Normalmente ponderado e lúcido, André Singer passa longe do essencial, hoje, na Folha, ao tentar descrever o que se passa em nosso Supremo Tribunal Federal, onde aponta imensas contradições:
Tudo pode mudar na votação do Supremo Tribunal Federal em 4 de abril. Mas os resultados que na última quinta (22) favoreceram o ex-presidente Lula mostraram uma incrível inversão no âmbito da corte. Juízes progressistas nomeados por ele e Dilma votaram contra nem sequer examinar o pedido de habeas corpus do líder do PT, enquanto meritíssimos escolhidos por governos conservadores lhe concederam o benefício da dúvida. Como entender?
O que está acontecendo por lá, caro André, sequer é novo.
Data, ao menos, do julgamento da ação 470, que ficou famosa pelo nome de “mensalão”.
A meu ver, porém, é anterior e aquela ocasião só serviu para exibir esta confusão que tornou nosso Judiciário um caso quase único no mundo.
A raiz de nossos males, creio, está, remotamente, no tal “ativismo judicial”, tão francamente saudado pela esquerda ingênua, que não entendeu que, ao aceitar o Judiciário como um lugar de conquistas políticas, abriu as portas para que as instituições judiciais fossem usadas na luta política de forma abusada e ilegal.
Durante anos, “comemoramos vitórias” no Supremo , muitas vezes colocando de lado o processo político-partidário-eleitoral. Um ministro do Supremo, em matéria de mudanças importantes na lei, valia por dúzias de parlamentares, os legitimados para fazê-lo. Decisões progressistas – verdade que temperadas com contrapontos de proteção aos crimes da ditadura – foram saudadas e o Judiciário, locus naturalmente conservador, foi ganhando legitimidade aparente para ser motor de mudanças.
Esqueceu-se, porém, que ele, por natureza, é um lugar de arbítrio.
Qualquer um que tenha enfrentado, de qualquer dos dois lados, uma ação judicial aprendeu que está, nela, extremamente dependente da vontade do juiz. E quando o juiz ganha poder, seu arbítrio ganha também.
As atuações abusadas dos Joaquim Barbosa, dos Gilmar Mendes e de outros passaram a fluir por toda a máquina judicial. A ideia republicana de que todos são iguais perante a lei e que nenhum ato está imune ao exame judicial deformou-se ao ponto de submeter-se o poder legítimo originário do voto ao talante dos erigidos em poder pelo ingresso numa corporação.
Quando saudamos o bloqueio da nomeação de uma aberração como Cristiane Brasil num ministério pela Justiça, fazemos o mesmo, sem perceber, que Mendes fez ao bloquear a nomeação de Lula para a Casa Civil de Dilma, arrombando o último e já desesperado portão contra o golpe.
Abandonamos um conceito essencial à aplicação do Direito: a autocontenção do Judiciário.
Temos, hoje, milhares de pequenos imperadores, capazes de fazer palecer sua vontade sobre qualquer ato dos governantes eleitos e para isso legitimados por uma corporação que a mídia, espertamente, passou a adular e a fazer-lhe ronronar como um gatinho o Poder Judiciário.
O segundo passou foi vender à população a sinonímia entre Justiça e prisão, da qual também, muitas vezes, fomos cúmplices. Prender políticos, empresários, famosos passou a ser sinal de que “este país mudou”, embora esteja cada vez mais parecido com o passado em matéria de dominação e injustiça.
Ninguém exerceu este papel “melhor” do que Sérgio Moro. A prisão passou a ser o ato inaugural do processo judicial, em lugar de ser, como normal e legalmentemente, por regra, o seu ato final. Os mecanismos de controle judicial, por covardia ou cumplicidade política – afinal, Suas Excelências habitaram sempre e habitam hoje os arrabaldes das elites – deixaram que “as alongadas prisões de Curitiba” esticassem-se e repetirem-se sem qualquer freio: seus presos tinham o physique du rôle perfeito para “inimigos públicos”: políticos e empreiteiros, aquela espécie da qual não se encontram exemplares no reino dos Céus.
O poder, muito poder, todo o poder foi o que se lhes deu.
Não há nada de estranho em que Governos componham, lenta e pausadamente, tendências filosóficas ou ideologicas dentro de cortes supremas. É assim, desde sempre, por exemplo, nos EUA, e nem por isso por lá se dá a contradição que Singer aponta.
Pois lá funcionam (verdade que cada vez menos, com a onda de direita que afoga as liberdades por toda parte – a lei e os limites de sua aplicação, mesmo sendo por aquelas bandas e em muitas outras, a quantidade e o detalhamento da legislação menores que aqui.
O poder judicial tem freios. Sem freios, vira o que virou aqui: até para um processo conduzido com evidente motivação política, cujo resultado era sabido antes que se se lhe apusessem o primeiro carimbo de protocolo, só a muito custo, é detido, por escassa maioria e provisoriamente, na suprema corte brasileira.
Isso é mais grave que o comportamento abjeto dos Barroso, dos Fachin, dos Fux. Quem, como disse, nem chega a ser novidade, tão velho quanto o ditado português:
-Queres conhecer o vilão, põe-lhe na mão o bastão.
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E estes juízes e promotores autoritários, de pouca cultura, foram iniciados e se iniciaram aos montes na maçonaria nos últimos 30 anos (virou um negócio), ostentando sua "autoridade" sobre homens velhos, brancos, de classe média e sem nenhuma cultura, mas com algum dinheiro. Some-se os "leões" e "rotarianos" e temos uma Paulista cheia de pessoas infectadas por estes tentáculos.
Excelente comentário, Gruber.
Sempre tive a impressão que o Lions, o Rotary e a Maçonaria são três clubes frequentados pelas mesmas pessoas. A diferença é que a Maçonaria é um clube do Bolinha onde as esposas são barradas. No mais...
Excelente artigo, Fernando Brito. Sempre digo que a ingenuidade e a pressa de obter resultados (parcos, muito parcos) pela esquerda, que não tem tônus para realizar o que quer que seja a não ser pela vaga superfície das coisas, tornou-a cúmplice útil do golpe perpetrado pela direita. A esquerda foi e continua sendo manipulada pela direita. Veja o Lula, por exemplo, que vive exigindo daqueles que o acusam pedidos de desculpas. Ora, ora... a direita se diverte com atitudes pueris deste tipo.
Difícil exigir caráter, escrúpulos, dignidade e consciência de quem nem sabe o que isso significa.
É isso mesmo. Mas eu entendo que é porque Lula é uma pessoa simples e não quer ser rígido. Ele em sua moral e autoridade poderia ser incisivo como Ciro é, Renam, Eduardo Cunha e outros são. Eu pessoa simples e comum que sou jamais iria ter tal esperança de um "judiciaro" como está esse do Brasil. Vcs sabem que Sergio Cabral e Eduardo não estão presos? Não tem registro em cadeia alguma. É uma piada. No DuploExpresso.com Rômulus explica muito bem e mostra o vídeo de Sérgio Cabral fazendo teatro para enganar os bobos.
Caráter! Caráter! Caráter! Eis o que falta a parte dos ministros ministros indicados pelo PT.
Não que eles tivessem que votar a favor dos interesses do partido.
Mas por que não tendo caráter suficiente para continuar a vida sem serem ministros do STF, se submeteram a se ajoelharem e lamberem botas de quem tinha acesso ao Presidente e por eles pudessem pedir. E o PT contribuiu para isso, ao alongar demais o processo de escolha e ser republicano demais.
É a síndrome do puxa-saco. Puxam o saco de quem pode lhes ser útil para atingir determinado objetivo mas se odeiam por isso. E descontam na pessoa mais frágil que encontram. Se este hoje mais frágil tenha sido o anteriormente mais forte a quem o puxa-saco teve que bajular, será a glória das glórias.
Foi assim com Joaquim Barbosa, que Lula indicou para que fosse um representante da população negra na Suprema Corte. Mas Joaquim queria ser reconhecido como grande jurista não como jurista negro.
Quem não se lembra do Fux "matando no peito", alegando em of sua etnia e pedindo ajuda ao Zé Dirceu e Sérgio Cabral?
E a Carminha implorando ao Sigmaringa Seixas e ao Sepúveda?
O Barroso fazendo lobby junto ao PT do RJ...
O Facchin quase comete suicídio publico caso não fosse indicado. O grande garantista virou títere da mídia.
E ainda tivemos o Eros Grau.
Todos querem demonstrar a Globo (e a Globo cobra) que são grandes juristas, que estão no STF por seus grandes méritos.
Pergunta-se: quais eram esses méritos? Dar uma olhada no Google pode resolver, mas a resposta é uma: bajulação.
Penso que quem pede ou faz campanha para ser indicado, já deveria ser sumariamente eliminado da lista de prováveis candidatos.
Tem toda a razão. Fazer campanha para a própria indicação demonstra um caráter chegado à politicagem.
esse comentário é de lavar a alma ,parabéns .
Poxa.Ainda não desconfiaram os ilustres escribas,que OS JUDICIÁRIOS,inventados pelos romanos e gregos,não é outra coisa,senão a execução sumária das vontades das CLASSES DOMINANTES E MINORITÁRIAS DA SOCIEDADE? Foram INVENTADAS,unicamente com esse fim,pois esse grupamento de pessoas,sem OUTORGA E ESCOLHIDAS PELOS CRITÉRIOS DOS DOMINANTES,existem para proteger os bens dos ricos,conta a fúria dos dominados.Quanto aos dominados,eles,os eleitos,logo que assumem,adotam os VELHOS ESCRÚPULOS DOS SEUS SENHORES,que resulta em avaliar o POVÃO,como mera massa ignara e que por isso,merecem serem ESCRAVOS.Ainda não descobriram,o papel dos JUDICIÁRIOS,na sociedade de classes,onde uma minoria e DONA DE TUDO QUE EXISTE,inclusive das forças de trabalho,dos ateus em geral? Poxa!
E ponto final.
Os membros da justiça em condições de se tornarem membros do stf tem todos a mesma origem social. Nos momentos críticos, é sua origem e os interesses de sua classe social que acabam pesando mais. Desde a mais tenra idade, viveram dentro de uma realidade e foi assim que formaram sua personalidade, as exceções acabam sendo votos vencidos. Não adianta culpar Lula e Dilma pelas nomeações porque os membros da alta roda da justiça acabam fazendo o jogo que interessa aos seus. Quem vem de baixo, vai se tornando um agregado e termina defendendo os mesmo interesses. Já dá pra saber de quem estou falando nesta última frase, tenho certeza.
Uma análise lúcida e, na minha opinião, verdadeira. Algumas décadas atrás vi o começo disso aqui na pequena cidade do Norte de Minas onde vivo. Aqui, desde as eleições municipais de 1988, todos os mandatos se transformaram em disputas judiciais eleitorais. Com razão ou sem razão, isso sempre me pareceu um grande equívoco. Pelos mesmos motivos descritos nesse artigo: transferir a soberania popular para juizes e promotores.
Lembro que, ainda antes do mensalão, discuti sobre este tema com um colega de trabalho, que achava que o judiciário iria consertar o Brasil. Lembrando disto percebo que este "caldo" começou a esquentar depois que Lula se elegeu.
Acho que Singer tem razão em sua perplexidade com os nomeados pelo PT e este fenômeno merece estudo. São "traições" que remetem a outras que temos visto no âmbito político, com as quais talvez guardem semelhança. Vaidade, ambição desmedida, narcisismo, tudo isto está presente, abrindo portas a "interferências" espúrias.
Parece haver também algo mais complexo, que é um ódio àquele que considera inferior e do qual dependeu para subir.
Esse ódio que você definiu tão bem eu chamo de a síndrome do puxa-saco. Também atinge a maioria dos coxinhas que consideram o melhor presidente do Brasil um ser inferior por ser nordestino, de origem humilde e sem curso superior e por isso tem a inveja travestida em ódio.
Isto é verossimel
Assistam ao DuploExpresso.com nesse saite os comentaristas são muito bons e fazem debates muito esclarecedores. Para esse artigo lembrei do filme DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA. Um dos jurados manifesta a dúvida e todos os jurados ficam debatendo, numa sala fechada, se o crime foi executado pela pessoa que está sendo julgada.
Pena acharem um alçapão... Temos espaço pra afundar um pouco mais...
Certeiro como sempre, Brito. Infelizmente é raro aquele faro que vê apenas o crime e não um inimigo. Ou seja, que sabe que a lei é a medida que substitui o justiçamento...
Edson Fachin ganhou notoriedade por sua atuação como advogado e jurista no campo progressista. Fez relativa fama e conseguiu no governo da presidenta Dilma ascender ao STF. Lá, passou a atuar como costumam atuar as instituições judiciárias, espelhos dos interesses hegemônicos na sociedade, que é conservadora. Assim, os ministros conservadores continuam como são e os que pareciam progressistas fazem o movimento de mimetização no ambiente conservador, para não chocar-se com o poder social e econômico hegemônico e para se preservarem e não correrem o risco de enfrentar máquinas de destruir reputações. A figura de Edson Fachin ilustra essa situação. E Luiz Roberto Barroso acoelhou-se a partir de quando foi revelado que sua mulher comprou imóvel em Miami - só podia - com seu nome de solteira. Assim marcha a humanidade.