O xadrez dos “factóides”

Um governo sem propostas políticas tem, necessariamente, de apelar para os chamados “factóides”.

Tudo, no governo Bolsonaro, a esta altura a completar um mês, tem sido isso.

Se você colocar estes 28 dias na peneira, o que fica, além das declarações imbecis de gente guindada à posição de ministro sem que tivesse condições mínimas – nem mesmo a mais básica para quem é insuficiente –   para o cargos: a capacidade de ficar em silêncio?

Bem, houve o decreto das armas, como disse o General Mourão, uma medida que não foi de segurança pública, mas “para cumprir uma promessa aos eleitores”.

O fiasco da ida a Davos, onde iria brilhar e apenas teve um desempenho à sua altura: pífio.

Agora, essa inacreditável pantomima de deixar os nossos militares fora das ações de emergência em Brumadinho para fazer cenário para os ‘ultramodernos” israelenses que, afinal, podem ter boas intenções mas nenhum equipamento milagroso, ainda que estejam sendo pajeados pelo Exército e pelos Bombeiros para atuarem no lugar onde todos sabem que há mais corpos: o malsinado refeitório onde mais de 100 pessoas foram colhidas pela lama.

No mais, algumas ideias mal explicadas, como a redução do Imposto de Renda das empresas e a tributação de lucros e dividendos e a reforma da previdência, da qual muito se fala e quase nada se mostra.

Mesmo que este governo não tivesse sido atropelado pelos mal feitos e promiscuidades milicianas do motorista Fabrício Queiroz e dos negócios de Flávio Bolsonaro, o balanço de um mês seria pobre, paupérrimo.

Na campanha, tínhamos um candidato de Twitter, agora temos um governo de Twitter.

O que se nota – e eu, pessoalmente noto ainda mais, com o crescimento do número de provocadores nos comentários – a intensificação da máquina de trolls do bolsonarismo, mas nenhum aumento – ao contrário – nas simpatias que ele despertou.

Mas há um sinal muito mais importante:  desenvoltura com que Hamílton Mourão tem avançado na proposição de medidas que, claramente, corresponderiam a seu chefe legal.

Mourão também tem seus factóides e não se acanha de soltá-los na praça, como este em que sugere a destituição da diretoria da Vale (algo que, aliás, possivelmente aconteceria sem sua “canelada”).

Ainda que seja possível juridicamente, é óbvio que se trataria de uma decisão do presidente, não do vice.

Mas Mourão, que na ativa já mostrou como pouco liga para as cadeias de comando, não se acanha em quebrá-las em seu novo posto, produzindo também as suas “fake news” de suposta afirmação de autoridade.

Depois recua, ameniza, como quem sinaliza que ainda não é a hora do assalto ao poder.

O Bolsonaro do primeiro mês de governo foi um homem perceptivelmente acuado.

Há dúvidas se lançará a proposta de reforma da previdência ainda nos seus dez dias de internação hospitalar ou se deixará Paulo Guedes ser “o pai da criança”.

E depois a depenará como fez Michel Temer, antes de ser atingido pela lama da JBS.

Há um xadrez sendo jogado na distribuição de poder, por jogadores sem habilidade.

Bolsonaro jogava com as pedras brancas, tinha o direito à iniciativa.

Quem ousa, porém, é seu vice.

 

 

 

 

Fernando Brito:

View Comments (23)

  • Uma evidência da disputa é que Bolsonaro não concede entrevista para a Globo, mas Morão usa à vontade os microfones da emissora

    • O que indica qual será a TV oficial do próximo mandatário do presente mandato!

    • Isso é estratégia

      Enquanto o circo esta montado ..este governo acaba ficando, pelo SIM e pelo NÃO, sempre em evidência

      ..enquanto isso, a turma de demolidores dos direitos - agentes dos EUA - continua em silêncio ..afinal, o que andam fazendo a Fazenda e o Ministério da Justiça, hein ?

  • Nesse xadrez há muitos cavalos e pouca inteligência. O rei está em xeque porque os peões deixaram ele e a rainha descobertos. Os bispos estão mais preocupados em conservarem suas cabeças e as torres de lado assistindo o circo pegar fogo.

  • A autofagia do Golpe não vai cessar enquanto um novo regime não se consolidar. O problema é que mesmo com franquias democráticas mínimas e restritivas os artífices do Golpe de Estado são incapazes sequer de estabilizar um novo governo (como foi com Temer e como parece que vai ser agora com Bolso), que dirá consolidar um novo regime. Por isso o objetivo de destruir e acabar com o PT é tão importante e fundamental para os Golpistas. O consórcio formado pelo Mercado, a Grande Imprensa e os caciques tucanos falhou em estabilizar e consolidar politicamente o projeto golpista. Teve que se valer da arraia miúda, da agitação permanente, o que adicionou ainda mais instabilidade a aventura golpista.Talvez o novo regime seja a autofagia permanente, a instabilidade permanente, o caos institucional e econômico permanente. Isso pelo menos enquanto o PT continuar preso e imobilizado e nenhuma outra força política ocupar com sucesso o lugar que o PT ocupa hoje no cenário político brasileiro.

    • Estamos à beira da selvageria total. Em breve, será liberada a venda até de metralhadoras e qualquer empresário poderá ter pequenos exércitos. A Justiça estala por todas as juntas. Isto vai evoluir rapidamente para uma situação na qual os cidadãos não sabem mais quais leis ainda podem ser seguidas. O problema não é só o PT, é tudo, é qualquer coisa que cheire a civilização. Tudo será nomeado de marxismo cultural e em seguida de comunismo. Os projetos de país que poderem ser viáveis vão ser destruídos com lança-chamas, e seus adeptos serão levados à Ponta da Praia. Lula tem razão: Quando começaram a mentir, começaram a construir um mundo de mentiras que não tem mais fim, a não ser quando for completamente restaurado o Estado de Direito e o respeito à Constituição, com o necessário desmascaramento e punição das mentiras. Até lá, teremos hordas de Mad Max correndo e gritando pelas ruas, enquanto os pobres humanos procuram se esconder nos becos.

      • Sinceramente não sei o que dizer. As vezes penso que expressar nossa preocupação e nosso medo diante do horror parece redundar no contrário do que desejamos, que é justamente afastar e evitar a todo custo esse mesmo horror. Mas também me passa pela cabeça esses quadros apocalípticos. Temos que estar equivocados.Mas qual o limite, onde se encontra o ponto de não retorno? Que marcas essa experiência traumática vai nos deixar? Penso na Alemanha, no Camboja, em Ruanda, no Haiti. E pensar que gostávamos de imaginar uma nova civilização tropical a la Darcy. É como cair do céu no meio das labaredas do inferno. Que falta nos faz o humor revolucionário, se é que isso seja possível. Vencer nossos adversários pela denúncia do absurdo, do ridículo, do patético.

    • Análise perfeita. Eu simpatizo com a revolta de Alecs, na resposta anterior ao seu comentário, contudo, sou menos catastrófico, acho que não chegaremos a tanto e espero estar certo.
      Quanto a Bozo e seu governo irei citar uma afirmação que fiz aqui tempinho atrás: uma equipe ruim e um líder medíocre não formulam nem executam qualquer projeto que preste, nem se for para um carrinho de cachorro-quente ou algo do gênero, quanto mais para um país. O que assistimos até agora é o Governo do Meio Não. Nega tudo e de tudo um pouco, ou seja, sequer consegue ser efetivo ao negar. Nega inclusão na sociedade, nega direitos, nega cultura, nega civilização, mas, não formula uma única proposta que sirva de substituto ao que nega. Nega e só.
      Conclusão, não se sustenta. Mourão deverá assumir, tão certo quanto assumir que o sol nascerá amanhã. Mas, ao contrário das vivandeiras de sempre e as doidivanas que esperam algo melhor, somente aprofundará o caos. Como, também, já disse por aqui o pensamento militar é tacanho, conhece de logística e, no Brasil, olhe lá. Nossas escolas de formação militar são retrógradas em pensamento e limitadas em civilização. Gostam tanto de se espelhar nos USA e não fazem o que lá é feito, mandar seus oficiais complementarem formação nas universidades. Aqui consideram a Escola Superior de Guerra como pós graduação. Só se for em burrice e em ignorância cultural. Não é à toa que sempre que se metem em política dá no que dá ou alguém duvida?

      • Eu também simpatizo, mas também a temo. Me preocupo mais com os "civis", que querem agir como militares, do que com os "militares", que querem agir como civis. Os primeiros produziram danos coletivos e mais gerais, os segundos danos específicos e mais particulares.

  • A propósito, a cirurgia do homem estava prevista para demorar 3 horas e demorou 9 horas. Ele está na UTI, segundo os médicos, por precaução. Pergunta que não quer calar: ele vai despachar da UTI ou os médicos vão tirá-lo de lá só para ele despachar? O país não tem vice não?

  • Gostaria de saber até onde as FAAs, que não são Bozo, Mourão & famiglia, vão se deixar tratar como peça descartável, assim como foi no resgate da lama. No passado foram valorizadas e protegidas do baixo jogo político, levadas a ações no mundo através da ONU, receberam armamentos, treinamentos, investimentos em tecnologia. Hoje são tratadas como babas do exército israelense, bucha de canhões dos EUA,. Até onde?

  • No momento em que afloram as contradições desse governo, só lamento que praticamente toda nossa dita esquerda esteja cada vez mais afastada do povo. O PT dividido, Haddad passeando pelo mundo, Lula cada vez mais esquecido em Curitiba e quase todos apenas preocupados em formar uma frente democrática para discursos, entrevistas e notinhas. E, o que é mais grave, começam a aparecer notas dando a entender que para essa esquerda, Mourão seria o grande salvador. Os que conhecem a história hão de se lembrar que a omissão dos partidos de esquerda, na Itália, em 1920, e na Alemanha, nos anos 20 e início dos 30 foram a causa imediata da chegada do fascismo

  • O surpreendente bom-mocismo de Mourão é uma tática para ocupar o lugar de Bolsonaro. Não se iludam !!!
    É preciso lembrar o que disse o mentor político de Mourão, o General Paulo Assis na festa do PRTB, em dezembro/2018: "Mourão será o futuro presidente. Em 2022 ou ANTES se 'algo' acontecer a Bolsonaro".

  • Duvido muito (tudo) que israelenses tenham boas intenções... Quanto à República dos Bananas, não sei quem é pior: se o "titular" ou o viXe...

  • "Agora, vem a informação de que o equipamento de Israel tem uma tecnologia para identificar o calor que emana dos corpos.

    Ou seja, é boa para caçar terroristas vivos do Hamas, não para localizar cadáveres embaixo da lama.

    É um mico atrás do outro."

    Vai estar tudo muito bem para os canalhas, canalhas, canalhas enquanto se pensar que é "só" isso, um mico atrás do outro... Na verdade, é um macaco atrás de outros macacos, que é como Lampião, o primeiro herói do sertão, chamava os milicus: de macacos, que é o que são.

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