Leio, em matéria da Reuters, que a ministra Carmen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, recomendou, em palestra da Associação Comercial do Rio de Janeiro, que os brasileiros devem “assumir a ousadia que os canalhas têm”.
A frase de Nelson Rodrigues, voltou a circular por obra de Arnaldo Jabor, o Furioso, que talvez a tenha usado como um autorretrato.
Repetida por uma ministra do Supremo como recomendação, aí já se torna uma dantesca caricatura do espírito que tomou conta de parte ( e parte barulhenta) da magistratura brasileira e que é, em si, a negação do equilíbrio da Justiça, que tem a espada em repouso e ergue, antes, a balança.
Porque os homens e mulheres de toga, ministra, não podem ou devem ser ousados, mas equilibrados, prudentes e firmes, antes de tudo.
Tomo a liberdade de dizer à senhora, que dele deve conhecer mais do que eu, as palavras de Catão, o Velho: “os sábios evitam os erros dos tolos, enquanto estes últimos não imitam a prudência dos sábios”.
É fato que a senhora não nominou quem são os canalhas, mas não é bom para os homens de bem que aquela que vai julgá-los já tenha, in pectore, a alguns na conta de canalhas e a outros como “homens de bem”.
Do contrário, além de erguer a espada antes da balança, a Justiça também arranca fora sua venda e apenas dá forma jurídica ao que já julgou antes de “julgar”.
Ou, para voltar a Catão: “É difícil, ó cidadãos, discutir com o ventre, que não tem orelhas.”
Julgamentos com predomínio exclusivo da opinião pública (ou da que se publica, na sabedoria do Barão de Itararé, patrono dos blogs) a humanidade conhece desde que Pilatos perguntou, na praça do pretório, quem deveria ser condenado e poupado.
Eu, o leitor, qualquer pessoa que passe aqui na calçada, podemos, por exemplo, considerar Eduardo Cunha um canalha.
Não a senhora, quando for julgá-lo, ou a qualquer outra pessoa, seja ela um canalha ou não.
Juiz considerar-se “salvador da pátria”, por unção de um concurso público ou uma nomeação política, é a porta aberta para o autoritarismo e a tirania.
Joaquim Barbosa e Sérgio Moro, alçados pela mídia a esta posição, são dois exemplos de que assumir a ousadia dos canalhas acanalha-nos como eles.
Não, Ministra, civilização é sermos capazes de não mordermos com a mesma fúria o cachorro que nos morde.
Senão, o que nos diferenciará deles?
Eu ia perguntar se a senhora não acha, mas me lembrei de um trecho de sua entrevista logo ao tomar posse na vice-presidência do STF e resolvi não perguntar, para não ficar na mesma situação:
“Outro dia eu falei com um juiz do trabalho, que disse: ministra, mas a senhora não acha… Primeiro, eu não acho, eu voto, eu decido. Ele disse: eu estava falando para florear, para a senhora não ficar de mandona. Não, meu filho, eu obedeci a Madre Superior, minha mãe, meu pai, namorado, professor, agora eu mando. Adoro mandar. Eu mandei, cumpra. Mulheres, depois que passa dos 50, a gente gosta mesmo é do sim senhora, não é do eu te amo. Se tiver o eu te amo junto, aí isso é um Deus. Sim senhora e eu te amo, aí é realização total”.
Sim, senhora…
Agora, imagine se Dilma, que foi eleita, dissesse algo apenas parecido?
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Não discordo da Ministra, na vida é necessário sim Ousadia, se tivéssemos no Congresso a Ousadia que a direita vem tendo, não estaríamos na situação que estamos por exemplo, sei lá, apenas nessa notinha não da para entender o Contexto da ministra, mas não vi a gravidade da declaração dela, ao menos, nessa pequena nota
Mas ela falou "ousadia dos canalhas". Deve estar se referindo ao Moro que atropleou a constituição e ela disse não ver excessos cometidos por aquele juiz. Depois de um que condena sem provas vem outra que admira canalhas. Isto sem falar no gilmar. Tamos mal.
Aliás, de canalhice a ministra parece conhecer muito. Ela é exatamente aquela que ao externar seu voto na condenação a Dirceu (no julgamento do mentirão, digo, mensalão) mesmo sem ter provas, mas que a (pasmem) "literatura" o permitia.
Não foi ela, mas a colega Rosa Weber. Mais grave: Rosa Weber sequer teve competência para redigir o voto que leu, já que não possui experiência na área criminal; ela apenas leu o voto, redigido por quem... Sérgio Moro, o mesmo que julga os casos da Lava Jato. O carácter vacilante de Carmem Lúcia se mostra em votos díspares sobre casos semelhantes. Aliás, nesse quesito o decano Celso de Mello é professor, pois votou em 2012 de forma oposta ao que fez no final da década de 1990, sobre a perda de mandato parlamentar (é só pesquisar na página do STF, para constatar essa aberração jurídica).
Esta infame asneira, aliás, nem foi parto próprio, é canalhice de autoria do moro.
Em tempo: e quem assinou em baixo da balela foi a rosa weber.
Atenção para não confundir, que o que não falta é canalha.
A gravidade está no fato de um juiz/uma juíza não mandarem. Eles e elas julgam com base nas leis que refletem o direito.
Simples assim.
Perfeito!!!
Mandam sim, tanto que temos o "MANDADO JUDICIAL"! O que há é uma confusão entre julgar e "mandar" cumprir uma sentença e, sem fundamento, mandar por mandar!!! É sutil, mas é diferente. Para o resultado esperado faz toda a diferença, não é verdade?!
A ousadia dos canalhas serve para canalhice! A ousadia dos canalhas está na base do desrespeito às Leis e esse mesmo respeito à Lei é o que detém, ou baliza, a ousadia dos de bem! O exemplo do cachorro é didático, dispensa desenho!!!
infelizmente , a Carmem tem o figado da elite.
E uma pena.
O texto de hoje lava nossa alma, embora lamentável seja a personagem dele. Essa senhora sempre me deu a impressão de ser gêmea siamesa daquele outro, o docinho amargo, falso poeta, o Ayres de Brittto (sei que exagerei triplicando os Ts, esotéricos duplicam, pensando ficar em harmonia e com mais poder - pausa para rir). Ainda bem para você, Brito, assim não há confusão de sobrenomes, muito menos de história pessoal. Mas, madame juíza é cuspida e escarrada a figura yang do seu coleguinha ying. Sem pretensões a poeta. Ainda bem.
Isso mesmo Maria Rita, era só o que faltava, ser poetiza!
Sobre ser poetiza e não poeta, recorro ao grande Maria Quintana: respondendo a uma entrevista ele referiu-se à entrevistadora como poeta, um elogio; ela, inocentemente, corrigiu: poetiza!!! Resposta do POETA: poeta mesmo, poetiza é dona de casa prendada...!!!
Pois eu tenho,como simples cidadão,juízos sobre A CANALHA.Para mim,o principal ingrediente que faz O CANALHA ou A CANALHA,é não terem OUTORGA.Ou seja,não prestam contas à ninguém.São livres para fazer e dizer,e dizer é uma forma de ato,o que querem.E IMPUNES!
Reprimida. Depois que foi alçada ao Olimpo do STF, se sente uma Deusa. Exige total obediência e prova de devoção amor dos simples mortais, com ameça de castigo mitológico.
Maravilhoso o seu texto, Fernando. Cada dia fico mais seu fã.
Sensacional, Brito. Parabéns. Desnudou a Ministra mandona.
"Não tenho provas para condena-lo mas a literatura me permite".
Depois disso o que pensar dos deuses do supreminho?
Tanto preparo em termos de estudo e tanto despreparo psicológico e emocional para exercer o que estudou.
como já afirmei, conheço pessoas "bem nascidas" que passam a vida estudando para serem juízes sem nenhum compromisso profissional só os estudos e pra travar, são pessoas sem também nenhuma vida social, pois, lhes faltam essa capacidade de se identificar como um simples ser humano filho de Deus e se identificam como simplesmente Deus.