Os cogumelos venenosos

Não costumo dar muita atenção – e não darei a ele, pessoalmente – a este personagem Jair Bolsonaro, que anda lá por Belo Horizonte propondo levar mar para Minas, dar licença para matar para policiais e reduzir a maioridade penal para 14 anos (possivelmente a idade emocional de muitos dos seus seguidores barbados).

Sociopatas deste tipo sempre existiram, aqui e por toda parte do mundo; não chega a ser novidade.

O que interessa para o raciocínio é porque esta sociopatia, que normalmente permanece enquistada em grupelhos relativamente inofensivos, espalhou-se por cada canto deste país.

Os processos são muitos.

Brotou por toda parte, em situações onde a mídia e histeria os alimentaram.

Por exemplo:  uns bandidecos traficantes do Flamengo acorrentam um rapaz negro num poste e arranjam uma moça bem-posta ma TV para “explicar” seu crime com o suposto crime alheio: “leva ele pra casa”, não é?

Perde-se o pudor de dar ao  “justiceiro” o apoio social que, com bons – ou nem tão bons – modos começam a promover o “fim da roubalheira”.

Mas isso se sofistica.

De um lado, uma legião de energúmenos, com caras que dariam razão a Lombroso, tamanha a idiotia que expressam. Como são úteis ao projeto golpista, que depois da derrota de 2014 passou a ser a porta de reconquista do poder absoluto para os sistemas de dominação excludente que marcam a história do Brasil.

E tome de aparecerem figuras esdrúxulas, alçadas à TV, às revistas, ao jornais, que ninguém sabe de onde vieram, com o que ganham a vida (comércio de canecas?) e comanda(vam) séquitos de babacas na internet, que afinal os trocaram por aquele com cujas asneiras iniciei o post.

De outro, autoridades de ternos e expressões bem alinhavadas, com teses jurídicas que “amarram no poste” da execração pública os  personagens selecionados na política e no empresariado.

Como não há muitos santos em nenhum dos dois campos, a confissões arrancadas, alguma coisa acabam por mostrar e deu-lhes munição  para avançarem,  sob o estrondoso fogo de artilharia da mídia. Na sua infantaria, as “subcelebridades”, todas com os “projetos sociais” e louvor ao “sucesso pessoal” das suas vidas cheias de brilho e vazio, onde sacodem iates, chamapgnes e rolex, como os chefões da traficância chacoalham seus cordões de ouro.

Não importa, ainda há o lugar de santo a ocuparem em seus altares.

Entram aí os subjuristas do interior, quase todos praticantes verbais da boa fé religiosa, alçados à fama nacional, exibem em escala continental a empáfia, a “importância”  e a onipotência própria das pequenas comarcas, onde os salões do coronelato lhes tão sempre abertos para que desfilem, contidamente, a sua vaidade, braços dados com suas “senhoras”.

A crise, o desespero, a angústia de uma população sofrida, que não entende como se foram os dias de bom tempo e caiu uma chuva quente e abafada, a sufocar-lhes, produzindo esta brotação de cogumelos, faz com que parte dela, justo pela desesperança, não perceba como, embora vistosos, são venenosos, tóxicos, mortais para a vida e para as liberdades.

Mesmo diante deste quatro dantesco, que a cada dia vem ganhando pinceladas de horror – fecham-se exposições, recolhem-se quadros, santificam-se surras de fio elétrico e tosa à força de cabelos de meninas que perderam a virgindade – há esperanças.

Porque a esta gente, à qual não falta pretensão e poder para dizer quem serve e quem não serve, o que podemos ver, ouvir e escrever, falta algo essencial para que sobreviva: um país e um povo, porque este não lhes pertence, ainda que o dominem, porque não o tem dentro de si.

Cogumelos que são, não tem raízes profundas. Apenas pequenos liames, os micélios, que os ligam à matéria orgânica em decomposição. Bastam alguns dias de sol para que murchem, deixando apenas seus esporos, para que brotem quando algo em podridão lhes servir de alimento.

Fernando Brito:

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  • O Brasil medieval retorna
    Usar um fio elétrico para espancar a filha de 13 anos porque ela perdeu a virgindade com o namorado é “apenas mero exercício do direito de correção”. Assim entendeu o juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Guarulhos (SP), para absolver o pai da menina. A surra, de fio, deixou oito lesões nas costas da menina, com até 22 centímetros de comprimento. Ela também teve os cabelos cortados pelo pai.

    • a cadeira do dragão também é "mero exercício do direito de correção"?
      e o filho da puta se auto intitula magistrado.

  • E proibem-se judicialmente peças de teatro...um horror total. Mas mantenho a esperança de dias melhores. Aos 63 anos de idade, sei que o Brasil voltará a ser um país decente ainda que demore um pouco. A escuridão há de ser clareada.

  • Brito, você é sempre espetacular. Hoje você foi estupendo! É sempre maravilhoso ler seus textos diariamente. Ler seus textos inteligentes, em meio a essa fúria diária de mediocridade, nos dá esperança!

  • A prova de que falta cérebro nestes seguidores do capetão é que eles acham que todos podendo ter armas, diga-se de passagem para combater não a violência mas os adversários políticos, que estes não revidarão...irão para o cadafalso sem reação...não é sensacional? Depois vão reclamar a quem?

  • Os cogumelos colloridos,dorianíticos ou com cheiro de BOSTAnaro,sempre aparecerão enquanto a matéria orgânica ,imbecil,burra ,egoísta e sem consciência de classe que povoa historicamente ( e de forma MAIORITÁRIA) este país, seja regada pela propaganda da fedorenta elite brasileira.
    Os culpados nunca foram os cogumelos,eles são só consequência.

  • 500 anos de raízes profundas de espoliação descarada, toca superficialmente corações que se dizem sensiveis. Fica a retórica e o lavar de mãos. Tudo caiu do céu e vai para a conta do mundo separado, aquele que é separado somente quando faz parte da fala oportuna.

  • Ele é mesmo demagogo, pois Minas já tem o seu Mar de Espanha.

  • A TV e algumas igrejas vem preparando o terreno com ôdio, pelo menos, desde a década de 1990.
    Programas como Aqui e agora, do Gil Gomes, argumentando que o problema do país são os "vagabundos ".
    Igrejas idem , ensinando que se pode comprar Deus com doações pra igrejas. Basta pagar e está livre. Ódio a quem conteste.
    Mentalidades individualistas e materialistas.
    Globo, Moro, Temer, bancos, enfim, todos os golpistas encontram terreno fértil pra prosperar em sua sanha mal caráter. Se eu acreditasse em diabo, diria que é o próprio agindo no corpo desses pseudo religiosos e pseudo moralistas.

  • Difícil entender porque essa truculência de um tranca-rua vulgar faz tanto sucesso.
    Esse tipo de cogumelo é conhecido nalgumas regiões do Brasil como "mijo de cavalo", pela facilidade que tem em nascer sobre urina e fezes dos equinos.
    Infelizmente, ainda tem gente besta demais pra acreditar nesse discurso do "eu prendo, eu mato, eu arrebento". Excesso de testosterona da câncer.

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