Maurício Dias e o preconceito antipolítica das castas burocráticas

O colunista da Carta Capital, Maurício Dias, critica duramente a decisão de uma maioria de “circunstância” (para usar a expressão que Joaquim Barbosa parece achar que vale só para um lado) do STF de ter tentado enquadrar os réus da Ação Penal 470 pelo “crime de quadrilha”.

E observa que essa tentativa nasceu de um preconceito antidemocrático já antigo, nascido na cúpula da Procuradoria-Geral da República, de tratar “governos eleitos, sustentados por alianças partidárias, formam quadrilhas para administrar o País”.

Eu acrescentaria que esse preconceito nasceu em priscas eras. Foi detectado por Raymondo Faoro, em Donos do Poder, como uma espécie de neocoronelismo das castas burocráticas, as quais, por terem ascendido ao poder via mérito pessoal (concursos públicos bastante concorridos), tendem a discriminar o poder político eleito, cujos representantes ganham um poder temporário (em oposição ao poder das castas burocráticas, que é vitalício), tratado como algo inferior, ocupados por cidadãos incultos e corruptos.

Faoro observa que, desde que a decadência econômica de alguns setores da elite, que até então comandavam o país, começou a se acentuar, o “aparelhamento” do Estado passou a ser uma prioridade. Seus filhos e descendentes foram sendo formados com objetivo específco de ocupar e aparelhar o Estado. Isso começou há quase duzentos anos.

Quando as clivagens ideológicas no país se acentuam, essas castas burocráticas tendem a se alinhar quase sempre do lado contrário daqueles que detêm a representação popular. Procuradores e juízes também apoiaram o golpe de 64 porque sempre estiveram ao lado dos opressores.

A hostilidade da Procuradoria, e de certa forma, do Ministério Público em geral, ao partido dos trabalhadores e a seus êxitos eleitorais, nasce desse ambiente de forte preconceito político. Essa é a explicação: 1) para a blindagem incrível dada pelo Ministério Público aos governos tucanos, a ponto de procurador-geral da república na era tucana ser chamado de “engavetador-geral”, por esvaziar, sistematicamente, qualquer investigação contra o governo; 2) para a agressividade quase histérica, repleta de ódio político, com que vimos Roberto Gurgel fazer seu discurso de acusação na Ação Penal 470.

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O OVO DA SERPENTE

Confundir aliança partidária para governar com formação de quadrilha para corromper é obra dos procuradores

por Mauricio Dias — Carta Capital

Mais rápido do que se pensava, caiu a toga e ficou nua a maioria conservadora do Supremo Tribunal Federal (STF), articulada em torno do julgamento da Ação Penal 470, o “mensalão”. Os ministros desse grupo formaram uma espécie de quadrilha, de finalidade política, com o objetivo de desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e ajudar a tirar dele o poder conquistado pelo voto popular, em 2002 e 2006, com Lula eleito e reeleito e prosseguido, em 2010, por Dilma Rousseff, com chance de fechar, agora em 2014, um novo ciclo de oito anos de controle do governo.

A base de toda essa ação politizadora da Justiça é antiga, criada nas articulações formadas na Procuradoria-Geral da República (PGR). É uma visão peculiar, distorcida, que une, por exemplo, os procuradores-gerais Aristides Junqueira (1989-1995), Antonio Fernando de Souza (2005-2009), Roberto Gurgel (2009-2013) e Rodrigo Janot, empossado em setembro de 2013.

Coincidentemente, são ex-integrantes do Ministério Público os atuais ministros Celso de Mello (SP), Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Um trio que votou unido, sustentando os princípios nas peças de acusação da Procuradoria.

Eles creem que os governos eleitos, sustentados por alianças partidárias, formam quadrilhas para administrar o País. Simples assim. Esse procedimento, no entanto, contaminou com força a mais alta Corte de Justiça do País, como se viu agora.

Isso teve início com Junqueira, ao sustentar que o ex-presidente Fernando Collor tinha cometido crime de “corrupção ativa”. Apoiou-se em evidências e perdeu-se, segundo o STF, na “falta de provas contundentes”.

A tese, no entanto, deu frutos. Dela valeram-se agora a oposição e a mídia.

Naturalmente, em todos os governos há corrupção. Só que a punição deve resultar de julgamentos com provas e não com conjecturas, como fez inicialmente Antonio Fernando de Souza no começo da Ação Penal 470.

Ele deu asas à imaginação. Utilizou-se do conto Ali Babá e os 40 Ladrões, do livro As Mil e Uma Noites, talvez a leitura dele nas horas insones, para criar aquilo que o ministro Luís Roberto Barroso chamaria de “rótulo infamante”. Abriu a caixa de maldades e tratou o ex-ministro José Dirceu, do primeiro governo Lula, como “chefe de quadrilha”. E elencou na denúncia, não por coincidência, 40 nomes.

Essa linha foi adotada também por Roberto Gurgel. Declarou os governos de Lula, com Dilma no ministério, gerador de “tenebrosas transações”. Coerente com essa linha de atuação, que confunde governos democraticamente eleitos com quadrilhas, Rodrigo Janot deu curso à acusação e reafirmou a base da denúncia dos antecessores a partir do crime de “formação de quadrilha”.

Não se trata simplesmente de questão técnica, envolvendo os profissionais do Direito, pois nenhuma das condenações na AP 470 realizaria mais a criminalização da política do que a denúncia por formação de quadrilha.

Todas as demais condenações resultaram, bem ou mal, em penalidades por infrações individuais. Elas atingem os indivíduos. A quadrilha, sub-repticiamente, atingiria governos petistas democraticamente eleitos.

Fernando Brito:

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  • Mais uma vez sou impedida de ler todas as matérias. É que chego lá embaixo, a título de clicar no número 2, 3, etc., porém sem sucesso. Preciso me contentar com os comentários de número 1.

  • "por terem ascendido ao poder via mérito pessoal (concursos públicos bastante concorridos)".

    Dos aprovados em concursos públicos, ainda mais em cargos do Judiciário, com seus altos salários, quantos obtiveram a aprovação por mérito pessoal da fato?
    Se no Proune, com todos os cuidados e fiscalização que há, ainda ocorre casos ou tentativas de alguns grupos de fraudar as provas, como será então nos vestibulares e nos concursos públicos pelo País afora, quando não há imprensa acompanhando, não há critérios uniformes e transparentes, cada empresa organizadora tem seus próprios critérios e medidas de segurança? Ainda mais com o acelerado desenvolvimento tecnológico dos equipamentos eletrônicos, que facilitam a fraude, como o uso de celulares, por exemplo.

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