O Reichstag do “equilíbrio fiscal”

Os que não são do Rio e não o conhecem, talvez não possam fazer ideia do que arde, neste momento, na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, junto ao centro do Rio.

Não é apenas o prédio histórico que abrigou a corte portuguesa, logo depois de sua chegada ao Brasil, em 1808.

É um dos maiores acervos museológicos da América Latina.

Imensas e detalhadas coleções de fósseis, mas também de animais e vegetais do presente (ou quase, pois muitos já não se podem encontrar mais, agora).

Há muito tempo uma bomba-relógio: prédio de mais de 200 anos, com estruturas de madeira, fiações em “gambiarra”, fechando uma após outra as salas de pesquisa e de exposição, deterioradas.

Bomba mesmo, porque algumas coleções são guardadas em álcool, como têm de ser, fazendo de cada  pote um explosivo.

E, de uns tempos para cá com o gatilho armado, com o corte de verbas essenciais.

Os tecnocratas dos cortes do Orçamento dão de beiço quando ouvem falar num museu, onde pensam que estão guardadas coisas mortas, mas que é onde se guarda exatamente o contrário: a vida.

Não, para eles não importa o que sente o guri dos anos 60, que entrou ali, levado pelo pai, que lhe apresentava o mundo dos mistérios das múmias; nem o depois pai, e que, no milênio, sentiu orgulho em ser levado pela mão da filha, pesquisadora da instituição, a ver e mostrar ao irmão, criança, a maravilha de saber  da complexidade da existência humana.

De alguma forma, o incêndio do Museu Nacional é o nosso incêndio do Reichstag, o parlamento alemão incendiado que marca  o poder absoluto do nazismo, apenas o corolário nojento e chocante de um processo em curso.

Morte à ciência, ao conhecimento, ao sabermos que viemos de muito longe e de diversas formas de existir.

Nunca faltou dinheiro para os museus do amanhã, do depois do amanhã, do porvir,  dos museus que pretendem adivinhar o que seremos de acordo com as forças e tecnologias que nos governam e das empresas que nos dominam.

Àquilo de onde viemos, às nossas raízes como espécie e como civilização, fogo!

Que mal há em que se perca o acervo real, material e palpável?

Logo os substituirão por hologramas e videos, como se as ideias humanas não prosseguissem para além das lápides e não fizessem a História.

As chamas do Museu Nacional são apenas o retrato chocante do que se deliberou  fazer: incinerar um país para que o os valores do equilíbrio fiscal, como Nero,  possam reinar absolutos.

Fernando Brito:

View Comments (68)

  • Um incêndio simbólico para um país que está morrendo diante de todos nós.

  • Só discordo da alusão ao Museu do Amanhã. Um país tem obrigação de pensar nos dois: passado e futuro.

    • Durante os anos de administração do PT o que era apenas um departamento de museus dentro do MinC ganhou estrutura própria e tornou-se uma autarquia com sede própria, Ibram, com diversas ações de restauração. É certo que faltou essa importantíssima obra e de certo questões políticas atrapalharam (como a vaidade entre museus de mesmo nome). Mas, depois de mais de 2 anos de GOLPE, vamos lembrar o MinC foi pulverizado, o Ibram não tem verba pra nada. Se a Educação pra eles fica em 2º plano, imagina a Cultura...
      Digo isso, pois é notório que vão querer botar a conta nos governos petistas, sendo que quem reduziu nosso orçamento a nada foram os golpistas. Os atuais administradores já trataram de citar o Museu do Amanhã, cuja gestão nem está sob os cuidados do governo federal. Tanto é que é .org
      Quem caminha ou caminhava pela Cinelândia lembra das obras em outros museus durante o governo Lula.
      A CULPA é dos GOLPISTAS, que descontinuaram os projetos. Aliás, nunca tinha visto tanto convidado a ministro negar o cargo de Min. da Cultura como foi com o Temerário. Talvez por já saberem da bomba que os esperava.

      • Parafraseando Darcy Ribeiro: crise na educação e na cultura é projeto!

  • Por questão profissional tenho vasculhado a cidade do Rio de Janeiro. O centro histórico me fascina. Uma visita a quinta da Boa Vista estava sendo guardada para ser realizada sem preocupação com o tempo. Não fiz. Não terei mais oportunidade de fazê-lo. Quem ama o pais e a historia neste momento tem a alma doendo.

    • Minha filha mais nova iria visitá-lo por uma excursão da escola. Acabou-se.

    • Estive ali há 40 anos, em minha primeira viagem ao Rio. A beleza do Museu e da Quinta nunca saíram de minha memória. Além disso, conheço pesquisadores jovens, especialistas em história do Brasil, que viajavam constantemente ao RJ para consultar obras no Museu Nacional. Acabou-se. Luto profundo pela cultura e pela história deste país estraçalhado.

      • Conheci a Quinta da Boa Vista e o Museu Nacional nos anos 60, quando, no início da juventude, morei no Rio por quatro anos. Estive lá umas quatro vezes. Há menos de duas semanas comecei a traçar um plano de voltar ao Rio e a esse museu. Não há o que dizer sobre essa perda absolutamente irreparável. E um certo “ministro” da Cultura (!) afirma, com ares de eficiência, que a “reconstrução” do museu começa nesta segunda-feira. Certamente vai recriar o meteorito de Bendegó, a sala do trono, as múmias, os esqueletos, as riquezas da História Natural... enfim, os 20 milhões do riquíssimo acervo destruído. Luto, luto, luto!

        • É um sábio, um historiador, só pode. Eles são verdadeiros gênios, vão recriar tudo, kkkkkkkkkkkk

      • Conheci o Museu Nacional em 1988, há trinta anos! O descaso já era flagrante, alas e alas fechadas e acervo recolhido a porões por conta de goteiras e infiltrações... Passados trinta anos, o fogo encerra o trabalho de destruição da nossa História...

    • Lamantável mesmo é que o incêndio não tenha sido na Globo, um caldeirão (do Huck) da curTura naZional.

    • Lamantável mesmo é que o incêndio não tenha sido na Globo, um caldeirão (do Huck) da curTura naZional.

  • ... Depois que o Demônio/vampiro mimiSHELL foi entronado pelo golpe vagabundíssimo, só acontecem desgraças e tragédias nestas plagas que foram transformadas na 'republiqueta do CU(nha) do mundo'!
    Ah energúmeno excomungado!

  • É um dia triste para o Brasil e para todos nós que lutamos pela cultura, educação e pesquisa. Não gostaria de falar de política nesse momento, mas tudo isso é consequência desse maldito golpe, forjado pela elite midiática, jurídica, empresarial, financeira e a direita desse pobre país.
    Só posso lamentar, como brasileiro e ser humano tudo isso que acontece.
    Museu Nacional, descanse em paz.

    • Esse crime tem as digitais da Globo ... de seus colunistas e do judiciário que sequestrou recursos para proveito próprio....

      • ESSE É O BRASIL QUE A GLOBO QUER - sem memória, sem passado, sem conhecimento. Uma página em branco onde eles possam escrever a merda que melhor lhes aprouver.

      • Pelo amor de deus, gente, vamos parar de delirar, o descaso tem décadas e a responsabilidade dos governos "populares" é gigante. Não queiramos agir como os golpistas, fingindo que não somos partes do problema. Somos sim. Se havia dinheiro para as Olimpíadas, por que não havia dinheiro para o Museu? Beira a insanidade imaginar que os políticos brasileiros responsáveis por manter um patrimônio cujo valor é impossível de ser medido em dinheiro tenha desaparecido porque cortes no orçamento da União reduziam os valores destinado ao Museu à casa de alguns milhares de reais ao longo dos últimos 20 anos. Mais respeito com a memória e a história do Brasil, por favor.

  • A mesma sensação tenho quanto ao museu da República, (Palácio do Catete) que - embora em melhor estado que o Museu que agora arde em chamas, passa sempre a impressão de que a coisa vai aos trancos e barrancos.

    A melhor analogia que consigo encontrar é com a de um automóvel velho: Tem ferrugem na lataria e o motor pinga óleo, mas dá para continuar andando.

    Furou um pneu? Com isso o carro não pode andar, então que se arranje uma verba de emergência para consertá-lo. E ponha o carro para andar novamente - hoje não vai chover, então dá para andar com o limpador de para-brisa quebrado.

    Apaga-se um incêndio aqui, outro acolá, até o dia em que o derradeiro incêndio chega. A isso se dá o nome de "equilíbrio fiscal".

  • Triste notícia para um final de semana já lamentável e que começou com a morte da Justiça no Brasil decretada pelo TSE. Morte à democracia, ao conhecimento, à ciência, à educação e à cultura, morte à pesquisa, à história, ao humanismo. Morte à soberania nacional. O Brasil caminha a passos velozes para a barbárie total. Aquela barbárie que já assola boa parte da população, é verdade, por conta da miséria e da violência. Agora será alastrada de maneira inevitável. Só ficarão ilesos os muito ricos, escondidos em seus bunkers, cheios de empáfia, encharcados em bebidas caras e com voo marcado para os países que realmente amam.

  • Museu Nacional consumido pelo fogo ????
    Museu da minha infância, adolescência... Em passeios pela Quinta... Em excursão escolar...
    Grande perda mundial ????

  • É o retrato perfeito do que vivemos hoje. E o vampiro fdp lamenta... País sem memória, sem cultura, sem educação. Qualquer pequeno museu na Europa é valorizado, conservado e bem cuidado. Por servidores públicos! E aqui querem acabar com a educação, a cultura e com a nossa memória. Bando de filhos da puta!

    • Mas esse e o plano. Transformar-nos em colônia.
      Para que colônia quer museu, cultura, educação?
      À colônia bastam os grilhões e o cabresto que lhe colocam a metrópolis, de quem nada mais é do que burro de carga!

    • Falar platitudes como "perda irreparável" é a cara do cinismo de Temer - office-boy da privataria tucana.

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