O sequestro das nações e das mentes. Por Jorge Folena(*)

O jornalista Andy Robinson, em seu livro “Um repórter na montanha mágica” (Editora Apicuri, 2015), revela de que forma os integrantes do exclusivo clube dos ricos de verdade comandam a política universal, a partir da gelada Davos, e patrocinam a destruição de nações inteiras para alcançar seus objetivos econômicos particulares.

Muito antes que alguns cientistas sociais cunhassem a expressão “tropa de choque dos banqueiros”, ao se referirem ao grupo considerado como classe média, Robinson desvendou como aqueles menos de um por cento da população universal manipulam sem qualquer piedade os outros noventa e nove por cento, promovendo inclusive ações sociais de suposta bondade, que contribuem para aumentar e perpetuar a miséria entre os povos.

Ao falar sobre as mencionadas ações caritativas, patrocinadas por bilionários como Bill Gates e o roqueiro Bono da banda U2, Slavoj Zizek rotulou seus realizadores de “comunistas liberais”, que manipulam organizações não governamentais (ONGs) “sem fronteiras”, que apregoam trabalhar para combater a fome, doenças, desmatamentos florestais, exploração infantil, abusos contra mulheres etc., em países pobres da África, Ásia e América Latina.

Na obra “Violência, seis notas à margem” (Relógio D’Água Editores, 2009), Zizek diz que “os comunistas liberais são pragmáticos. Odeiam as abordagens doutrinárias. Para eles, hoje não há uma classe trabalhadora una e explorada. Há simplesmente problemas concretos que é necessário resolver.”

Conforme observado antes por Zizek, e apurado diretamente nas reuniões do fórum econômico de Davos por Andy Robinson, este pragmatismo revela a manipulação que o capital financeiro promove contra os povos do mundo, disfarçada sob um véu de bondade humanitária, mediante a afirmação de que “o mercado e a responsabilidade social não são aqui termos que se oponham” (Zizek). Porém, em sua lógica do Estado mínimo, busca impor uma espécie de governo global, controlado exclusivamente pelo grupo dos um por cento mais ricos do mundo.

Para a imposição desta lógica, o capital, com seu poderio financeiro, sequestrou para si a política e, em vários lugares do mundo, estabelece e patrocina os agentes locais que atuam para a defesa dos seus negócios.

Assim, não prevalece mais, nos dias de hoje, a disputa de Estados contra Estados, pelo controle de riquezas materiais e culturais, em favor dos capitais locais, como apontado nas teorias clássicas do imperialismo, de Rosa de Luxemburgo e Lenin.

O quadro tornou-se mais grave em razão da crescente concentração de capitais, que, na prática, faz com que a maioria dos governos e suas respectivas burocracias trabalhem não mais para seus povos, mas para os bancos e financistas, que não têm pátria nem alma.

A partir de Davos ou de qualquer outro recanto do mundo, este contingente de menos de 1% controla todas as pessoas e riquezas do planeta e tem a seu serviço forças militares (como as da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN), pagas com recursos da arrecadação de tributos dos 99%, usadas para reprimir e intimidar outros povos; enfim, não apenas mandam e desmandam, como o fazem usando os recursos suportados pelo trabalho da sociedade.

Com efeito, trabalhar para resgatar a soberania nacional passa a ser um desafio, nesta luta sem trégua pela qual os financistas tentam retirar dos povos a sua autodeterminação e dignidade.

Mais de noventa e nove por cento da população mundial, em vários países, tornaram-se reféns do mercado financeiro, num processo de servidão perversa em que se imagina haver liberdade, mas onde não há condições para o ser humano conseguir suprir suas necessidades básicas.
Os governos que resistem às imposições do mercado são postos sob ameaça de ataques, bloqueios ou impedimentos, a exemplo do que ocorreu entre 2013 e meados de 2016 no Brasil. E ocorre atualmente nos Estados Unidos da América do Norte, por conflitarem com os interesses da ordem financeira internacional; e outros governos, em países como Turquia, Irã, Rússia e China, lutam para manter a defesa dos interesses nacionais.

Como registrado por Micklethwait, na Revista The Economist/Carta Capital, em dezembro de 2014, “os pobres na China progrediram mais rapidamente que seus pares na democrática Índia”, o que pode demonstrar a opção do governo chinês de trabalhar para a soberania de seu povo. Mas os agentes do capital financeiro internacional trabalham para confundir a cabeça das pessoas, alegando que os chineses são “capitalistas predatórios” que querem tomar o mundo.
Trabalhar pela soberania é o oposto do que se faz hoje no Brasil do desgoverno Temer, representado na figura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank Boston, comprado pelo mesmo Itaú que também comprou o Citibank.

A entidade a que chamamos mercado age em benefício de apenas um por cento da população mundial, os mais ricos do mundo, para que possam tornar-se cada vez mais ricos.

Para alcançar seus objetivos, o mercado sequestra as nações e, por intermédio das grandes empresas de comunicação, manipula a informação e impõe crises econômicas que possibilitam, principalmente, o incremento do discurso dos fascistas, travestidos de nacionalistas, que buscam cooptar o “homem massa”, que vaga sem esperança neste mundo do desemprego e da exploração.

(*) Jorge  Folena é advogado,  Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e professor de Ciência Política e Filosofia do Direito na Universidade Cândido Mendes. É diretor de Direitos Humanos da Casa da América Latina.

Fernando Brito:

View Comments (16)

  • A nossa soberania está indo para o ralo. Somente uma saída, a união da esquerda democrática progressista. Se precisar de ir para as ruas, vamos q vamos!

  • Texto muito bom, começando pela referência ao livro do jornalista Andy Robinson, que lembra Thomas Mann, neste texto esclarecedor de Jorge Folena.

  • Bom dia,

    Texto reflete a verdade, portanto a questão de Capitalismo x Socialismo são paradigmas contados aos povos como submissão a uma doutrina de aprisionamento.

  • Existem duas instituições no Brasil que são pilares de sustentação desta estrutura: o judiciário e seus anexos e as organizações globo. Derrubando as duas o resto cai por gravidade.

  • Parabéns pelo argumento irrebativel. Pena que poucos saberão entendê-lo na sua essência. Somos um povo sem muita leitura, cultura e atávica inteligência. Aliás, mesmo com o crescente número de cursos universitários e de estudantes nele ingressantes, ainda não se aprendeu a pensar com autonomia, já que as pessoas apenas estudam para fazer prova e teste. São muito poucos os que se aventuram na literatura universal com histórias tangentes aos cursos universitários. Voilá.

  • Afinal, para que escravos?
    Escravos são mais caros do que pessoas "livres" e apresentam maior risco de rebelião.
    Pessoas "livres", por outro lado, fazem as mesmas coisas que os escravos, sentem-se mais felizes e apresentam menor custo de reposição, eis que não precisam ser comprados para toda a vida e podem ser descartadas a qualquer momento sem maiores dramas de consciência.
    E, então, aparecerá quem diga: "Se é assim, por que você não vai ser escravo?"
    Ir ser, como, se já somos? Se ser escravo, de fato, é a única liberdade que realmente temos no mundo regido pelas leis econômicas dos poucos muito ricos?

  • O massacre da Praça da paz Celestial foi lamentável, mas o governo chinês (gostemos ou não dele) tinha que fazer uma escolha: ou permitia que aquele bando de manipulados pelas mesmas forças ocultas de sempre desestabilizassem o o governo e comprometessem um projeto (cujo resultado estamos vendo), ou passava com os tanques por cima deles. Aqui os tontos coxinhas, desde junho de 2013, tiveram campo livre pra jogar nosso precário projeto de nação na lata de lixo pelo "governo" temer, representante e instrumento destes grupos citados no texto.

  • E pior com a conivência da dita esquerda e partidos progressista, que foi tragado e domesticados pelo mesmo, hoje que está dando um golpe de estado global, o capital demoníaco financeiro. E não tem previsão de melhora ao meu ver, e a situação so tende a piorar de agora em diante. Se não haver uma mobilização pra valer ,as coisas vão piorar ainda mais . Porque esses ratos não tem escrúpulos e nao ta nem ai para o povo. E não adianta negar as esquerdas mundiais se acovardaram e permitiu que todo esse processo fosse adiante ,porém tem culpa sim nisso tudo.

  • Um novo partido a partir de hoje se vislumbra no horizonte. Dizem que PODEMOS, mas também pode ser PHODEMOS. PODEMOS, é claro, estar livres para corromper mais do que os outros, afinal somos virgens e pouco importa suas raízes nefastas. Nada me espanta se o novo partido virar mais um PHODEMOS que tem sido na prática o verdadeiro significado dos partidos de direita em nosso país. O futuro dirá se PODEMOS ou PHODEMOS.

  • Isto é o Bildeberg, fio condutor de tudo o que acontece no planeta. A submissão de governos é real, nenhum dos países que se arrebentaram em 2008 conseguiu se recuperar plenamente, e ainda tem a mão pesada que atacou Síria, Líbia e outros, uma destruição só.

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