O suplício de Hércules

Este Hércules, de sobrenome Menezes Santos, não é nenhum gigante musculoso, nem parece ter a proteção dos deuses.

É “negro, baixo e troncudo” e isso lhe valeu um ano – mais precisamente, um ano, um mês e dois dias – de cadeia “preventiva”, como nos conta o bom texto da repórter Constança Rezende, em O Dia.

Durante o qual perdeu, certamente, mais do que a namorada, o emprego e o pouco que conseguira guardar como  funcionário de uma rede de supermercados.

Perdeu, com certeza, algo por dentro de si, que terá de fazer um esforço hercúleo para voltar a existir dentro deste Hércules de Nova Iguaçu: fé na Justiça e que o Olimpo é longe, muito longe da Baixada Fluminense.

Hércules estava no Facebook de um homem acusado de ser receptador de rodas de automóvel roubadas.

Negro, baixo e troncudo, foi “reconhecido” por testemunhas de um dos roubos.

Ora, crioulo, ainda mais “baixo e trocudo”, só podia ser.

Assim, tipo o Obiang da Globo no Sambódromo.

Hércules não fugiu da acusação, ao contrário.

“Reuni meus documentos e fui correndo para a delegacia para tentar esclarecer algum mal entendido. Mas lá já me algemaram, como se eu fosse um criminoso”.

E não era, assim “negro, baixo e troncudo”?

Também não adiantou que pessoas presentes ao aniversário da filha de amigos, onde Hércules estava na hora em que, supostamente, estaria roubando o carro, adiantou.

Sabe como são os pobres, eles se protegem uns aos outros, não é?…

Não sei, mas é provável que Hércules de início não tivesse advogado – essa raça que protege bandido – e mesmo um defensor público – outra praga que vive protegendo criminosos.

Depois, passou a ser defendido pelo escritório Fernando Fernandes.

Mas tinha “testemunhas” de seu crime, que reconheceram o “negro, baixo e troncudo” Hércules .

O Sr. Doutor Promotor, com certeza muito preocupado em defender a segurança das rodas de automóvel, mandou o Hércules para a cadeia, com o “de acordo” de um Juiz de Direito igualmente cioso da integridade de aros e pneus.

Um ano, um mês, dois dias e depois de as testemunhas terem dito em Juízo que podia, quem sabe, talvez, ser outro “negro, baixo e troncudo” que tivesse roubado.

Ainda assim, negaram-lhe um habeas-corpus na 8a. Câmara Criminal, agora em janeiro. Afinal, o que é o princípio da presunção da inocência, perto da presunção de infalibilidade do doutor delegado, do doutor promotor e do doutor juiz, que não são nem negros, nem baixos ou troncudos.

Então, Suas  Excelências, num gesto largo de bondade, mandaram soltar Hércules, ou o Hércules sem o pedaço da alma que perdeu nesta história. Da alma e da vida, como conta o advogado Marcelo Dias, da Comissão de Igualdade Racial da OAB do Rio:

“Hércules deixou de receber salário e teve danos morais e psicológicos. Ficou amargando na prisão neste período todo. Ele trabalhava com carteira assinada, tinha endereço fixo, e não tinha antecedentes criminais. Pelo Código Penal, ele não apresentava risco à sociedade e poderia responder o caso em liberdade”.

Se alguém queria saber dos riscos de uma prisão provisória ser prolongada e prolongada e como “garantismo” é essencial para a humanização da Justiça, aí está uma boa história.

Para os que não são negros, baixos, troncudos e pobres refletirem o que lhes poderia acontecer, como acontece aos que são.

PS. Ah, só como ilustração: o Hércules que não era de Nova Iguaçu, mas da Tessália, na Grécia, morreu queimado por uma poção que sua amante, Djanira, colocara em sua roupa, e que pensava lhe garantir-lhe seu amor. Quando Djanira soube que, em lugar do amor, lhe trouxe a morte, enforcou-se. Não haverá, certamente – que bom – a necessidade de tanto: aos pedaços, este Hércules sobreviveu.

Fernando Brito:

View Comments (25)

  • Os advogados de Hércules não vão entrar com uma ação de indenização contra o Estado? Os doutores delegado, promotor e juiz não vão pagar nada? Fica tudo por isso mesmo?

    • Particularmente:
      Quem tem que pagar pelo erro são as "otoridades", eles tem renda de sobra para isso...se não tiverem, que seja como quem não paga pensão : cana...
      Processar o estado é jogar a conta inclusive em nós que não corroboramos com essas presepadas.

    • Eles até podem entrar com ação para indenização por danos materiais e morais, mas sabe como é …

      Não sei se seria possível mas eu sugiro estudar a possibilidade de processar o juíz, o promotor e o delegado por racismo afinal, de acordo com a Lei, ele não precisaria ter fiado preso preventivamente.

  • Boa tarde,

    isso lembra outro caso o do filho de Pelé com grana fama, preto troncudo e baixinho, mais filho da "realeza", como Xuxa e Roberto Carlos. Será se ele filho do rei teria ido para a cadeia de pobre ou Tremembé - SP?

  • Parece uma outra vertente da teoria do domínio do fato. Neste caso, inclusive, mais perversa do que em outros por trazer um viés de preconceito. E assim vai a Justiça no Brasil: prisões provisórias para se conseguir confissões, prisões provisórias que duram mais de 1 ano, condenações pelo domínio do fato,...
    A OAB e os juristas sensatos precisam agir com urgência. Vergonha!!!

  • Alguma semelhanca com o mpf e justica de moro? Prende arrebenta e nem chega julgar denunciados ? Afinal a justica tambem eh uma quimera e direitos individuais so cabem aos amigos.

  • Fernando vc falou tudo ...

    ''Afinal, o que é o princípio da presunção da inocência, perto da presunção de infalibilidade do doutor delegado, do doutor promotor e do doutor juiz''

    Hj as pessoas são culpadas ... até que se prove o contrário e não tenha uma mídia na sua cola

  • É até meio chavão falar uma coisa dessas mas, enquanto isso, o filho do Eike que MATOU um ciclista acaba de ser absolvido de homicídio culposo... Branco, alto e rico...

    • Os zóios do filho do Eike "é" azul...
      Não precisa "dizer" mais nada..

  • Daniel Dantas,aquele da operação SANTAGHARA,junto à FHC com as PRIVATIZAÇÕES, foi preso????????? NÃO não era de CLASSE BAIXA.

  • Esse caso mostra que muita ainda precisa ser feito no Brasil com relação ao racismo. Enquanto isso, o filho de Eike, branco e rico, livrou-se lindamente da condenação de matar um ciclista. A polícia e a justiça deveriam tratar brancos e negros a todos da mesma maneira, de maneira justa de acordo com o delito cometido (isso quando houve delito).

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