Mendes, sobre Moro, em 2010: “irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça”

A dica me vem da ótima matéria da BBC, onde Gilmar Mendes explica como simples casualidade sua animada conversa de restaurante com José Serra e Armínio Fraga pouco antes de começar a bloquear a nomeação de Lula. E de um julgamento de um habeas corpus que relata as arbitrariedades do juiz Sérgio Moro quando ainda não era o “herói do golpe” e a turma acusada era do Paraná, alguns com ligações com o Dem de Jaime Lerner.

Não preciso acrescentar mais uma palavra: uso as de Gilmar, que pediu vistas no processo relatado por Eros Grau, já avisando a razão:

É de afirmar, e o Tribunal tem-se manifestado várias vezes em relação a essa questão, que o juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação. De modo que peço vista dos autos para melhor exame.

E, depois de examinar os autos, o julgamento que faz sobre as atitudes de Moro:

“questiona-se neste writ (habeas corpus) a atuação de SÉRGIO FERNANDO MORO, Juiz Federal titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba PR, na condução do processo n. 2004.70.00.012219-8, processo no qual é imputada ao paciente a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes tipificados na Lei n. 7.492/86.”(…)

A questão, portanto, cinge-se a verificar se o conjunto de decisões revela atuação parcial do magistrado.

E, reafirmo, impressionou-me o contexto fático descrito na inicial do presente habeas corpus, pois, objetiva e didaticamente, logrou narrar e destacar excertos das decisões proferidas pelo magistrado excepto, desenhando um quadro deveras incomum.

Incomum porque não me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois reiteradamente esta Corte tem assentado o caráter excepcional da prisão antecipada:

A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições em processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia” (HC 93.883, rel. Min. Celso de Mello).

Atípico, também, pelo fato de os decretos de prisão, submetidos à reexame das instâncias superiores, terem sido, em sua maioria, não confirmados, autorizando, assim, o juízo crítico lançado pelos impetrantes.

Já tive a oportunidade de me manifestar acerca de situações em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por uma decisão de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional.

Ora, quando se cogita de independência, essa deve ser havida como:

“expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo – quando o exijam a Constituição e a lei – mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas. A vinculação do juiz à ética da legalidade algumas vezes o coloca sob forte pressão dos que supõem que todos são culpados até prova em contrário”. (Ministro Eros Grau, HC 95.009).

Chega? Não, Gilmar Mendes diz mais de Moro:

Destaco, ainda, o seguinte excerto da lavra do Min. Eros Grau:

“(…) a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividade investigatória e do combate ativo do crime, na teoria e na prática.

O resultado dessa perversa vinculação não tarda a mostrar-se, a partir dela, a pretexto de implantar-se a ordem, instalando-se pura anarquia. Dada a suposta violação da lei, nenhuma outra lei poderia ser invocada para regrar o comportamento do Estado na repressão dessa violação. Contra ‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz, ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática, como diz Ferrajoli. Ou em papel pintado com tinta; uma coisa que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma, qual nos versos de Fernando Pessoa”. 

Penso que não pode ser diferente o papel desta Corte e de nós juízes, pois é inaceitável, sob qualquer fundamento ou crença, tergiversar com o Estado de Direito, com a liberdade do cidadão e com os postulados do devido processo legal.

Como já se disse: “decidir com isenção, não dar abrigo ao ódio, não decidir com facciosidade, não ser tendencioso, superar as próprias paixões, julgar com humildade, ponderação e sabedoria, são virtudes essenciais ao magistrado” (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, Atlas, 2000, p. 326).

E, embora não defenda o afastamento de Moro do processo, é claro ao sugerir sua punição disciplinar pelo Conselho Nacional de Justiça:

Conquanto censuráveis os excessos cometidos pelo magistrado, não vislumbro, propriamente, causa de impedimento ou suspeição; não se mostram denotativos de interesse pessoal do magistrado ou de inimizade com a parte. Ao meu sentir, os excessos cometidos, eventualmente, podem caracterizar infração disciplinar, com reflexos administrativos no âmbito do controle da Corregedoria Regional e/ou do Conselho Nacional de Justiça, não o afastamento do magistrado do processo.

E, adiante, o reitera:

Eu estou pedindo que se encaminhe à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região e à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça.

Esses são fatos gravíssimos. Por exemplo, monitoramento de advogados.

Ou seja, Gilmar Mendes pede punição a Moro por monitorar advogados, o que aliás fez com o advogado de Lula. O que dirá, então,  monitorar a Presidenta da República?

Se Gilmar Mendes não mudasse de discurso conforme a qualidade do freguês eu não teria dúvidas de recomendá-lo como advogado a Lula.

Nunca antes, na história deste país, alguém traçou tão bem um perfil de Sérgio Moro.

Pena que não tenha um jornaleco destes que se acham imenso para escrever sobre isso e perguntar ao Dr. Mendes se alguém mudou, ou ele ou Sérgio Moro.

PS. Quem, como eu, está tão de boca aberta que acha que não pode ser verdade, o acórdão do HC 95518 / PR está todinho aqui para você conferir.

 

Fernando Brito:

View Comments (46)

  • O Moro e bastante conhecido no meio juridico pela intransigencia. Importante: A presidente NAO FOI MONITORADA, e sim o ex-presidente Lula. Ela foi apenas interlocutora ocasional. Espero que chequem os fatos e retifiquem o erro no texto deste artigo.

    • Amigo, foi monitorada, não importa se foi essa a intenção. Se foi fortuito e ela tem prerrogativa de foro (esquecendo o fato de que foi após mandada cessar a escuta) era para mandar o "ocasional" para o STF. Simples assim.

      • Jonas tem razão. Ser monitorado é outra coisa. Procure no dicionário.

        • Vou te ajudar (do dicionário Miichaellis online)r:
          monitorizar
          mo.ni.to.ri.zar
          (monitor+izar) vtd 1 Acompanhar e avaliar dados fornecidos por aparelhagem elétrica. 2 Controlar, mediante monitorização. Sin: monitorar.

      • o importante mesmo é que os grampos foram ilegais e devemos DES-OUVIR o que foi OUVIDO, correto?
        nada aconteceu, nada ficamos sabendo.

    • interlocutora ocasional que tem foro privilegiado, que por acaso é a presidente da República Federativa do Brasil e comandante suprema das forças armadas.
      Por um lado é uma irresponsabilidade sem tamanho com o país e para com a população.
      O país está tenso. É como palha seca. Basta uma faísca.
      E, então, quem solta a faísca ???
      Para quê ? Por quê ?
      Além da irresponsabilidade, constituiu-se um crime.
      Não é o blogueiro quem disse.
      Parece unanimidade que houve uma violação GRAVE da constituição.
      E não só com a presidente.
      Com TODOS os que tiveram suas conversas gravadas e imediatamente repassadas para a mídia, para que esta procedesse a insurreição.
      Um filme tão claro, acontecendo nos últimos 2 anos!
      Não bastasse isto, há ainda um componente pessoal, uma afirmação de uma personalidade, que beira à uma corrida pela fama, por ser um ídolo.
      Para quem ? para quê ? um juiz ?
      Este caso deve ser analisado à fundo. Acho que os sigilos da força-tarefa também devem vir à público para o escrutínio da sociedade.
      O que se passou entre o término ilegal das gravações e o momento da divulgação pela mídia.
      Quem são os atores deste episódio ?
      A divulgação do conteúdo para a mídia não foi uma distração.
      Foi proposital.
      Foi uma agressão ao poder executivo.
      Foi um ataque às autoridades constituídas, não interessa o que diz a mídia e os políticos cúmplices.
      Produziram muita ração para porcos.
      Estes chafurdam sem parar, na vida privada de pessoas que fizeram muito mais pelo país do que os que agora estão aí a tripudiar os fragmentos editados das gravações.
      Eu espero que o sistema democrático ratifique o seu funcionamento.
      Que a ordem e o estado de direito sejam re-estabelecidos.

    • E como explica a gravação da conversa no gabinete presidencial antes do assistente de Lula atender o cel? Me engana que eu gosto...se somente Lula estivesse grampeado a gravação seria a partir do momento que o assistente atendeu e não antes.

      • EXATO! E digo mais: a arapongagem não foi feita pela operadora de telefonia, e sim à moda antiga, de dentro do próprio gabinete. Percebe-se isso porque a gravação vazada começa bem antes até mesmo do toque de chamada "Ela quer falar com o Lula...". Ou seja, na afobação, Moro produziu prova contra ele mesmo.
        Ainda sobre esse episódio, Lula recebeu um documento sem a assinatura de Dilma, ou seja, sem validade. Isso demonstra que a intenção era que ele devolvesse assinado caso não pudesse comparecer à posse. "Use apenas em caso de necessidade". Se a necessidade fosse fugir da PF, teria enviado com a assinatura de Dilma. Bem diferente das suposições que os golpistas têm divulgado.

    • Gilmar define muito bem quem é moro. E ato correlato, na comparação entre o que disse e o que faz, define-se a si próprio.

  • Precisa desenhar a hipocrisia o casuísmo e a certeza de que, com a grande mídia a manipular os incautos, Gilmar Mendes, pode fazer troça da inteligência das pessoas? O mesmo vale para o "herói" de Curitiba.

    Só não vê quem se faz de cego ou então compactua com toda essa canalhice e aponta o dedo podre para quem discorda desses "mestres do direito" e "heróis nacionais", dizendo que quem não está com a suprema canalhice desses dois é a favor da Corrupção, como se, em algum momento, eles realmente quisessem combater a corrupção e não clara e cristalinamente, fazer chegar, a qualquer custo, a ideologia que lhes agrada ao poder.

    Se ser contra esses dois e as investigações claramente seletivas e que visam pura e tão somente dar um golpe no estado democrático de direito é ser "petralha". Sim, sou "petralha" com orgulho, mas não sou marionete desses farsantes blindados pela Globo e as demais grandes mídias.

    • A Globo levantou e a Globo está derrubando Lula. Ou será que ele venceu pelos seus belos olhos?

  • Já disse e repito, Moro terá o mesmo destino de Joaquim Barbosa.

    A vida ensinará a esse rapaz a ser mais justo e humilde, e menos prepotente e arrogante.

  • Falei isso hj: mendes eh um poço de contradiçao. Possui um conhecimento e uma didatica notavel, mas tal como os viloes, os utiliza como quer

  • Este senhor GM conseguiu deturpar tudo, até a conhecidíssima frase: Aos amigos, tudo; aos inimigos a lei, com ele se torna: aos amigos a lei, aos inimigos, cadeia.

  • NAS RUAS, nas web , nas redes e ou parando o Brasil, se preciso for, mas não vai ter golpe.e Lula não vai ser preso...... esperem 2018 se querem o poder

  • Aragao podia pedir algo no mesmo sentido, ja tem jurisprudencia na casa kkk

  • Dileto(a) leitor(a), assistindo ao vídeo que segue, teremos uma ideia – ainda que muito parcial – da tragédia anunciada!

    Sabatina de *’Rosa Maria Weber Idiota da Roça’, segundo o à época senador Demóstenes Torres – STF
    *do original no cartório Rosa Maria Weber Candiota da Rosa

    https://www.youtube.com/watch?v=LRYJXeaVuDo

  • CPI destes sorteios e escolhas de ministros relatores no STF JÁ!
    Ou paremos o Brasil!
    E JÁ!

    O golpe é muito sujo!
    É cruelmente sujo!

    Entenda mais um pouco da sordidez sem limite!
    Todo o script desavergonhadamente escancarado!
    E a maldade cavalar do *PIMG é assombrosa!
    E os vigaristas são muito rápidos no gatilho!
    Uma [mega]máfia hedionda altamente organizada!
    *PIMG (Partido da Imprensa Mafiosa &$ Golpista)

    $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$

    Citada em grampo, Rosa Weber relatará pedido de Lula para evitar Moro

    21/03/2016

    CACHOEIRA – perdão, ato falho -, FONTE [IMUNDA!]: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1752371-fachin-devolve-para-lewandowski-pedido-de-lula-para-evitar-moro.shtml

    • BATER À PORTA OU BATER NA PORTA DO STF?!

      … Se ‘nois’ deixar a “neosortuda” (sic) ‘miniSTRA’ *’Rosa Maria Weber Idiota da Roça’ mandar o [eterno] presidente Lula para o abate do magarefe sérgio ‘mor(T)o’ no frigorífico maligno da ‘Guantánamo do Paraná’…
      [*segundo o à época senador Demóstenes Torres – em sabatina no Senado Federal]

      … Se ‘nois’ deixar esta ‘tragédia anunciada’ acontecer… ‘Nois’ seremos indignos para todo e sempre!…

      Honesto, fiel, leal, generoso, sapiente e impávido povo trabalhador brasileiro, a questão crucial que urge:
      BATER À PORTA OU BATER NA PORTA DO STF?!

      No sentido semântico, bater à porta: pedir ajuda, exortar pacificamente, rogar clemência, solicitar…;
      bater na porta: aviso a respeito de eventual posterior arrombamento, alertar acerca de irregularidades que estão sendo perpetradas no interior do antro, demonstrar lídima insatisfação…

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