Moraes está certo: “tem de dar m…”

No primeiro governo Lula, Chico Buarque recomendou a criação de um “ministério do vai dar merda”, como forma de exercer um controle sobre decisões dos integrantes do governo fadadas a gerar crise e perda de credibilidade à administração nascente e que tinha mídia e partidos sempre prontos a transformar erros em desgraças.

Penso que, com o sinal inverso, é preciso que corra, agora pelo Judiciário, uma autoridade do “tem que dar merda” para quem abusa da selvageria como política, da violência (verbal ou física) e até mesmo de atos de insurreição, sobretudo com o convite a organizações armadas (polícias e Exército, à violação do processo eleitoral e da Constituição.

Não é porque eles venham sendo e provavelmente continuarão a ser mal-sucedidos que o país pode conviver com a arruaça ou com pedidos de estabelecer-se uma ditadura.

Até porque não é preciso discorrer sobre o que estaria acontecendo se, em lugar da extrema direita, fosse a esquerda ou os movimentos sociais que estivessem bloqueando rodovias ou cercando os quartéis para pedir um golpe.

É evidente que não é espontânea e tem coordenação e financiamento empresarial a mobilização que, sem a ação firme do TSE, o país estaria vendo um caos de gravíssimas consequências.

E mesmo com aquelas ações, ainda estamos diante de situações impensáveis: saudações nazistas, casas de eleitores de Lula sendo marcadas com uma estrela, como nos guetos judeus da Alemanha, uma juíza auxiliar do STF sendo afrontada por ser nordestina pelo diretor de uma multinacional, para ficarmos em poucos e reduzidos episódios.

Nem se fale dos episódios de racismo, que explodiram por toda a parte.

O que se buscou com a eleição de um governo diferente daquele que insuflou este processo é a recuperação de níveis de convívio civilizado que, em última análise, são representados pela lei.

É inacreditável que parte da imprensa passe a alegar o direito à “liberdade de expressão” para justificar que isso deva ser tolerado e que se consume o quadro que o jurista Lênio Streck aponta em artigo: o Brasil “foi tomado por grupos de WhatsApp” e que a vida nacional se transforme num Coliseu, onde as decisões são tomadas pelo número de polegares para cima ou para baixo.

Os norte-americanos, mesmo levando centenas de capitolistas a julgamento, impondo-lhes multas ou meses de prisão, não conseguiram apagar os rastros que a selvageria deixou na política, em parte porque a Suprema Corte foi capturada pelo trumpismo.

Aqui, temos a sorte de que ela esteja gozando de independência, embora com a desvantagem de que as instituições policiais e o Ministério Público sigam vergonhosamente aparelhados, paralíticos ou cúmplices dos abusos.

Não é ao novo governo, cuja função é mover o país para a rota da reconstrução e deixar para trás a demolição bolsonaristas, que compete desmontar a máquina fascista que prosperou no país e arrastou para a incivilidade gente normalmente pacata e razoável.

É a Justiça e só quem for falso e dissimulado não reconhecerá que tem estado em suas costas, e apenas nelas, a defesa do Estado de Direito, ao qual Ministério Público e instituições policiais deixaram escandalosamente órfã ao se tornarem linhas auxiliares de Jair Bolsonaro.

Fernando Brito:
Related Post