A Folha publica hoje a informação de que um documento do Ministério Público de Minas Gerais, mostrado ontem à noite no Jornal da Globo “indica que havia risco de rompimento das barragens da mineradora” Samarco, que provocou o desastre da semana passada, onde consta que “o contato entre a pilha de rejeitos e a barragem não é recomendado por causa do risco de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos”.
O documento, quem acompanha este blog já percebeu, é o mesmo que se publicou aqui na sexta-feira, ao qual também teve acesso, ao mesmo tempo, o Estadão, que fez dele a segunda manchete de sua edição de sábado.
Não foi, evidente, nem do Estadão nem meu, qualquer “furo de reportagem”, mas o simples, básico, elementar exercício de procurar as informações disponíveis na maior fonte de informação que se tem hoje, a internet. Porque o tal documento está lá, há dois anos, para quem o quiser ver.
No entanto, o que se faz com a opinião pública, desde o dia do acidente – foi um acidente, porque não foi deliberado, embora possa ter sido provocado por negligência e atitudes temerárias da empresa – é martelar a incrível teoria dos “tremores de terra”, que parte de um fato relativamente comum e em princípio irrelevante – minitremores ocorrem todos os dias no mundo, às centenas – para explicar um acontecimento de grandes e gravíssimas proporções.
Não sou fanático de teorias da conspiração, nem creio que haja, entre os jornais, um complô para ocultar responsabilidades, invocando terremotos como causa do desabamento das barragens. Há, infelizmente para a minha profissão, uma preguiça de apuração e uma decadência na capacidade de articular informação e raciocínio que levam o jornalista, como uma matraca, a simplesmente repetir e repetir do que a “fonte técnica” lhe diz.
É claro que o documento de análise da barragem não é uma prova da causa do desabamento. Mas é um indício – e sério – de razões para o acidente, tanto que, na sexta-feira, já se escrevia aqui: “Óbvio que, sem a capacidade de apurar no local e sem os laudos da investigação não se pode afirmar que é esta a causa da tragédia. Mas tem grandes possibilidades de ter sido, pelo que está no alerta técnico e em suas recomendações.
No Estadão, o presidente da Samarco, Ricardo Vescosi, disse desconhecer o estudo, embora ele faça parte da licença que a empresa recebeu para execução de obras de ampliação nas represas.
Aceito o risco de escrever sobre isso sem estar incorrendo no pecado que Cervantes descreve em D. Quixote: “louvor em boca própria é vitupério”, mas porque o que ocorre neste caso é, em alguma escala, o que acontece em muitas outras áreas.
Jornalista não é “revendedor de informações”. É um apurador: a recebe ou a encontra, verifica sua autenticidade, o seu contexto e sua relevância. Não é nem “neutro” – aliás, é abjeta esta prática de “cumprir o dever” de ouvir o “outro lado” colocando lá no final o “acusado” para gaguejar algumas palavras, como se isso fosse o “contraditório” – e também não é o dono da verdade.
Não pode, como qualquer pessoa que tenha a função de investigar, encasquetar uma ideia na cabeça e selecionar os fatos – ou torcê-los para que se adequem a sua tese.
Porque a verdade vem dos fatos, e leve dias, meses ou anos é algo que sempre se impõe.
E aí, acaba-se fazendo “jornalismo de anteontem”. Ou de trasanteontem, como neste caso.
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Na nossa justiça e Mídia se for empresa estrangeira ela é imputável. Veja o caso do tribunal do Moro:
Nenhum dos dirigentes das empresas estrangeiras que pagaram suborno foi preso. Nem teve sua casa visitada pela PF para busca e apreensão de documentos. Nenhum está ou foi submetido a processo por suborno. Só os intermediários passaram por busca e apreensão. Como nos crimes de morte em que o matador e o intermediário são presos, mas o mandante não é incomodado. O Brasil conhece bem este tipo de critério.
As empreiteiras brasileiras acusadas de prática de suborno estão proibidas de firmar contrato com a Petrobras. O que tem implicações múltiplas também para a própria Petrobras.
As empresas estrangeiras Jurong, Keppel Fels, Saipem, Samsung e Mitsui não receberam visitas policiais para busca e apreensão nas filiais que todas têm no Brasil. Nem sofreram medida alguma por serem, como as brasileiras, acionadoras de corrupção e pagadoras de subornos. E continuam liberadas para fazer contratos com a Petrobras.
Uma pequena correção, meu caro Arthur: "se for empresa estrangeira, ela é 'inimputável'"
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De outra parte, enquanto protegem a multinacionais, como tu afirmas, Arthur, nossos "homens da Justiça" fazem o possível para entregar a nossa grande empresa às garras da "Justiça" dos EUA.
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Por que eu coloquei aspas em "Justiça" dos Esatos Unidos?
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O caso fundos abutres versus Argentina mostra como funciona tal "Justiça"
ainda vão jogar no colo do pimentel, ja vi comentarista(rezende) dizendo que o governador está protegendo a empresa...
infelizmente nosso sistema político é podre, exala miasmas irrespiráveis. espera-se melhoria no corpo fétido desse sistema com proibição de financiamento empresarial nas campanhas. acontece que nas legislaturas dos executivos serão as mesmas empresas a levarem as licitações. sr.pimentel recebeu quase dois milhões do trust (palavra da moda) Vale. tb se vê agora com mais divulgação pelos blogues sujos envio do sr.governador à assembleia de proposta para "desburocratizar" ambientalmente o trabalho de destruição das mineradoras. no congresso, mesma iniciativa com mesmo viés no cód.mineração. claro que se dependo de um emprego nessa desgraceira toda vou querer meu salário. mais livre, sou pela vida de planta, bicho e gente. (não pode haver sustentabilidade no capitalismo, como não há ética no lucro/logro/engano.) tem que haver coragem e dignidade do homem público, "coisas" ausentes nestes tempos bicudos. tem que ter sensibilidade, mas tal característica só encontramos nos(as) poetas (ou em alguns jornalistas, como fernando brito).
http://www.viomundo.com.br/denuncias/bastidores-de-uma-tragedia-os-relacoes-publicas-da-samarco-dao-uma-surra-no-estado-brasileiro-que-sucumbe-ao-poder-economico.html
Concordo que este fenômeno está evidente em outras áreas. fala-se sem pensar.
Caro Fernando Brito,
Também não sou fanático de teorias da conspiração, mas, ao contrário de você, tenho plena convicção que haja, entre os jornais, um complô para ocultar responsabilidades, invocando terremotos como causa do desabamento das barragens. ´
É o mesmo padrão de comportamento quando do vazamento da Chevron, lembra? A mídia correu para dizer que foi exsudação natural. hahaha!!!
Não que isso não ocorra, claro que ocorre, mas a forma rápida com que a imprensa tentou isentar a Chevron de responsabilidade, estava na cara que tinha algo por trás. Lembro-me de logo no início ter comentado com amigos que aquilo, com certeza, tinha sido vazamento no poço por alguma falha (trabalho na área de petróleo).
Se aquele acidente, como este agora, tivesse envolvido estatais controladas por governos progressistas, a postura deles seria outra.
Eu sei que, no fundo, você sabe que a grande mídia age articulada para proteger os interesses das grandes empresas privadas anunciantes, apenas evitou afirmar isso.
"Adequem" não existe.
eu também preferia com trema, mas ele não existe mais
Daqui para frente é interessante acompanhar o preço do minério de ferro e pellets no mercado internacional por conta da paralisação da mina. Eventualmente o "acaso" nesse momento "vem ao caso" .
Uma tragédia dessas e o "jornalismo" do PiG dá destaque às trapalhadas dos camioneiros-patrões andam fazendo.
E quando Senhor Britto,o senhor vai aprender,que JORNALISMO,é a repetição do que o PATRÃO manda dizer? Não é a toa que os PATRÕES,gostam quando um JORNALISTA, EDITA O QUE O ADVERSÁRIO,DIZ,FAZ OU PENSA. Se o profissional,de qualquer área,é também responsável pelo que ocorre em sua profissão,O JORNALISTA,também o é.Exceto,os JUDICIÁRIOS,semideuses, que tudo o que erram,é devido A ESTE MUNDO MAU.
O pig reinventou a roda. Não importa o que dizem os "blogs chapa branca", porque o negócio do pig é mau jornalismo mesmo. Ninguém o exerce melhor que eles