O Valor traz hoje em sua capa a manchete que afirma que o ministro da Economia Paulo Guedes assume Pró-Brasil e amplia o programa para criar empregos.
E você já leu em inúmeros lugares e declarações que Jair Bolsonaro, com o “Renda Brasil”, vai dobrar o Bolsa Familia, em valor e alcance.
Tudo muito bom, desde que você esqueça o que realmente pensa esta gente que cansou de apontar o Bolsa Família como um programa populista, que estava tornando os brasileiros vagabundos que não queriam trabalhar, mas viver do auxílio e de que era melhor emprego sem direito do que direitos sem emprego.
O que houve? Uma epifania? Uma conversão milagrosa destas mentes à ideia de que o progresso econômico se funda na elevação do poder de compra da população e dos seus níveis de bem-estar?
Ou a direita brasileira descobriu que, fazendo política social seu grau de apoio se eleva e torna sua continuidade no poder mais fácil ou até inevitável.
Bananeiras passaram a dar jacas?
Não seria impossível, se de fato a realidade de uma crise tivesse transformado as mentes que dirigem governo e economia, bem como as que formam sua base de apoio social e empresarial.
Mas não é assim e não é pela elevação do poder de compra da população e pela redução dos níveis de pobreza e atraso que eles medem o sucesso de políticas econômicas.
Não, isto para eles é apenas uma necessidade provisória para que as eternas máquinas de acumulação possam seguir a funcionar em meio a situações de carnificina econômica como a que vivemos.
Não é preciso ir longe no tempo para lembrar como, na crise de 2008/2009 eles não hesitaram em retirar os santos de seus altares neoliberais e apoiarem a intervenção do Estado na economia, a licença para crescer o endividamento público e a ortodoxia fiscal.
Mudou-se algo? Uma década depois, toda a recuperação da economia não tinha recuperado os níveis de emprego, de equidade na distribuição de renda, a superação do atraso econômico das periferias.
Há diferenças, porém, numa e noutra situação.
Cuidamos, em meio àquele temporal, de ampliar os investimentos em infraestrutura, aproveitando a “licenciosidade fiscal” que os tempos concediam, para elevar o poder de compra do trabalho, realimentando pelo consumo a produção e fazendo a roda da economia girar.
Foi possível, assim, dar um passo à frente na situação em que nos encontrávamos no pré-crise e criar um estado de ânimo positivo para a vida nacional, que começaria a ser desmontado pelo embrião do moralismo “padrão Fifa” (juro, dá vontade de ao rir lembrar que a Fifa já foi modelo para algo assim) e a transformação do dilema social em um embate entre “honradez” e “sem-vergonhice”, que desembocaria no surgimento da ideia dos “homens santos” que, vemos agora, são demoníacos.
Agora, o quadro é diferente: não há projetos – sequer projetos, que dirá investimentos – estruturantes, não há planos para setores essenciais da ação social do Estado (Educação e Saúde, essencialmente), seja em que escala for: emergencial, de médio ou de longo prazo. O crescimento da dívida pública, que soma até o mês passado 9,7 desde o início do ano em relação ao PIB ( o dobro dos 4% apurados em 2009) vai chegar perto dos 20% e nos deixou pendurados na dependência de juros baixíssimos para poder rolar as contas públicas.
Se fosse um remédio, poder-se-ia dizer que a terapia é apenas a de analgésicos, mas com inevitáveis efeitos colaterais de médio e longo prazo.
Recordo apenas aos que ficam perplexos com a situação que não há milagre em economia, mas programas de desenvolvimento, investimentos, elevação de renda persistente, agregação de valor à produção e tudo o que faz desensenvolvimento e justiça caminharem como o par de trilhos do progresso. O resto é prestidigitação, farsa, truque para enganar incautos.
O santos que foram tirados no altar neoliberal não foram quebrados. Estão apenas no armário, esperando que se lhes esqueça a crueldade para serem de novo entronizados.
O deus ex-machina do mercado e do dinheiro continua acima de todos.