O “Exército Islâmico” que tem as bênçãos dos EUA

Conduzida com inesperada habilidade por Vladimir Putin, a posição de liderança da Rússia nos conflitos no Oriente Médio vem crescendo no Ocidente.

Os Estados Unidos, mesmo com a experiência de mais de uma década de ocupação no Afeganistão e no Iraque, ao contrário, têm cada vez mais dificuldades em serem vistos como uma força capaz de pacificar a região.

Também aqui são cada vez mais frequentes as vozes que se levantam contra a situação absurda a que não apenas aquelas duas guerras levaram, mas à política de demolição do Estado Sírio e, ao contrário, o suporte absoluto ao regime medieval da Arábia Saudita, ao fim e ao cabo a grande fonte de suporte do terrorismo do Exército Islâmico.

Hoje, há dois textos que creio, todos deveriam ler. Deles, separo alguns trechos, mas recomendo a leitura integral, para quem quer entender melhor a barbárie do que acontece lá, sob as bençãos do  Ocidente “civilizado”.

O primeiro, é de Guga Chacra, ótimo correspondente do Estadão. Ele faz o interessante exercício de buscar suas próprias previsões do início da crise síria. E as compara ao quadro atual.

“(…) decidi ver o que eu escrevi sobre a Guerra da Síria quando estava em Damasco quatro anos atrás. O texto segue abaixo e, claramente, já se delineava o atual contorno do conflito como observamos hoje. Noto que o temor na época era o de a Síria se tornar um novo Iraque ou um Líbano dos anos 1990. Virou e até ficou pior. Bashar al Assad tinha apoio dos cristãos, alauítas, drusos e sunitas moderados das grandes cidades. Continua tendo. A oposição era formada por sunitas conservadores do interior e um crescente número de estrangeiros. Ainda é assim. Assad não iria cair. Não caiu. Enfim, leia o relato que escrevi em outubro de 2011. Enfim, o panorama da Guerra da Síria era óbvio e é lamentável que as grandes potências tenham errado tanto e permitido a radicalização da oposição, que culminaria no surgimento do ISIS (Daesh ou Grupo Estado Islâmico) e outras facções radicais como a Frente Nusrah (Al Qaeda na Síria) e Jaysh al Islam. (o texto continua aqui)

O segundo – Arábia Saudita é o Estado Islâmico que o mundo tolera -, em O Globo, é da experiente Ana Carranca, com vasta experiência de cobertura jornalística na região:

Enquanto a comunidade internacional reage horrorizada às ações do EI (“Exército Islâmico”), transmitidas como parte de sua propaganda, o regime saudita pratica quase sem oposição ações tão repugnantes quanto às dos terroristas — talvez ainda mais repulsivas porque cometidas por um Estado legal, que não apenas faz parte do sistema ONU como assumiu em outubro posição de comando no Conselho de Direitos Humanos da organização, em uma decisão escandalosa. (…)

O primeiro (EI) corta gargantas, mata, apedreja, decepa mãos, destrói a herança comum da Humanidade e despreza arqueologia, mulheres e não muçulmanos. O último (Arábia Saudita) é mais bem vestido e organizado, mas faz as mesmas coisas”, escreveu o jornalista argelino Kamel Daoud, em artigo no “New York Times”. “Em seu esforço contra o terrorismo, o Ocidente promove a guerra contra um, mas aperta as mãos do outro.”

Uma política, como a americana, que não admite a negociação com um Estado laico e moderado (certamente que com deformações em relação a nossos modelos ocidentais) e que apóia, política econômica e, sobretudo, com farto armamento a outro, que pratica e subvenciona o fundamentalismo mais radical, não pode funcionar, como não funciona.

Óbvio que Putin o percebeu. Óbvio que o mundo o percebe e até a dócil Europa dá cada vez mais suporte à ação russa, apesar de todas as resistências que tem ao grande urso.

O que falta para os norte-americanos que estão indo ao suicídio diplomático?

PS. Quem tiver dúvidas (e estômago muito forte) procure na internet o vídeo de uma mulher, conduzida por militares sauditas para ser decapitada em plena rua, a espada. Se não tiver estômago, veja como o país prepara uma decapitação coletiva de 50 pessoas, que vão se somar às 151 que tiveram seus pescoços cortados, este ano, pelo país que, inacreditavelmente, ocupa a presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É coisa para terrorista nenhum botar defeito.

 

 

Fernando Brito:

View Comments (21)

  • O problema é algum coxinha lambe botas dos yankees entender isso. Pra eles, a Arábia Saudita é um modelo de democracia, enquanto a Venezuela que é a ditadura cruel. Porém, não me consta que algum venezuelano esteja sendo decapitado ou apedrejado, diferente da "democracia" saudita.

  • O reino saudita é muito mais ditatorial do que o Irä, mas para os yankes, isto näo importa...parece até o Moro em relaç?o aos tucanos...isto näo vem ao caso...

  • Boa noite,

    mas desde que conheço eu por gente e não faz muito tempo, vejo o TIO SAN como sendo um dos cavaleiros do apocalipse. Pois eles (tio san) são os mesmo que com uma mão da o pão e da outra toma, foi assim por tempos e continuara, caso o mundo não siga sua normas ou vontades. O mundo tem que ser independente do ódio, ganancia do homem do Norte!!

  • No caso da Arábia Saudita é bom também lembrar que lá não há e, pelo que sei, nunca houve um regime democrático, mesmo assim os EUA que se arvoram em promotores da democracia pelo mundo afora apoiam a truculenta ditadura saudita achando que ninguém percebe a sua hipocrisia. Quanto ao presidente Putin é, provavelmente, o único estadista atual que age com serenidade perante anos de provocações da OTAN e age em defesa dos interesses de seu país com total independência sem perguntar aos países centrais do Ocidente o que eles acham e, ao que parece, sem rabo preso com a plutocracia russa ou mundial. Quanto à diplomacia dá até pena ver aquele bobalhão do Kerry ter que enfrentar um dos maiores diplomatas de todos os tempos, Serguei Lavrov.

  • Uma das grandes vantagens da internet é a busca de informações de várias fontes. Atualmente adicionei no meus favoritos Russian Today, Sputnik, Gazeta Russa os quais contam uma outra versão diferente da mídia Ocidental sendo que Russia Today se tornou primeiro canal noticiário com um bilhão de visualizações no YouTube, fato que alarmou os congressistas americanos que veem sua hegemonia de comunicação ameaçada, pois foi com ( Hollywood , Globo e midia brasileira) que fizeram a cabeça da classe burguesa e os coxinhas brasileiros e milhões de alienados no mundo todo que justificam a guerras imperialistas que dizimam nações e destroem famílias e criam terroristas.
    Putin ao contrario da Dilma acredita firmemente que o outro lado da moeda possa ser mostrado a população para que a mesma possa olhar e comparar, ao contrario da Mídia brasileira que acusa, julga e condena e não permite o direito de resposta pois nos julgam completos idiotas incapazes de estar vendo uma notícia na TV pelo menos se perguntar . Por que eles querem que eu acredite nisso? Onde está o outro lado nessa informação? Na nossa mídia você jamais verá a outra versão. E se dizem defensores da democracia e da liberdade de expressão, só que é a deles.

    • Enquanto o Tijolaço informa, comenta fatos, cita fontes e abre espaço aos leitores, a grande midia internacional desinforma, mente, dissimula, não abre nada e sacaneia os leitores. Um importante analista comentou que o respeitado Le Monde publicou um editorial dizendo que bastou Holland anunciar intenção de construir uma coalizão internacional para combater o ISIS para a Rússia cair na real e adeguar-se. O editorialista (leitor da Cantanhede?) ''desconhecia'' que foi Putin quem formulou essa proposta ante a Assembleia Geral da ONU. Quem caiu na real foi Hollande (com isso subiu 8 pontos e já alcançou 33% na avaliação dos franceses).
      Mas o ''Oscaralho'' o Oscar do jornalismo made in USA (imitando o made in Brasil) foi pra rede RBS no telejornal mais importante da casa - PBS NewsHour - (60 minutos de abobrinhas espalhadas por todas as TVs locais e associadas): no dia 19 de novembro a RBS exibiu um vídeo destribuido horas antes pelo Ministério de Defesa da Rússia com ações das forças aéreas russas atacando posições dos terroristas. Enquanto escorriam as imagens o ''jornalista'' comentava com deslumbramento: "ações da USAF destruíram centena de caminhões-tanques usados para transporte de petróleo". "Os EUA estão lançando o primeiro ataque efetivo contra caminhões-tanques'' — Os Estados Unidos bombardeiam a Siria com bombardeiros russos!! E' mole? Video aqui - http://www.pandoratv.it/?p=4905

  • O EI, Estado Islâmico (não Exército Islâmico), tal qual o regime saudita são sunitas inimigos mortais dos xiitas de qualquer lugar. Os sunitas gostam de tirar uma cabeça fora, os xiitas preferem a forca. Ambos apedrejam mulheres, matam gays e cometem barbaridades diversas. Isto nos regimes fundamentalistas do Oriente Médio. Nos regimes laicos como o dos Curdos, as mulheres não são obrigadas a usar véu, lutam lado a lado com os homens e tem igual assento no parlamento além de conviver com outras religiões como os hebreus e cristãos além dos zoroatristas yazidis. Politicamente os Curdos do Iraque são de Direita e tem uma força militar que enfrenta o EI. Os soldados peshemerga "aqules que não temem a morte". Já os Curdos da Síria são anarquistas, possuem autogovernos que são eleitos em praça pública. Em 2013, os curdos da Síria anunciaram a organização de três regiões administrativas no norte do país, chamadas de “cantões”: Afrin, Jazira e Kobani. Separados geograficamente em meio a um território conflagrada pela guerra, os cantões formam a região de Rojava – palavra que, em curdo, significa “oeste”. As forças de combate de Rojava, que estão divididas basicamente em das brigadas: as Unidades de Proteção do Povo (YPG) e as Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ) – esta última, composta e comandada por mulheres curdas. São quem dão efetivo combate ao EI na Siria, inclusive expulsando os fanaticos de Kobani, Singal e Hasake. Os Curdos de Rojava implantaram uma administração socialista, com igualdade de gênero e respeito ao meio ambiente.

    • Apenas para complementar, vejam esta entrevista com um militante Giran Oscan no site http://anarquiaoubarbarie.noblogs.org/2015/01/27/o-processo-revolucionario-em-rojava/
      ..." O ISIS está lá há pelo menos seis anos. Antes de o ISIS crescer, o governo central do Iraque se aproximava do Irã e se distanciava dos Estados Unidos. Barzani (presidente do Governo Regional Curdo no Iraque) falava em declarar independência e o regime de Assad (presidente da Síria) estava fortalecido. Todos se encaminhavam contra o Ocidente na região. De repente, do nada, o Estado Islâmico começa a ganhar tanta força que o governo iraquiano precisou se aproximar dos Estados Unidos novamente. Barzani parou de falar em independência e a guerra se intensificou na Síria. Se analisarmos objetivamente, quem se beneficiou do crescimento do Estado Islâmico foram os Estados Unidos. Não podemos provar que os Estados Unidos fortaleceram o ISIS, mas o empoderamento deles definitivamente beneficiou os planos dos Estados Unidos para a região..."

    • Jamais poderemos entender as razões profundas do que acontece naquela região, se não entendermos antes que os EUA e seus aliados têm um projeto de reestruturação de todo o Oriente Médio. Este é um projeto antigo, de antes de 2001. Dentro deste projeto, consta a determinação de eliminar qualquer possibilidade de permanência de algum grande estado laico (como o Iraque de Sadam e a Líbia de Kadafi, que já foram destruídos, restando a Síria de Assad) e de favorecer aos rebeldes sunitas radicais a chegada ao poder e a aplicação da Charia. O Egito, com a recente tomada do poder pelos militares, voltou a ser laico, afastando o perigo de cair nas mãos da Irmandade Sunita. E o Egito, depois de eliminar esta ameaça, começa também a se aproximar da Rússia, inclusive militarmente. Por aí podemos ver que toda a região está se alterando, mas não da maneira que os aliados ocidentais queriam. Podemos prever ainda que a Argélia, que também fez uma fratura institucional para se livrar da chegada ao poder da mesma Irmandade Sunita, em breve também procurará a Rússia. Pelo projeto de reestruturação, os xiitas seriam reduzidos a minorias ou em algums casos até exterminados, porque são naturalmente progressistas e tolerantes. No Irã, por exemplo, de maioria xiita, mas onde existem sem qualquer problema as sinagogas mais antigas do Oriente Médio, as mulheres votam e trabalham, dirigem carros e empresas, e até existe o divórcio. Mas o objetivo da reestruturação não é essencialmente religioso, mas sim trazer toda a região para uma situação de caos permanente ou de redução a pequenos países com governos medievais, piores ainda que o da Arábia Saudita. Para tornar isto em realidade, aliados ocidentais têm promovido, de modo não tão secreto assim, o surgimento de diversos grupos radicais islãmicos, e lhes têm dado toda a assistência. E a França, embora todo o seu aparente ódio e desejo de vingança contra os radicais, não desconhece estas determinações.

  • " (certamente que com deformações em relação a nossos modelos ocidentais)"
    Uma perguntinha: e os nossos modelos ocidentais, funcionam?

  • Nos anos 90, o lema nacional contra a ação da direita entreguista do país e do próprio sistema capitalista americano foi a ética. Desde a eleição de 89 até o escândalo Delcídio atual, aqueles que se dizem lideranças progressistas, enterraram o conceito (não sem antes esquartejá-lo pra não ser reconhecido). Fica, portanto um recadinho aos que se preocupam com os processos aglutinadores capazes de unir multidões em nome de bandeiras futuras: a austeridade e a integridade serão convidadas pro baile. Esperemos que sejam mais consistentes e mais intransigentes que a ilustre senhora anteriormente desmantelada. Vivemos hoje a crença de que a ética é e sempre foi prescindível. Um luxo, uma prostituta de luxo. Descartável, manipulável, falsa. O que dirão os porta-bandeiras da nova causa em relação às mesmas? Talvez, digam que não se cresce com austeridade, não se pode condenar um povo a submeter-se ao império da simplicidade. Ser frugal é o mesmo que ser fútil, acomodado. Já a integridade, bem, tentarão dar a resposta de sempre: não se pode ter tudo. É preciso relativizar pra poder avançar. Mas, podemos supor, pensando um pouco mais à frente, tentarão dar razão aos que tropeçaram até o momento. Por enquanto, ouviremos muitos líderes repetindo o lema da austeridade e da integridade na política. Enquanto esforçam-se arduamente pra tirar do caminho mais estes dois entraves à jornada pelo poder.

  • Os EUA nada resolvem. Desejam apenas perpetuar as guerras e dividir os paises como fizeram com a ex Iuguslávia . Estou acompanhando o caso da Síria. Bashar com ajuda russa, iraniana e Hezbbolla já está derrotando o eixo do mal que são os EUA,França,Inglatera, sionistas,Turquia e os famigerados reinos locais . Sobre Arábia Saudita basta ler o livro Confronto de Fundamentalismo, autor Tariq Ali, Editora Record , que explica o Islã . Ótima leitura .

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