O que é um país?

Eu não sou, na essência humana, em nada diferente de um finlandês, de um birmanês, de um sudanês ou de um japonês.

Mas sou, culturalmente, diferente de todos eles.

É que padeço do “mal” de ser brasileiro, um prato que tem mais ingredientes que qualquer receita que eu conheça, cozido e frito ao calor dos trópicos, numa panela quase continental, onde cabe quase tudo e quase nada é demais.

Em algum ponto da minha história há uma taba, um açoite nas costas e um chicote na mão, um veludo e uma tanga, um nativo e um imigrante, todos eles a se misturarem e a me ensinarem a tolerância.

E ela, embora traga prejuízos, os traz menores, porque a nós mesmos, mais que aos outros.

Sou mestiço, ainda bem, cheio de coisas boas e ruins, que se confundem, como o leite do leiteiro de Drummond, numa nova cor, à qual chamamos aurora.

Ainda bem que não sou puro, porque a pureza é irmã da intolerância e da pretensão: o fundamentalista, o “imitador de Cristo”, o hipócrita, o lacerdista,  o talibã, o ariano, a raça (física ou moral) eleita para dominar e subjugar.

Assim, posso ser um branco azedo ou um crioulo retinto e ser a mesma coisa. Uma vez, aliás, a pesquisadora do Censo, eu vi, marcou branco como minha cor e se desconcertou quando lhe perguntei se, caso ela lavasse seus lençóis e eles  ficassem da minha cor, continuaria usando o mesmo sabão.

Mas há uma coisa que em quase nenhum povo no mundo pode ser igual a mim, igual a nós.

É que estou construindo um país, enquanto os  outros, quase todos, ou já o têm pronto, ou talvez nunca o tenham,  porque a globalização – tecnológica, cultural ou, sobretudo, econômica – os pegou verdes demais  para resistir a esta máquina de moer culturas.

Não se iludam, este triturador anda aqui também.

Mas já encontra a gente meio endurecido e, no liquidificador cultural, nos sobram pedaços “imoíveis”.

O Sete de Setembro não é um chilique de D. Pedro, amofinado pelas ordens que lhe vinham da corte lisboeta-  da qual aliás, veio a ser a majestade, Pedro IV .

É uma história que vem de longe, lá dos Guararapes, onde a conveniência portuguesa permitiu que se fundasse a ideia de que, se somos índios, negros e brancos para morrer, também o podemos ser para viver.

Algo que séculos depois continua sendo decidido, um mês depois da festa – que festa? ninguém comemorou! – da Independência.

Eu não quero ser igual e eles, quero ser igual a nós.

Não quero colonizá-los, como fizeram a nós, nem saquear-lhes as riquezas, como fizeram às nossas.

Quero trazer  deles, do mundo inteiro, e quanto puder, o melhor da humanidade, o imaterial: a arte, a música, os livros, a ciência, a filosofia e o reconhecimento de que sou tão humano quanto um finlandês, de um birmanês,  um sudanês ou um japonês.

E também não quero ser seu jardim, sua horta, seu pomar, sua floresta.

Sou de um país que pretende, apenas, levantar-se de sua genuflexão secular e dizer apenas: sou o Brasil, sou eu mesmo, sim senhor.

Fernando Brito:

View Comments (33)

  • Levantei-me da cadeira e bati palmas de pé em frente ao computador. Bravo Fernando!

  • Parabéns pelo excelente ponto de vista! Sou brasileiro e não sei bem o que sou mas sei que quero ser sempre brasileiro. Quero ajudar o Brasil a se compreender e a ver-se como pátria singular.

  • Caríssimo Fernando,
    Parabéns pelo magnifico texto, você nos faz lembrar de que ser brasileiro é um substantivo que nos aumenta a estima por esta Nação. E apesar de quererem nos submeter a condição de adjetivo construiremos nosso Brasil.

  • Fernando, já desliguei o note book e estou indo dormir. Numa passagem final pelo celular por alguns blogs li o seu texto. Bonito, tocante e, o mais importante, brasileiro.
    Gosto muito do seu compromisso com o Brasil. Inspirador e estimulante.

  • Penso como tu, Fernando. Especialmente o final "Sou de um país que pretende, apenas, levantar-se de sua genuflexão secular e dizer apenas: sou o Brasil, sou eu mesmo, sim senhor." Nem melhor nem pior.
    Grande abraço

  • Parabéns, Fernando, pelo texto!

    7 de setembro é o dia da nossa Independência.
    Uma Independência que se conquista no dia a dia, sempre atentos e vigiando sempre os inimigos da Pátria Amada Brasil!

    Precisamos nos tornar um povo ciente da responsabilidade de cuidar deste maravilhoso país para os de hoje e para os que virão!!

    Infelizmente, ainda são verdadeiras as palavras de Lima Barreto, que, se vivo fosse, votaria em Dilma para Presidente do Brasil. Dizia o grande romancista brasileiro, carioca, nos anos iniciais do Século XX: "O Brasil não tem Povo, tem Público!"

    E nós temos muito que fazer para transformar esse Público em Povo.
    Vida longa a você e a todos os brasileiros incansáveis que não se entregam jamais às orgias neoliberais!
    Um abraço.

  • Aqui não se fala de conflitos de interesse bilionários, aqui se fala dos mestres das finanças globais, dos mais importantes bancos centrais do mundo, de gigantes do setor bancário, de especulação global e dos maiores controladores do mesmo, tudo envolvido numa amálgama obscena.

    Este é o Grupo dos Trinta, o lobby que ajudou de forma decisiva a provocar este cenário assustador, esse nível de criminalidade internacional. Trinta indivíduos em rotação, mas apenas trinta.
    Coisas reais, tragicamente verdadeiras como verdadeiros são os nomes aqui apresentados.
    Para cada um dele seria preciso preencher páginas e páginas.

    Há os nomes de quem deveria ter controlado a finança, criado segurança, construído barreiras legais para proteger o resto da sociedade.
    Há os nomes de quem elaborou relatórios públicos que diziam “está tudo bem” quando, na mesma altura, cuidava dos próprios interesses nas instituições privadas.

    Para ler todos os nomes dos atuais membros do Grupo dos Trinta e ver as caras deles também é possível acessarr o site do Grupo: Group of Thirty.

    Conclusão: lá no site continuamos a encontrar a face alegre, irônica e cheia de empáfia de Armínio Fraga, que ainda está resolvendo se aceita ser Ministro de Aécio ou de Marina (o que porventura vencer as eleições, certamente), para representar o capital especulativo mundial nas finanças brasileiras (e ele não está muito preocupado porque além de ser um indivíduo voltado ao capital internacional, e portanto sem pátria, ainda tem cidadania americana, onde sempre será bem acolhido), e assim aplicar os princípios mais violentos do neoliberalismo, com arrocho salarial, privatizações do que sobrou do FHC, entrega das riquezas nacionais (Petrobrás, Banco do Brasil, CEF, BNDES, etc) e concentração de renda como nunca se viu na nossa história.
    http://imagempolitica.com.br/site/o-grupo-dos-30-programando-o-colapso-financeiro-mundial/

  • Oportuno o seu texto. Sobretudo num momento próximo das eleições onde podemos decidir se vamos seguir avançando ou se vamos jogar por terra todas as conquistas.

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