Orçamento sem compromisso

É realmente espantosa a falta que faz algum exercício de aritmética na análise jornalística.

O Globo publica hoje que o governo planeja o tal “Renda Brasil” para pagar R$ 300 mensais a entre 20 e 21 milhões de famílias: as 14 milhões já atendidas pelo Bolsa Família e mais seis ou sete milhões sem renda que teriam sido identificados no pagamento do auxílio emergencial.

Com isso, precisaria de R$ 60 bilhões diz o jornal, que engoliu o número sem fazer contas (pelo mínimo de 20 milhões, a 300 mensais, em 12 meses isto daria R$ 72 bilhões). Como o Bolsa Família tem um orçamento de R$ 29,5 bilhões para este ano, restaria arranjar outros R$ 30 bilhões (nas contas erradas do jornal) ou R$ 42,5 bilhões se prevalecerem o número de beneficiários e os valores mencionados no texto.

De qualquer forma, seria uma maravilha, não fosse o fato de que tudo o que se pretende distribuir aos pobres seja, literalmente, retirado dos próprios pobres.

Qual é o plano?

R$ 20 bilhões viriam do fim do abono salarial pago uma vez por ano a quem ganha menos de dois salários mínimos, que representam algo em torno de 24 milhões de pessoas de baixa renda. Como a proporção de beneficiários por família deve ficar pouco acima de 1, pode-se, com razoável certeza, afirmar que mais de 15 milhões, talvez mesmo 20 milhões delas sejam prejudicadas com a perda desta tenda, de perto de R$ 1 mil anuais.

Perto de R$ 4 bilhões, do salário educação (R$ 48 por filho menor) e do seguro defeso pago aos pescadores no período de proibição da pesca.

O que falta, como se vê, não é pouco e não há a menor indicação de onde vá poder ser tirado, uma vez que a receita da União caiu muito este ano e não há a menor expectativa de que venha, no ano que vem, voltar aos patamares pré-Covid.

O cobertor curto do Orçamento público, nem se fosse de elástico, daria para cobrir sequer esta despesa, quanto mais para compensar com bondades desoneratórias que compensem – ou pareçam compensar – a implantação da nova CPMF.

Muito menos para financiar projetos e investimentos para enfrentaro desafio de uma população que está em níveis inéditos de desemprego e perda de renda.

É óbvio que ninguém pode ser contra um programa de transferência de renda, mas é preciso que se saiba que, desta maneira, não se transferirá renda alguma se for o dinheiro que é dos pobres sendo rebatizado para ser distribuído aos pobres.

Neste caso, é melhor rebatizar o “Renda Brasil” para “Renda Voto”.

 

Fernando Brito:
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