Não temos política. Portanto, não teremos governo

Na entrevista que deu ao serviço brasileiro da agência de noticias alemã Deutsche Welle, o cientista político Fernando Limongi, doutor pela Universidade de Chicago e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas   pergunta como o Governo Bolsonaro vai seguir nesta toada:

Nunca o Executivo esteve em melhores condições para ditar os termos da negociação com o Congresso. Se ele acha que deve ser na base da nova política, não tem que dizer que “a bola está com o Congresso”, e sim estabelecer qual jogo vai ser jogado a partir de hoje.
O problema é que o Bolsonaro não sabe como, porque nunca participou de um processo deliberativo. Ele era um deputado medíocre, do baixíssimo clero, que não tinha o menor interesse pela produção de políticas públicas.
Tudo o que ele fazia era movimentar as redes sociais. Como vai governar assim?

Sua pergunta, professor, contém a resposta.

Jair Bolsonaro se alimenta deste estado de confronto, de enfrentamento de, como ele próprio disse, de destruição.

Se ele chegou à Presidência assim, convenhamos, tem certa razão em pensar que é assim que se sustentará, não importa o quanto de dano isso vá trazer para o convívio social.

Ele pode sair menor como estadista (o que não é), como político (o que não é), como administrador  (o que não é), mas se fortalece no que é: um fomentador de dissenso, de conflitos, de polêmicas vazias e despropositadas no que podem (e não podem) levar o país a algum rumo.

A entrevista de Limongi é imperdível e dela transcrevo trechos de uma clareza exemplar:

“Essa história de passar a bola, como o presidente falou, revela uma completa incapacidade de pensar o sistema político como ele funciona. Este é o nosso grande problema atualmente, e não a questão da corrupção. Quem está à frente do Executivo não tem a menor compreensão do processo político, do mais básico sobre o que seja fazer políticas públicas. É gente inexperiente. E não falo só do Bolsonaro, mas também o Guedes, o Moro, que querem impor a sua vontade. Eles acham que mandam o projeto definem que é preciso aprovar o que foi enviado. Não é assim que funciona na França, nos EUA, e nem era assim na ditadura militar aqui. É muito primária essa discussão. Este é um governo de pessoas despreparadas, incapazes de gerir o Estado”.

“É certo que a campanha desfechada pelo Bolsonaro e sua turma contra o Maia nas semanas anteriores, via redes sociais, é inaceitável. Ele tinha que reagir, mas para mostrar que é superior, e não descer ao mesmo nível. Agora, o fato é que o Maia não é nenhum grande estadista. Teve uma ascensão meteórica por causa desse vazio produzido pela Lava Jato [tanto quanto] como pelas eleições.”

Se há uma coisa que o Bolsonaro pratica é a velhíssima política. De uma forma absolutamente oportunista, ele abraçou essa ideia, o que é mais uma prova de sua total incapacidade. Acho importante ressaltar que toda essa bagunça com relação ao Congresso e a Previdência, assim como a comemoração do golpe militar, tirou dos holofotes a pauta da Marielle e do possível envolvimento do filho dele com as milícias. Não posso garantir que é premeditado, mas é fato que o olhar da opinião pública foi desviado. Ele está brigando com o Maia, mas usa a estratégia do seu pai, César Maia, que criou o termo “factoide”. O Bolsonaro cria um por dia. São problemas que, depois, ele não consegue resolver.

O pior, porém, é que a destruição da política no Brasil, processo que é menos originado de Bolsonaro do que da mídia e do Judiciário, mas por ele é representado, deixa o Brasil sem alternativas:

 Para que o Congresso ou qualquer maioria venha a considerar o impeachment, precisa ter o governo alternativo para pôr no lugar. Isso significa que é preciso formar uma coalizão capaz de trocar a que está no poder hoje. Nada está se formando no momento, não há polos de atração capazes de fazer isso. O desastre eleitoral que foi 2018 para o PT e PSDB retirou essa possibilidade. Sob esse ponto de vista, o cenário é mais delicado que nos períodos anteriores às quedas de Collor e Dilma. Você está diante de uma terra arrasada produzida pela eleição do ano passado, que não deixa alternativa viável a esse governo.

Fernando Brito:

View Comments (11)

  • sinceramente acho que estamos sem saída; só se alguma brecha vir de fora, particularmente da resistência da Venezuela, que concentra nesse momento as questões geopolíticas que nos trouxeram a esse momento horroroso

  • O Lula foi preso pelo imperialismo. Assim como o clima de ódio criado no país contra as forças populares nada mais é do que o caminho da servidão que o capitalismo cria. Pós verdade e fake news são simplesmente novas formas de alienação. A pessoa está desempregada e passando fome mas sua preocupação é com o kit gay. O nosso perverso neo liberalismo do século XXI se sustenta por um assustador e alto grau de alienação. Como recuperar a ideia de socialismo no século XXI? Esse é o nosso desafio e luz no final do túmulo (ou melhor túnel).

  • O PT elegeu a maior bancada da Câmara, fez, junto com aliados, governadores de 09 Estados e teve Haddad no segundo turno: isto é um desastre eleitoral?

  • Temos uma Bastilha. E ela fica em Curitiba. Sabe-se lá o que vai acontecer. Mas temos uma Bastilha

  • MAS EXISTE UMA SAÍDA! A SAÍDA É ATRAVÉS DO CAOS ECONÔMICO QUE O GOLPE CRIOU!
    EM APENAS 90 DIAS SURGIRAM MAIS 1 MILHÃO DE DESEMPREGADOS! UMA BOMBA RELÓGIO NUCLEAR ECONÔMICA E SOCIAL!
    O AFUNDAMENTO DO PROJETO DO GOLPE E DOS FASCISTAS DO MERCADO VIRÁ PELA FALÊNCIA DO MODELO SÓCIO-ECONÔMICO!
    A CRISE ECONÔMICA É TAMBÉM A DEMOCRACIA QUE SE APROXIMA, COM DOR, SUOR, SANGUE E MORTES!
    SEM SOFRIMENTO NÃO EXISTE MUDANÇA! NÓS TAMBÉM SOFREMOS NA CARNE, MAS...
    AFUNDA BRAZIL!

    • Quanto mais tardar a organização da resistência, maior será o custo da recuperação da democracia.

  • Eu diria, trocar a ditadura pela democracia mas…não vão largar o osso.

  • Quanto tempo isso irá durar ? . . . ... O povo tem pressa, de viver: a vida não pode esperar. Quem explodirá primeiro ?

  • A elite econômica que explora o Brasil, um bando de viralatas que não se pode nem se quer chamar brasileira, revela na prática seu habitual desprezo a qualquer construção nacional. Seu objetivo é destruir, arrasar, aproveitar-se do choque e do pavor para dominar.
    Talibãs como Velez, Damares, o Chancelerdo e o próprio Miliciano-Mor não foram colocados lá por acaso. O objetivo é demolir rapidamente toda a ordem democrática consubstanciada na Carta Magna de 1988.
    As reações da sociedade até o momento são muito tímidas diante de tamanha depredação do país.
    A maioria parece esperar que, algum dia, a História conte a nossa desgraça. Mas ela contará também da nossa incompetência e covardia diante do arbítrio.

  • Acho o texto muito pertinente, exceto a afirmação que a eleição de 2018 tenha sido um desastre para o PT. Infelizmente quem respira do ES para baixo, não reconhece o nordeste como Brasil.

  • De antemão, deixo claro que não pretendo "trollar" ou agredir, portanto desculpas antecipadas se meu tom parecer agressivo, não é a intenção, apenas consequência do cansaço que este discurso "quem pariu Mateus que o embale" começa a me causar. Se digo isto, é porque tenho ouvido com alguma frequência esta argumentação, da parte de algumas pessoas da esquerda, e não apenas discordo dela como a acho perigosa. O cara não é problema de quem o pariu politicamente. O cara é problema meu, seu, do Brasil! Nós, que não o aceitamos nem o elegemos, somos os alvos prioritários de suas diretrizes "ideológicas", econômicas, da truculência verbal de seus acólitos. Suas posições equivocadas são um gravíssimo problema para o País, e onde ele não se equivoca é ainda pior, haja vista o rumo das coisas que não são mera fumaça diversionista, extremamente daninhas ao tecido social, em um exercício de perversidade de fazer empalidecer os demais representantes da alt-right latino-americanas. Já aqueles que o elegeram estão é contentes: os oportunistas, porque não o veem como inarredável, com razão o defenestrarão se ele passar de constrangimento a obstáculo às suas reais intenções, já com um general posicionado para assumir; os néscios, porque estão encontrando tudo o que esperavam dele, no seu estímulo e reforço às posturas violentas e primitivas. Querem carne crua, e ele mostra ser bem capaz de oferecê-la, se não for contido a tempo. O perigo é que este discurso de "Mateus" aparenta algo como "eu não o coloquei lá, quem o pôs que o tire". Tanto isto não acontecerá nunca quanto, se não houver real resistência, tudo pode piorar. E muito. Na Hungria, Orbàn começou assim e hoje o Fidesz suprimiu a maioria das liberdades democráticas, enquanto a população tenta em vão organizar uma greve geral. Só que muito, muito tarde. "Ah, não vamos confundir a direita europeia e a brasileira". Tá bom. O problema é a situação que se repete, aqui como lá. Os deles não vão abandonar sua posição, e se na esquerda ninguém combatê-los, eles ocuparão o vácuo da falta de oposição diante de si. Depois,como escreveu Cora Coralina, "os túmulos estarão calados". Repito, não tenho verdadeiramente a intenção de agredir ninguém deste blog, com os quais comungo opinião. Se involuntariamente levei a tal impressão, humildemente me desculpo. Minha dificuldade é com o discurso, nunca com quem o emite. O mulo-sem-cabeça é, sim, problema de todos os que mantém alguma fé na democracia, e principalmente da esquerda. Se ela nada fizer, estará fadada a repetir tristemente seu papel inerte diante do golpe, enquanto dizia "não ocorrerá, não chegará tão longe".
    Mas chegou. E ocorreu.
    E agora?

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