em defesa de seus alunos? Sem isto, o pensamento do Darcy Ribeiro estaria, no mínimo, incompleto.

    Resumindo, dá pra fazer um paralelo entre a importância do sistema educacional para o estado desesperador em que se encontra nossa juventude com a atuação externa dos meios de repressão policial que complementam este eficiente projeto de vida a curto prazo, ou melhor, de curto prazo de vida. Se quiser complicar mais um pouco, tente diferencias o traficante boa praça do professor descolado que todo mundo ama.
    Ou não. Continuemos buscando fórmulas e análises prontas, fazendo de conta que não, não tem nada dominado! É mentirinha de aluno sapeca (e aquela vizinha minha que reclamou da professora que largou a sala da filha sozinha pra ir dar um tapa no banheiro é muito careta e fuxiqueira. Coisa de zé-povinho, né?)

  • Na situação atual, escola de tempo integral é uma necessidade para remediar o problema. Mas seria bem melhor, para resolver o problema da delinquência juvenil e da violência em geral, se os pais tivessem tempo para cuidar dos filhos. Isso seria possível se houvesse redução da jornada de trabalho. Se os pais tivessem tempo para estar com os filhos e se houvesse mais conscientização da necessidade desse convívio. E se houvesse uma mídia, que em vez de violência e futilidades, divulgasse programas edificantes e educativos. Mas em vez disso o Congresso quer é aumentar a jornada de trabalho, através da terceirização, já que os empregados terceirizados trabalham ainda mais do que os não terceirizados.
    Hoje em dia, os pais estão terceirizando a criação dos filhos, ou deixando com parentes enquanto trabalham, ou esperando que as creches e escolas os eduquem e criem em seu lugar, pois não têm mais tempo nem condições para isso. O resultado é a violência crescente.

  • Estou começando a ficar preocupado com essa paranóia malandra em torno de armas, agara facas, consideradas armas brancas.
    Quer dizer que vou precisar de registro e porte de armas para cozinhar?

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