Moro não quer ser chamado de Savonarola. E de Vidigal, pode?

Ontem, na Folha, Rogério Cézar de Cerqueira Leite,  professor emérito da Unicamp e uma das glórias da ciência brasileira escreveu artigo na Folha onde traçava um paralelo entre as ações de Sérgio Moro e as de Jerônimo Savonarola,  poderoso religioso da Florença medieval que escreveu um Compendium revelationum, em que associava a corrupção do clero com um dilúvio de pecados e libertinagem e derrubou os Médici florentinos.

Cerqueira Leite lembra que, ” após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença” e em seguida desmoralizado e levado à fogueira.

Hoje, Moro se insurge e diz que publicações como a do professor “deveriam ser evitadas” (uau! Temos um reitor do que deve ou não ser publicado!).

De tanto exercitar sua famosa “cognição sumária”, o o Dr. Moro talvez já não saiba o que é uma metáfora. E talvez até se aborreça, o nosso  São Jorge contra o dragão da corrupção, se alguém, por isso, chamá-lo de capadócio.

Então, para reparar a injustiça da qual reclama,  publico outro artigo em que se busca um personagem para metaforizar sua cruzada, numa figura bem menos medieval, a do Major Vidigal, com a qual ele talvez tenha travado contato nos bancos escolares, naquelas leituras de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida:

“O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que dava e distribuía penas e, ao mesmo tempo, o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua justiça não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processos; ele resumia tudo em si (…)”.

O artigo foi escrito por uma leitora, a quem  chamarei de A.Y., esperta como o próprio Manuel Almeida, que só foi ter seu nome no texto clássico em 1863, depois de sua morte.

O Vidigal do Golpe

Tem-se escrito muito sobre a figura do juiz Moro, o moralista.  Fala-se até que sua biografia foi comprada por aquele que tornou visível o capitão Nascimento, filme que prenuncia o estado policial no qual estamos atolados.

Muita tinta para nada.

Na discussão entre moral e política, que seria interminável se nos dedicássemos seriamente ao assunto, diríamos apenas que elas estão implicadas irreversivelmente, não há política sem  moral.

O jogo de poder depende intrinsecamente do julgamento que se faz do ator e do ato político. Não fosse assim, os meios de comunicação não nos imporiam figuras desprezíveis de coroneizinhos sem nenhuma expressão, que bastaria olhar para eles, se tivéssemos alguma autonomia no nossa forma de ver, para saber que governarão e legislarão para tornar ainda mais difícil a vida da população.

O poder da mídia se baseia em determinar o que e  como devemos olhar.

Mas, voltemos a nosso Vidigal atual. Explico: Moro está longe de ser um “moralista”, mesmo um falso Savonarola que será desprezado pelas classes dominantes logo que ela conseguir o que quer. Sequer é um tartufo, pois este tem o dispendioso trabalho de enganar suas vítimas, correndo o risco de ser desmascarado a qualquer momento. Moro escancara a ilegalidade de suas ações faz já algum tempo. Não se dá o trabalho de ocultar nada.

De vez em quando joga um ossinho tucano para a patuleia  do resto do judiciário (incluindo o STF) e da população de má-fé se sentirem reconfortados.

Moro é o Vidigal de Memórias de um sargento de Milicias, um zé-ninguém com muito poder sobre o povo e nenhum sobre os que estão por cima da carne seca.  

A literatura nos brindou com personagens ridículos memoráveis dos agentes da lei.  Balzac era impiedoso com a polícia. Manuel Antônio de Almeida,  com uma inteligência política e satírica  inigualável, mistura na figura de Vidigal o Juiz, o policial e o carrasco. Os Moros-Vidigais são figuras constantes na história e sociedade brasileiras. Almeida, observador arguto, não inventa do nada este sinistro e ridículo personagem.

Outra característica fundamental dos Moros-Vidigais e seus Dallagnols milicianos é que em sua sanha com os Leonardos da vida está impresso o seu profundo sentimento de vira-lata, que evidencia a todo instante que não passam de pobres-diabos, paus-mandados que nunca chegarão à instância superior que os comanda.

Neste sentimento de espinha dobrada podemos incluir a toda a elite brasileira que considera que nasceu no lugar errado. O Del Rey (entenda-se os Estados Unidos) os premia com vantagens pecuniárias  e, principalmente,  com galardões que são até bastantes costumeiros. Nos casos em que os serviços são mais considerados, se outorgam títulos de Doutor Honoris Causa (que é também ridículo, mas numa outra classificação), os prêmios não se limitam à pequena regalia de meras conferências.

Moro  está longe de pertencer à categoria pela qual o patrão tem alguma consideração, apesar de seu serviço ter sido fundamental para o império, é apenas serviço sujo. Esses afagos simbólicos trazem a ilusão a estes homenzinhos de que são alguma coisa. Não passam de Vidigais que, ao enquadrar as pessoas de bem que se lhes opõem, escancaram as portas às verdadeiras raposas que atacam o galinheiro.

Aliás, está errado separa-los, fazem parte do mesmo grupo. Mani pulite sobre o Judiciário é o que o Brasil está precisando com extrema urgência.

Seria cômico se não fosse trágico. Pensando melhor, é apenas patético.

O que nos resta? Por enquanto, rir bem alto, como fez Manuel Antônio de Almeida, do ridículo Vidigal atual e todos seus milicianos, inclusive os togados.

Fernando Brito:

View Comments (71)

  • E de golpista, fascista e filho da puta ele pode ser chamado? Não bastasse os crimes que esse juizeco de merda e sua turma de CÚritiba cometem, agora quer arvorar-se de censor e definir o que deve ou não ser publicado. Críticas aos métodos fascistas da vaza-ratos, ao partidarismo escancarado e à falta de imparcialidade devem ser evitada de agora em diante para não melindrarem vossa majestade. É inacreditável a que ponto chegamos, um juizeco de primeira instância e aspirante a ditador querendo decidir sobre o que deve sair ou não na imprensa.

    • Maurício, para mim a FSP está é fazendo um jogo de cena para melhorar sua "isenção". Eventuais artigos, logo atacados, fazem parte do jogo. Quando é das descaradas mentiras contra a esquerda não aceitam/publicam o outro lado.
      Dilma e a publicada "ficha" que o diga.
      Nunca admitiram sua mentira.
      Já para o Major Vidigal-Moro, agora tambem na função de censor, vem rápido.

      Belíssimo e arguto texto de A.Y.

  • Perfeita descrição de nossa terrível situação atual. Até quando esta farsa será admitida pelo povo. Provavelmente quando o Savaragnola mandar prender o Lula.

  • Na carta so savonarola vidigal à folha, ele se queixa de algo que teria sido escrito sem base factual, o que é risível. Mas sergio moro não se importa com acusações, julgamentos e condenações sem base factual. Muito menos com vazamentos seletivos e unilaterais. ainda não entendo como sees juiz conseguiu tanto poder. E ainda quer mais: quer ser censor. Quer editar jornais, mais do que já influi em edições.

  • Na carta so savonarola vidigal à folha, ele se queixa de algo que teria sido escrito sem base factual, o que é risível. Mas sergio moro não se importa com acusações, julgamentos e condenações sem base factual. Muito menos com vazamentos seletivos e unilaterais. ainda não entendo como sees juiz conseguiu tanto poder. E ainda quer mais: quer ser censor. Quer editar jornais, mais do que já influi em edições. Como esse juiz conseguiu tanto poder? Isso não me sai da cabeça.

    • "Como esse juiz conseguiu tanto poder?"
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      Meu caro Ferraz. A resposta a tua pergunta está no artigo [o grifo é meu]: "Moro está longe de pertencer à categoria pela qual o patrão tem alguma consideração, apesar de seu serviço ter sido fundamental para o IMPÉRIO, é apenas serviço sujo".
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      Este poder foi-lhe outorgado pelo Sistema de Poder que domina os EUA e boa parte do planeta e quer dominá-lo por inteiro.
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      Não sei se tu já paraste para fazer um reflexão quanto à forma como vem sendo conduzida a Lava Jato.
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      Eu te digo que eu concluí que a coisa toda é de uma engenhosidade fabulosa, genial. Foi idealizada e gestada, certamente, em um dos tantos think thanks dos EUA.
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      A Lava Jato foi implementada de forma a colocar todo mundo na mira: a classe política, a mídia, o empresariado e o judiciário.
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      Para isso, contou com as investigações [espionagem] dos serviços secretos dos EUA, que têm o dossiê, digamos assim, de todo mundo.
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      Esses dossiês bastam para ameaçar e chantagear a classe política, o grande empresariado, pelo menos, o judiciário e a mídia.
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      Com a chantagem, o Sistema de Poder que citei colocou os políticos, a mídia, o empresariado e o judiciário a trabalharem para seus interesses.
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      E os interesses desse Sistema de Poder estavam sendo contrariados - de forma ainda tímida, penso eu - por um partido inoportuno, o PT, que tinha que ser tirado da jogada.
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      O PT fez cagadas? Fez. Gente do PT se envolveu em corrupção? Sim, e deve, sem dúvidas, ser investigado e condenado; com base em provas cabais e não apenas em "convicção" e "literatura jurídica", é bom frisar.
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      Mas, os desvios do PT são insuficientes para explicar o golpe. O PT caiu porque porque contrariou - timidamente, repito - o Sistema de Poder.
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      Havia um rumo para o Brasil seguir, o mesmo do México, e o PT desviou, um pouco desse rumo. Era preciso eliminá-lo.

    • Meu caro Ferraz.
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      No geral, a mecânica básica do golpe não destoa de outros golpes aplicados ao longo da história pelo Sistema de Poder que domina os EUA.
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      Apenas algumas técnicas novas vieram sendo empregadas ao longo do tempo, conforme o cenário em que deveria ser aplicada a derrubada do governo. Mohammed Mossadegh, Getúlio Vargas, Jacobo Arbenz, João Goulart, Juan Bosch, Salvador Allende, Maurice Bishop, Manoel Zelaya e Fernando Lugo, para ficar apenas nesses governos derrubados.

    • Rogério, a resposta à tua pergunta está no texto: "Moro está longe de pertencer à categoria pela qual o patrão tem alguma consideração, apesar de seu serviço ter sido fundamental para o império, é apenas serviço sujo." .."Não passam de Vidigais que, ao enquadrar as pessoas de bem que se lhes opõem, escancaram as portas às verdadeiras raposas que atacam o galinheiro.
      Aliás, está errado separa-los, fazem parte do mesmo grupo."
      O chefe da operação "mani puttane" (mãos prostituídas) é um agente de potência estrangeira que aliada à plutocracia escravocrata brasileira usa este agente provinciano para fazer o jogo sujo. Para fazer este jogo sujo oferecem-lhe o poder necessário ao cumprimento da tarefa encomendada. Simples assim, tem poder outorgado enquanto for útil ao império e seus aliados internos.
      Quando já não lhes servem mais os descartam, ou mesmo tiram-lhe o último suco, como fizeram com o juiz argentino Natálio Alberto Nusman, que lá desempenhou um papel semelhante àquele de moro, e ao final foi suicidado.

      • Lembraste muito bem do caso ocorrido no país vizinho, Guerra. Para além do que a mídia hegemônica divulgou, à exaustão, Nusman era apenas um peão, um instrumento, de Israel e dos EUA.
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        Há fortes indícios de que os atentados terroristas perpetrados em Buenos Aires em 1992 e 1994 foram planejados pelos serviços secretos desses dois países. Convenientemente, passados já 24 anos e 22 anos de um e de outro, as investigações de ambos os atentados ainda não chegaram a conclusões definitivas.
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        Israel e EUA seguem tentando imputar a culpa no governo islâmico do Iran. Por que motivo? Ora, porque, assim como o governo do PT, o do Iran também tem que ser derrubado.
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        O crime dos iranianos: seguir um caminho autônomo e soberano em relação aos ditames dos EUA e da Europa. Já faz 36 anos que o Iran não faz o que os donos do mundo, pretensos, querem.

  • Pode chamar de Hynkel? Pode chamar de Napaloni? O brasil é um lugar ridículo. Só num lugar medíocre e de população muito burra determinados elementos se tornariam "autoridades". Isto aqui nunca vai deixar de ser uma vergonha pra se transformar num país. Onde estão os idiotas que bateram panelas pra protestar contra a doação de 10 bilhões de dólares feita pelo "governo" ao FMI? Sim, nas condições em que foi feito o negócio é uma verdadeira doação. Os gringos já tomaram nosso petróleo, agora vão começar a tomar nossas reservas cambiais também.

  • Eu prefiro considerar o Moro como uma espécie de capitão do mato pós moderno que arruína seu próprio povo para beneficiar os grandes senhores de além mar.

  • A justiça não é neutra, imparcial, objetiva e produtora de verdades, como muitas pessoas acreditam, como todas as criações humanas, ela é recheada de percepções de mundo de seus autores e atores. No caso do Moro na sua percepção de justiça demonstrada a exaustão, é conduzido por uma pessoa despótica, cruel e autoritária que não tem menor pendor a ser isento de preconceitos. A justiça na sua falibilidade propõem, pelo menos um conjunto de provas robustas, que pudesse ser avaliado por outros atores. Proporia que no caso de de Dirigentes de Estados, onde não houvesse perseguição política, o julgamento se daria em uma corte internacional de juristas, caso as provas fossem consistente. O que ocorre no Brasil, no Tribunal do Moro, é um caso de fascismo, de tortura, de uma mente que persegue aqueles que não comungam suas idéias. Não há imparcialidade de julgamento , há um justiceiro a serviço da mídia, um bandido, que denigre, desonra, que persegue famílias, que se adona do corpo e das almas dos seus prisioneiros, tendo um stf complacente e igualmente criminoso. O Brasil tem hoje um dos piores dias da sua triste história. O que assistimos é um filme de terror com o Drácula bebendo sangue e festejando com seus comparsas.

  • Risível ! ..... herói nacional, 90% aprovado, fóLha séria ? jornal ? môuro nas ruas ? Olha, eu até considero o lulo grande responsável por esta atual bagunça, mais pelo que deixou de fazer e pelo pouco de bom que fez. Ainda assim não abro mão de uma Verdadeira Justiça. Ladrão é ladrão em qualquer parte do mundo. Selecionar o réu por classe social, cultural, regional, partidária, de credo, de gosto ou preferência é algo abominável, mormente em se tratando de gente do metiê. Se provas não valem mais, então ponham todos os banqueiros na cadeia. Não fazem um parafuso e têm lucros astronômicos . Itaú, 30.000.000 ao ano; bradesco idem.

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