Leio dois textos na Folha e é inevitável perceber como covardia e coragem são, de fato, antípodas.
Fernando Henrique Cardoso, que se acreditava vinho dos mais finos anos atrás, mostra que o tempo o tornou um purgante amargo.
Depois de quase 260 mil mortes de seus compatriotas – se é que se considera com pátria, este anacronismo – vem dizer que sente “certo mal estar” por ter anulado o voto em 2018, no segundo turno.
Certo mal estar? Pois, senhor, saiba que dezenas de milhares de homens e mulheres de sua geração não sentiram um “certo mal estar”, não. Tiveram um imenso mal estar, seguido de dor, de angústia respiratória, sufocamento, de medo e de horror de ficarem sós na hora final, longe dos filhos como os seus – e afinal serem sedados para morrerem em silêncio.
A sua omissão concorreu para que um alucinado genocida assumisse o comando do país.
Mas, o mea culpa de FHC tão frágil que bem merecia o nome de “mimimia” culpa, ainda é pior. Nota-se o desavergonhado convite a uma nova aventura, desta vez com o queridinho dos tucanos, Luciano Huck, que anda percorrendo as coxias da política escolhendo se vai à festa eleitoral e qual casaco partidário deveria vestir.
É, à sua maneira, um outsider como Jair Bolsonaro, aquele mesmo com quem o decano tucano diz agora estar arrependido de ter ajudado a eleger.
Mas se vemos um homem que tudo tem e teve para envelhecer com sabedoria e dignidade, há na mesma Folha a coragem de gente como a jornalista Cristina Serra, de quem a cada dia mais me orgulho da amizade de 30 anos, que publica uma artigo do qual transcrevo três parágrafos.
Dainte deles, Fernando Henrique, é um gigante perto de sua pequenez, de seu apequenamento, da sua insinceridade. Cristina Serra é capaz da valentia e da indignação em dois parágrafos que, hoje, dizem mais que todos os seus longos e enjoativos artigos dominicais.
Leia e aprenda a lutar com quem tem coragem e dignidade:
Os 260 mil mortos até agora e os muitos que ainda virão, os sobreviventes com sequelas, os trabalhadores da saúde esgotados, uma geração de órfãos do vírus, os alertas de cientistas, os apelos de autoridades, os desempregados, os desesperados”… Nada abala a calculada estratégia assassina de Bolsonaro, demonstrada nas medidas que tomou ou que deixou de tomar na pandemia.
Bolsonaro tem a morte como projeto. Ele comanda o exército da peste, sustentado por um consórcio macabro de interesses. Cerram fileiras o centrão, militares, empresários adoradores de Paulo Guedes e setores necrosados do Judiciário. Com essa retaguarda, Bolsonaro continuará zombando de nós, mentindo, rindo de suicídios, regozijando-se enquanto empilha cadáveres.
O mundo já nos considera uma ameaça, porque demos ao vírus as condições ideais para ele se tornar mais agressivo. Os investimentos estrangeiros vão demorar anos para retornar. A economia quebrou. Bolsonaro tem a maior parcela de responsabilidade nessa hecatombe, mas outros também têm deveres e obrigações. Governadores e prefeitos, tenham a coragem de adotar confinamento mais rigoroso !
Aí está, ex-presidente, o que gente sem medo e com dignidade deve clamar nestes dias. O resto é – e em relação ao senhor, dê-se razão ao bestial governante que temos, um “mimimi” de quem não ama seu país e seu povo.