O caso STF: lições de uma arapuca

Ouvi e absorvi uma frase de Leonel Brizola que deveria servir de bússola a muita gente: na luta política, os métodos acabam por refletir antecipadamente os fins.

O episódio que distraiu o país de seus problemas reais, esta semana, transformando a censura a uma publicação de agentes provocadores – que, de tão repulsivos a mim são, que nem o nome lhes cito – é um destes casos em que, do princípio ao fim, mostram como o país está sujeito a uma deformação que só nos conduz à perda da liberdade.

O desvio original foi tomado lá atrás, quando se transferiu para Justiça a luta política, ao se enxergar no chamado “mensalão” a via para destruir a hegemonia da centro-esquerda: o que, pela via eleitoral, não se alcançava.

Sérgio Moro, como juiz-auxiliar no STF, foi cria deste processo. Mas o útero em que se formou foi tecido em 2010, pela então presidente da Associação de Jornais, Judith Brito, ao anunciar que a imprensa, dada a fraqueza do PSDB, seria “a verdadeira oposição”.

Muita coisa se passou nesta década e não é necessário historiá-la. Também não é preciso dizer que isso só alcançou o ponto a que chegamos porque uma conjuntura mundial, a partir da crise global de 2008/09, o ajudou.

O fato objetivo é que o foco dos desejos nacionais – a opinião que se publica, na definição genial do Barão de Itararé – foi mudado da posição “crescer e incluir” para a “punir e prender”.

Nossas mazelas, nosso subdesenvolvimento, carências e atrasos, desde o maldito “padrão Fifa”, passaram a ser imputados à corrupção, em lugar da dependência, do rentismo, da tutela do capital financeiro que passou, nos anos 80, a ser o “dono” da economia, interrompendo o desenvolvimento, ainda que precário, da indústria e da infraestrutura nacionais.

Para produzir o desmonte definitivo deste país, porém, era preciso mais: era necessário desmontar as estruturas político-partidárias que, mal ou bem, traduziam as expectativas de desenvolvimento, as quais precisavam ser inteiramente entregues à lenda de “o mercado nos salvará, se o deixarem livre”.

A “Lava Jato”, há cinco anos, cumpre magistralmente esta função. Avançou e ocupou todos os espaços; tranformou o Supremo em capacho do “movimento de moralização” – leia-o com duplo sentido, se quiser – do Brasil e foi impiedoso com qualquer tentativa que este fizesse de ainda preservar alguma independência. Teve aliados “internos” – Luiz Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármem Lúcia -, teve um Luiz Fux sempre à mão e a tibieza de Rosa Weber, sempre a fazer virarem poeira suas convicções e se juntar ao grupo, com as mais variadas e frouxas razões.

Do outro lado, tinha Gilmar Mendes para fazer o papel de “diabo plausível” para chamar de “aliado de bandidos”, a falta de foco de Ricerdo Lewandowski e Marco Aurélio Mello e o sempre atemorizado Dias Toffoli. Celso de Mello, um conservador, era sempre dado como caso perdido, desde que mostrou que, no final da carreira, prezava mais a fama de juiz erudito que a de juiz herói.

Mas perdeu um voto que considerava certo, o de Alexandre de Moares que, pela extração consevadora e modos agressivos, era dado como “seu”. Quando o lavajatismo perdeu a votação para enviar à Justiça Eleitoral os casos de “Caixa-2”,  antecipou o ataque que preparava para quando assumisse o controle absoluto da Procuradoria Geral da Justiça, com a substituição de Raquel Dodge.

Disse absoluto, porque ela nunca teve condições de tirar a PGR do império de Curitiba onde Rodrigo Janot, por vaidade forte e caráter fraco, a lançou.

Como a Procuradoria estava impedida, por isto, de agir em seu papel de defender o Supremo da onda de fake news e de ameaças – quem se lembra do caso do sujeito que partiu para cima de Lewandowski num avião? – Toffoli mandou abrir o esdrúxulo inquerito para isso.

Era preciso evitar que a República de Curitiba aparecesse como maestrina desta ofensiva. E usou-se a máquina suja de que dispunha para expor Toffoli, com uma “acusação” vaga dentre muitas que recolheu no “negócio” – em todos os sentidos – que fechou com a Odebrecht  na delação que levou à soltura de Marcelo, numa orquestração que rendeu bônus e “salários” a oito dezenas de executivos da empresa.

Toffoli e Moraes morderam a isca e transformaram uma pequena imundície, vinda de fonte imunda, por vias igualmente imundas em comoção nacional.

Por mais que o recuo, ontem, possa, com o tempo, minimizar o prejuízo, Curitiba blindou-se.

Usou-se, contra ela, os métodos de atropelo da lei que ela sempre usou.

 

 

Fernando Brito:

View Comments (25)

  • É um jogo de xadrez. Essa cambada deu vários xeques na democracia. Tiraram do tabuleiro a peça principal, com poder de dar o xeque mate. Mas Lula vai voltar e nós vamos vencer o jogo.

    • um jogo de xadrez em que um lado joga com uma rainha e com um rei que não podem se mover e só têm peões para defendê-los e o outro dispõe das peças e do tabuleiro da maneira que melhor lhe convém? Não definitivamente não é un jogo de xadrez.

      • É um jogo de xadrez cujas regras refletem a atual "democracia" brasileira.

        • A democracia brasileira, mesmo essa nossa "franzina e Severina", foi enterrada quando os derrotados em 2014 iniciaram o Golpe de Estado disfarçado de processo de impeachment. Ali começou outro desses vergonhoso capítulos de nossa história.

  • Estão,cumprindo seu papel histórico.Enquanto seus CRITICOS,particularmente do que se chamou JORNALISMO,IMPRENSA E OUTROS ASSEMELHADOS,não cumprirem seu papel ,e defenderem que os JUDICIÁRIOS,meros produtos que elegem a SOCIEDADE DE CLASSES,onde os JUDICIÁRIOS sem nenhuma OUTORGA,criados por GREGOS E ROMANOS,com o único intuito de garantirem aos seus senhores,os RICOS DE TODA A HISTÓRIA,os privilégios,pelos quais recebem a recompensa,não começarem a submete-los,
    À CRÍTICA,como outros, SISTÊMICA,vão sempre atribuir às mesmas críticas,que por ventura surgirem,nem sei quando,como meras subversões do que esta posto.Cabe portanto,ataca-los,de todos os lados,tarefas que as REVOLUÇÕES,cumprem,de ofício.Enquanto passarem PANOS QUENTES PRA ESSAS "MAZELAS",vamos continuar assistindo,a OPOSIÇÃO ACADÊMICA,nada mais do que isso,INUTILIDADES,por assim dizer.

  • Fernando, se acaso ainda não leste, te sugiro a leitura do artigo de hoje do Nassif, a respeito deste tema.
    Abraços!

  • Fernando Brito ótimo como sempre. Mas seria interessante sim "historiar" a década, mesmo que breve e resumidamente, para que os novos leitores se situassem. Porque já sabemos que da grande imprensa é que isso não virá.

  • Esse episódio foi somente cortina de fumaça para esconder o real objetivo: garrotear o STF, pressioná-lo a não votar favoravelmente contra a prisão em segunda instância. Agora, Toffoli e Moraes, covardes que são, não vão querer ir contra por medo de serem chamados de amigos/defensores do bandido Lula. Simples assim. O resto é o luar de Paquetá, como dizia Nelson Rodrigues.

  • O mais lamentável é ver para da esquerda tolinha transformar em imprensa, um site de propaganda PAGA, seja lá qual for a forma de pagamento. Os fanáticos fiéis do dogma da liberdade de imprensa também caíram como patinhos. Melhor teriam feito se não tivessem batido palmas para maluco dançar.

    • e onde se escondeu essa esquerda visionária? onde ela estava quando os golpistas preparavam o cerco e ordenavam a invasão? Alguma delas avisou o cerco que estava se formando ou evitou a invasão? E depois da invasão qual esquerda visionária conseguiu reagir e fazer retroceder as tropas golpistas, um centímetro que seja? Pelo amor de Deus, não! Não vejo esquerda visionária. O que vejo são oportunistas caídos do céu (ou do inferno) posando de profetas do fato consumado, motocas willys (aquela do "eu te disse, eu te disse, mas eu te disse"), velhinhos da turma do amendoim e muleques acostumados com mando à distância. Todos querendo a herança e o espólio da esquerda tolinha. Enquanto isso as ruas vazias, muxoxo por todas as partes e o salve-se quem puder de sempre. Menos, menos. O mandato de Dilma foi caçado e Lula está preso, e nós, TODOS NÓS, não fizemos nada, nada para evitar ou reverter essa situação.

Related Post