O PT e os black blocs

O debate sobre manifestações às vezes parece perder o foco. O Brasil é um país com muita injustiça social e não faltam motivos para protestar. O fato do PT, um partido teoricamente de esquerda, e com raízes em movimentos sociais e hábitos que nasceram em meio a protestos contra o status quo, ocupar a presidência da república, confunde a cabeça de muita gente.

E serve de pretexto ao proselitismo a muitos outros, inclusive dentro do próprio PT. Por exemplo, neste final de semana, quem pontificou sobre protestos foi Paulo Bernardo, ministro das Comunicações:

Bernardo está certo, mas pelas razões erradas. O PT, de fato, não pode ter medo de protesto, mas deveria ter medo da manipulação que se pode fazer deles, através dos meios de comunicação, ou seja, num terreno onde Bernardo tem atuado com notória pusilanimidade.

Acontece não apenas manipulação dos protestos, como a manipulação diária de notícias. E sobretudo porque as grandes redes de TV no Brasil parecem às vezes um canal com o mesmo dono. Todos servem a interesses ultraconservadores. Nas regiões mais pobres, são controladas por oligarquias políticas.

A TV aberta jamais denunciou, por exemplo, a sangria dos juros, que já drenaram, do corpo e da alma da nação, trilhões de dólares nos últimos vinte anos, e cada dólar desses poderia ter ajudado a transformar o país.

A TV aberta jamais defendeu, em todos esses anos, um novo tipo de mobilidade urbana, mais baseado em trens do que em carros.

Quando a presidente lançou a ideia de um trem-bala entre Rio e São Paulo, que inauguraria uma indústria moderna de transporte ferroviário, todos os meios de comunicação se voltaram contra a ideia. Paulo Bernardo não ajudou a fazermos o enfrentamento contra esses ataques.

E ninguém foi às ruas apoiar a iniciativa da presidente.

É preciso ficar de olho aberto. Temos de aprender a conviver com manifestações, mas já vimos que, em todo o mundo, surgem grandes manipulações justamente nesse terreno. O que aconteceu na Líbia, na Síria e agora na Ucrânia tem sido exatamente isso: pegam-se manifestações genuínas, espontâneas e com demandas democráticas importantes, e se faz um enorme investimento nelas.

Sobretudo, acrescenta-lhes um ingrediente explosivo e maligno: a violência.

Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas junto às forças de segurança de todo Brasil revelam quão perigoso pode ser a irrupção de protestos abrigando black blocs e suas táticas de violência e quebra-quebra. Nossas polícias simplesmente não estão preparadas. Nem fisicamente, nem psicologicamente, muito menos politicamente.

Para quase 80% dos policiais, os black blocs “não tem motivação clara a não ser provocar violência e vandalismo gratuito”.

Diante desses números, não adianta apenas culpar “o Estado”. O Brasil não é apenas um país onde a polícia mata muita gente, todos os anos, mas também é um país onde se matam muitos agentes policiais, todos os anos.  Nossa polícia não é apenas traumatizante. Ela é traumatizada.

E o problema central não está nos policiais, em geral trabalhadores mal remunerados, mal preparados e expostos a riscos desnecessários. O problema está nas secretarias de segurança, nos governos de estado, e em toda a parte. É uma responsabilidade coletiva, ou seja, democrática, que temos de assumir, ao invés de sempre olhar o policial como “o outro”, como se não fizéssemos, nós mesmos, parte desse Brasil.

O Brasil tem de mudar, mas não vai fazê-lo se auto-destruindo, ou produzindo “guerra civil”, de brasileiros contra brasileiros. Na era da tecnologia, as principais batalhas se darão no terreno da informação e da inteligência. Qual o sentido de, em plena vigência democrática, empurrar jovens brasileiros contra policiais fortemente armados, despreparados, e que vêem os “mascarados” como interessados apenas em “violência” e “vandalismo gratuito”? Como vamos reagir a isso? Pedindo apoio aos EUA para armar nossos jovens “mascarados” contra nossas próprias polícias, como fizeram na Líbia e na Síria?

Temos de enfrentar esse debate de cabeça erguida, de frente. O Globo pode nos fornecer alguns infográficos, como os que trago abaixo (pesquisa feita junto a policiais), mas não nos oferecerá uma plataforma adequada para debater, porque é parte interessada no caos , visto que, num quadro de instabilidade, as grandes empresas, as mais fortes, mais capitalizadas, sempre se afirmam. No caos, quem perde sempre são os pequenos, que só crescem e podem enfrentar os grandes  num ambiente tranquilo, de estabilidade e prosperidade.

O ministro Paulo Bernardo, por exemplo, ao invés de fazer proselitismo inútil sobre os protestos, como se não tivesse nada a ver com isso, poderia construir plataformas modernas para o Brasil debater seus problemas. O problema da representação política seria minimizado se tivéssemos programas de banda larga mais abrangentes e mais ousados, ou se houvesse uma política de comunicação mais assertiva na integração entre a sociedade e suas demandas, e a televisão – uma integração mais direta e mais democrática, sem a intermediação castradora de empresas ligadas a oligarquias políticas ou financeiras.

 

Fernando Brito:

View Comments (10)

  • Paulo bernardo é tão inexpressivo, não tem nenhum feito nem mesmo ordinário enquanto ministro. Imagina se a Gleise é eleita e as manifestações proliferem pelo país. O que pode fazer uma governadora cujo marido com intenções dúbias teve essa 'ausência' de espírito para agradar editorialistas de grandes empresas de comunicação? Virar um Cabral afugentado no seu início de governo? Está cada vez mais comprovado: Ninguém serve a dois senhores ao mesmo tempo.

  • Por que a Dilma mantém este sujeito no ministério? Um desrespeito ao Brizola, ao seu antigo partido...

  • A primeira coisa é parar de desqualificar os Black Blocs. Dialogar é a melhor saída, levando em conta que este movimento tem uma origem que fica à extrema esquerda. Podem ser infiltrados pela extrema direita durante as manifestações, mas seus líderes (e existem ainda que informalmente, característica dos neo-anarquistas), estão à ultra-esquerda. Não devemos fazer como Lenin em "Esquerdismo Doença Infantil do Comunismo", pois já sabemos que deu errado. Isto é só um início de conversa e gostaria de levar efetivamente á frente, tenho conhecimento para isto.

  • é por isso que a gente faz protestos contra o monopólio das teles e da mídia e esse ai se faz de tonto. pode protestar, contanto que o PIG omita e a gente não tenha que atender as reivindicações e minha mulher seja eleita, vcs que se lasquem protestando aos ventos

  • Que manifestação é essa igual se passa na Ucrânia que usa corrente e porrete contra a polícia.Devido a crise mundial havia toda semana manifestação na Espanha mas ninguém usava armas e a polícia só fazia acompanhar de longe sem provocar diferente do que acontece no leste europeu.

  • O que ocorre na Ucrânia não tem nada a ver com manifestação é golpe de estado mesmo, querem tomar o poder na marra ao invés de disputar eleição.

  • Paulo Bernardo faz proselitismo politico com a conveniência de quem mesmo? Acredito em marcianos verdes, no saci-perere e na ingenuidade da Dilma, Lula e Fernando Brito.De resto, ele esta onde querem que ele esteja fazendo o que querem que ele faca.( não tenho cedilha no teclado)
    Enquanto ele não propor soltar uma pombinha branca da paz na Paulista, ele se mantem no cargo.

  • caro Miguel:
    Muito boa análise! Permita-me complementar com algumas observações. Paulo Bernardo, assim como Zé Cardozo, etc., servem para que não nos esqueçamos que a Companhia das Índias Angloamericanas tem seus homens plantados estrategicamente no governo e no PT. Sou um apoiador da estratégia desenhada por Lula e outros líderes do PT, que continua com a presidente Dilma. Basicamente, Lula, com sua experiência de líder sindical (pelego, no bom sentido de servir de amortecedor dos choques de classe), com sua formação em sintonia com a AFL-CIO, braço sindical da CIA, descobriu desde cedo que o mundo é uma grande corporação, que tem seu Conselho Diretor, seus sócios majoritários. Para ele foi fácil entender a maneira de lidar com os donos da corporação. O raciocínio é algo assim: Nós, o povo, precisamos da corporação para levar nossas vidas, manter nossas famílias, criar nossos filhos, etc.; vocês, mafiosos donos da corporação, precisam continuar sugando nossa energia para manter a corporação girando e o gigantesco império de opulência e prazer de seus donos. Com base nesse raciocínio, vê-se a possibilidade de um jogo onde o Partido da Sociedade e o Partido do Indivíduo podem sair ganhando. O único problema desse esquema é que não pode se manter para sempre nesse estágio vantajoso para ambas as partes, já que o capitalismo requer grandes crises, guerras, e destruição. Em resumo, a corporação mergulha a sociedade em dívidas e drogas, que são a mais valia essencial que lhe garante a subjugação da sociedade num regime de escravidão. Quando a capacidade desses dois elementos sugarem o sangue do partido da sociedade se esgota, aí entre o terceiro elemento do tripé, ou seja, a destruição em massa, as guerras. Quando a corporação decide passar a esse terceiro estágio, ninguém estará seguro. Lembremos de Saddam-Iraque, Kadafi-Líbia, Mubarak-Egito,Assad-Síria, etc.etc.Portanto, é preciso mais que a capacidade de fazer bons acordos; é preciso educar, conscientizar e informar as massas. É preciso ajudá-las a saber valorizar a democracia.

    • Belo texto, Edd.
      Que a ficha caia para o governo antes que seja tarde demais. Não é simplesmente uma eleição que está em jogo.
      Sds.

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