O retrato do velho

65 anos, hoje, da morte de Getúlio Vargas, que me foi apresentado, já morto, pelo meu avô, um dos milhões a quem ele elevara à condição de cidadão.

Não era pouco e o José Nogueira que habita em mim protegido entre o Fernando e o Brito de meu nome jamais se desligaram dos caminhos que segui.

Aos dois velhos, devo a ventura de nunca ter achado que o brasileiro era um “povinho” e que este país era uma porcaria, desprezível.

Que a filha de um pintor de paredes poderia ser professora e entrar numa universidade.

Que tinha ele tinha o direito de morar numa boa e sólida casa no IAPI de Realengo, com um quintal e galinheiro.

Sobretudo, de saber, desde cedo, que eu não era melhor que ele, mas era melhor por causa deles.

Os tolos acham que o moderno é a negação do passado. Não é, é seu rebento, o seu filho, o que vai ser o que fomos e ainda melhor será.

Sem essa crença no futuro, no progresso, na superação humana, Vargas jamais teria dado o tiro no peito e, antes, não teria suportado o exílio na Fazenda do Itu.

Teria se recolhido a uma velhice farta e feliz.

Quem quiser ver semelhanças com Curitiba, veja. Mais não falo porque os “sabidos” acham que as lutas deste povo e deste País não são as mesmas, na essência, que eram as do Brasil que tentava crescer e incluir há quase um século.

São, e a maior prova é que voltamos ao tempo em que se dizia que a questão social era um “caso de polícia”, frase atribuída a Washington Luís, a quem a Revolução de 30 deporia. Ou que a Petrobras, a Vale, a Eletrobras são tralhas tão ruins que devemos nos livrar delas, embora o grande capital salivem por tê-las.

Nas crises, quase que instintivamente, os povos voltam-se para suas referências.

Por isso, seus inimigos de sempre cuidam de trancar, numa bem fechada gaveta, o retrato do velho.

Fernando Brito:

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  • Tinha eu 9 anos. Morávamos numa pequena cidade mineira e, naquele dia, sentado numa beirada do fogão de lenha que havia em minha casa, perguntei à moça que lá trabalhava: "E se o presidente morresse?" Tomei café, peguei minhas coisas e caminhei para a escola. Tinha andado cerca de 500 metros quando alguém me avisou que não haveria aulas pois o presidente morrera.
    Só muito mais tarde vim a entender que morrera muito mais que um presidente. Destes, há muito na história, inclusive aberrações. Como Getúlio, um burguês esclarecido, poucos. Ou melhor, talvez apenas um outro.

  • É preciso ser muito sonhador para acreditar neste país. Depois de tantas lutas, tantos sacrifícios e tantas vitórias obtidas com tanta dificuldade, ter de presenciar alucinados berrando "mito" nas varandas, é algo para demolir todas as ilusões. Tenho estado descrente no futuro do Brasil. A incapacidade de reação do povo brasileiro é algo assustador.

  • Ainda hoje, em várias cidades do interior do Brasil, pessoas agradecidas levam neste dia coroas de flores para depositar em seu busto.

  • Faz pouco tempo que aqui mesmo neste espaço chamei a atenção para as incríveis semelhanças e também para estranhas diferenças entre Getúlio e Lula. Como explicar que trajetórias e origens tão distintas fossem resultar em figuras e lutas históricas tão semelhantes?
    Estava sob efeito da leitura do livro de Samuel Wainer, Minha Razão de Viver, o que explica muito dessa perplexidade e desse espanto. Os dois maiores líderes populares da história brasileira enfrentaram cada um a sua maneira e em diferentes circunstâncias históricas as mesmas forças reacionárias, os mesmos Donos do Poder (em muitos casos é possível se notar uma incrível endogamia, uma incrível genealogia) que sempre impediram, abreviaram, desviarama o curso do pais rumo à democracia, ao desenvolvimento econômico e social e à contemporaneidade. A história se repete aqui como farsa e como tragédia duas vezes em intervalo de 60 anos. A mesma farsa do eterno e propalado "mar de lama" e dos implacáveis moralistas de ocasião, o mesmo udenismo, os mesmos Lacerdas e Reinaldos de sempre, as mesmas "Marchas", convocadas pelos mesmos Barões da Imprensa, onde primeiro os avós e agora os netos e bisnetos desfilam o mesmo ódio incontido, as mesmas sem razões, o mesmo analfabetismo e alienação, a mesma transformação de indiferentes e apolíticos cidadãos em raivosos e intolerantes manifestantes, o mesmo entreguismo, a mesma falta de ideias e a mesma cópia de receitas prontas e desconectadas da realidade e do mundo, e por fim os mesmos brucutus.
    A mesma tragédia destino dos lideres e desses povo sofrido.

  • A elite paulista, inimiga histórica do grande Getúlio Vargas, foi quem sempre se encarregou de escrever a história, após o golpe de 1964. Uma história mal contada, em que a derrota fragorosa de 1932 é cantada até hoje em prosa e verso como "grande vitória da revolução constitucionalista". Velhas mentiras estão gravadas nos livros neste país das fake news. E a República Velha, escondida a sete chaves, se repete na eterna Macondo de 200 milhões de inconscientes.

  • Getúlio e Lula, RS e PE, das regiões brasileiras mais autênticas, que, separando-se do restante, prosperariam facilmente. No entanto, nos deram os líderes que podem nos emancipar a todos.

  • vou compartilhar com vocês esta lembrança: como tantos brasileiros, ´desde minha infância convivi com o Retrato do Getúlio no quarto de meus pais, afixado na parede da cabeceira da cama, até a morte de meu pai, em dezembro de 2003, quando Getúlio "saiu da vida para entrar para a história" faltava um mês para eu vir ao mundo. muitas histórias meu meu contava sobre personagem tão importante para nossa família, meu ainda passou pelo "janismo" mas transformou-se em um Lulista convicto e orgulhoso do seu país.

  • Pois ai estão,sr.Brito,algumas das razões da nossa eterna TIMIDEZ PATRIÓTICA,enquanto cultuarmos OS GETULISMOS,LULISMOS,DILMISMOS,LACERDISMOS,BRIGADEIRISSMOS,JUSCELINISMOS,GOULARTISMOS e tantos outros títulos que carregamos ao longo da nossa recente história.Nenhum deles,nos deu,mais que seus deveres de ELEITOS.Enquanto isso,milhões de CIDADÃOS perderam seus talentos,para o que se poderia chamar,de POVISMO.Os filhos dessa PÁTRIA,MÃE GENTIL,somos todos nos,desviados que somos,frequentemente,de nossos DEVERES CIDADÃOS,e deixamos produzir-se,o INDIVIDUALISMO,que geram os monstros,que frequentemente,nos dirigem.Quizera que o POVÃO,um dia ,despertasse dessa NOSTALGIA,e fizesse ele mesmo,o TIMONEIRO DE SEUS DESTINOS.Inclusive eu,que estou aqui,escrevendo isso,com a facilidade que me oportunizaram ,os meios modernos de comunicação.

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