Milton torna o domingo melhor

Não sei aí, mas aqui no Rio o domingo amanheceu feio, frio e chuvoso, como que num luto pela Ágatha de ontem e, infelizmente, as de amanhã.

Mas, pelo menos, foi bom ver-me partilhando o resmungo de Milton Nascimento na Folha, dizendo que “a música brasileira tá uma merda”…. As letras, então. Meu Deus do céu. Uma porcaria”

“Não sei se o pessoal ficou mais burro, se não tem vontade [de cantar] sobre amizade ou algo que seja. Só sabem falar de bebida e a namorada que traiu. Ou do namorado que traiu. Sempre traição.”

Ufa! Que alívio! Por que por vezes a gente se pergunta se o problema não está em termos ficado velhos e mal-humorados, fechados ao mundo e ao novo.

Milton e sua imensa obra ajudam a lembrar que coisas pequenas e coisas mesquinhas não são a mesma coisa.

Bobagem dizer que ele era o afastado da política na geração Chico-Caetano-Milton-Gil.

Desde sua primeira música de sucesso, a Canção do Sal, seu trabalho esteve impregnado da causa social: “Filho vir da escola problema maior é o de estudar/Que é pra não ter meu trabalho e vida de gente levar“.

E seguiu assim, por Caxangá (veja só meu patrão…), por Notícias do Brasil (Aqui vive um povo que cultiva a qualidade/ ser mais sábio que quem o quer governar).

Falou dos exilados na Canção da América (mas quem ficou, no pensamento voou/Com seu canto que o outro lembrou), fez músicas que se tornaram hinos (Maria, Maria, Coração de Estudante, Bailes da Vida com seu “todo artista tem de ir aonde o povo está”).

Talvez nunca o racismo e a crueldade das desigualdades sociais do interior tenha sido condenados de forma mais lírica e delicada que em seu Morro Velho, nem a recusa à massificação das relações sociais pela mídia de maneira mais generosa que em Milagre dos Peixes.

É tanto o que escreveu e cantou que qualquer lista é ridiculamente falha. E olha que nem botei Minas na relação.

Milton é a prova de que a inteligência, o talento, o trabalho e o sentimento são armas mais fortes que o mero radicalismo verbal para lutar pela igualdade e grandeza do ser humano.

E que, por pior que as coisas estejam, não se pode parar de cantar. Mesmo que a música e a política brasileiras estejam uma merda.

Enquanto nossa morte não vem, viver de brigar contra o rei.

Fernando Brito:

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  • Obrigada, Fernando Brito. Que texto! Arrasou. Lacrou. Fechou

  • Talvez a música tenha ficado, temporariamente, relegada pelos artistas mais sensíveis, em razão da rápida transformação do mundo por conta das redes sociais. Mas essa fase vai passar e as interações via redes sociais vão se tornar lugar comum, tanto quanto em outros tempos a palavra escrita e a música gravada devem ter causado impactos passageiros nas artes, até serem inteiramente assimiladas pela sociedade.

    • Hoje os novos artistas fazem musica por dinheiro e não pela sensibilidade.

    • Creio que a concentração de produção e divulgação em poucos grupos de mídia as obrigou a obterem lucro alto e rápido com material de fácil consumo.
      Para piorar, os críticoscomentaristas, que opinavam relativamente com liberdade, hoje tem vínculos até empregatícios com esses grupos. No futebol ficou escancarado.
      A concentração em poucos grupos mata a liberdade da Crítica. Vivemos tempos de interesses econômicos acima de tudo, principalmente, da qualidade.

  • Tenho para mim que não é burrice ou falta de vontade, mas letras sob medida para o lucro fácil. Há muito tempo assisti a um filme de ficção científica em que o personagem acordava em um tempo futuro, em que não existiam mais músicas, apenas "jingles" publicitários. Estamos quase lá...

  • Só que apoiou o aecio e tudo de merda que veio depois e ainda não se posicionou sobre isso.

  • Amante da música que sou...não me conformo com esse lixo que tá aí.
    É uma tristeza!!!!!

  • O eco do horror se espalha pelo Brasil todo, mesmo nos locais onde o sol é forte nesta manhã como aqui em Vitória da Conquista.
    No entanto, atrevo-me a discordar de dois mestres (Milton e Brito), ou pelo menos dizer a mesma coisa com adendos as suas palavras: a música brasileira, propagada pela mídia e difundida pela industria Cultural, está uma merda.
    O Brasil continua riquíssimo na sua produção musical e há muota gente produzindo e consumindo musicas novas da maior qualidade mas não há o alarde dos grandes festivais midiáticos de outrora...
    Sugiro, para um deleite da arte beste dia a canção Cafuso, do também negro e mineiro Pereira da Viola... na música, como na política é preciso mergulhar em águas profundas para encontrar respostas mais verdadeiras!

  • Milton (Bituca) é gênio. E se cercou dos melhores parceiros como Fernando Brandt, Marco Borges e Ronaldo Bastos. E ainda Rui Guerra, parceiro de lindas e fortes canções. Sempre consciente. Tive o privilégio de ve-lo cantar pela primeira vez dentro de minha casa quando eu tinha 14 anos. E ele cantou três músicas: Maria minha Fé, Morro Velho e Travessia. O ano era 1967. Me tornei fã de carteirinha. Inesquecível.

  • É UM OASIS OUVIR SOBRE E MILTON. EU RECENTEMENTE PERDI A AUDIÇÃO . NO ENTANTO AINDA ME GUARDO NA MEMÓRIA AS MÚSICAS DE MILTON. ME EMOCIONEI AO LER SUA MENÇÃO Á VERSOS DE MILTON. MESMO NÃO PODENDO MAIS OUVI-LOS EM ÁUDIO MINHA MEMÓRIA REGISTROU E VIVO CANTAROLANDO AS MÚSICAS DE CHICO, MILTON, TOM, GIL, CAETANO. NÓS ÉRAMOS FELIZES SEM SABER. NO ENTANTO MINHA SURDEZ TEM SEU LADO POSITIVO , COMO TUDO NA VIDA, ME LIVROU DE OUVIR TANTA PORCARIA , DESDE O FINAL DO ANO PASSADO. SIM É BOM ESSES CARAS VOLTAREM RÁPIDO A COMPOR ASSIM PELO MENOS SALVA OS TÍMPANOS DOS HOJE JÓVENS. VIVA MILTON NACIMENTO.

  • Brito, temos que admitir que estamos velhos e fechados... kkkkkk... mas dizer que “juntos e xélou náu” é “música” simplesmente NÃO DÁ! Kkkkkkkk! E não é pelo fato de ser versão de música em inglês, pois tem muitas versões brasileiras que são excelentes. Mas a dupla sabe o público porcaria que tem e sabe que, mesmo mandando um preguiçoso “juntos e xélou náu”, a música faria sucesso nos cérebros de geleia. Enfim, pra quê se esforçar? Ou pra quê talento?

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