O perigo da “conta de chegar” do STF

Vai se desenhando nas informações vindas de Brasília, por repórteres e colunistas com acesso aos ministros do STF, uma tendência a fazer uma “conta de chegar” em relação ao decreto de perdão de Jair Bolsonaro à condenação de Daniel Silveira pelo Supremo Tribunal Federal.

Seria, na visão deles, um acolhimento da legalidade do decreto, mas a manutenção da inelegibilidade do deputado pelos 8 anos e nove meses da pena que lhe foi imposta. Ou seja, anula-se a pena criminal e mantêm-se as repercussões civis da condenação.

Isso estaria esboçado, restando apenas um impasse: como considerar, para efeitos civis – já que os criminais seriam anulados -, uma pena que não chegou a transitar em julgado, pois o julgamento não terminou, por restar recurso.

Mas isso é que não será inédito que se apele ao “duplo mortal carpado”, algum malabarismo jurídico que resolva esta contradição.

A questão é o fundamento real desta eventual decisão, que é descaradamente político, porque a interpretação de que, por ser ato privativo do presidente decretar graça, não importando a motivação é tosca e não resiste a qualquer exame de precedentes. Apenas um: nomear ministros de Estado é, sem dúvida, ato privativo do presidente, mas Gilmar Mendes vetou a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff, durante a crise do impeachment, por desvio de finalidade e não surgiram juristas para questionar a invasão do poder discricionário da Presidenta.

Agora, apelar-se-ia a este argumento por uma razão central: a de evitar o confronto aberto com Bolsonaro e, ao mesmo tempo, encontrar-se uma saída “esperta”, que tirasse dele e de Daniel Silveira a recompensa eleitoral do caso.

Numa pobre metáfora, dá-se um peso de carne ao cachorro para que ele não te devore.

Seria uma solução sábia, se isto saciasse o apetite do cão, ao menos até que se pudesse passar-lhe as correias dos controles legais e constitucionais a que o poder, na democracia, deve estar cingido.

Ocorre que ele permanecerá por vários meses – antes e , por até 60 dias, depois das eleições – solto e com suas mandíbulas ansiosas por mais. E que, com o sucesso da investida ousada, passe a sentir-se poderoso ao ponto de que exigi-lo com crescente ferocidade.

Não é preciso, para que se verifique a excepcionalidade escancarada do decreto de graça mais do que o fato de, até onde a memória alcança, só ter sido usado uma vez – por José Linhares, para perdoar dois italianos que serviam à Força Expedicionária Brasileira. Ou que esteja evidente não ser movido pelo padecimento de alguém, mas o mero desejo de desconstituir um decisão judicial, por razões políticas.

A legalidade do disparo de uma arma de fogo guarda inseparável ligação com a motivação do tiro.

Está-se diante de uma evidente repetição da fábula do lobo e do cordeiro, na qual as razões do lobo sempre se imporão. E o fim que esta teve para o cordeiro todos conhecem bem.

Fernando Brito:
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