Os mitos e o real

Espalhe-se a espuma com que sempre se tenta tampar a superfície da política.

Esta história de aprovar mudança constitucional para impor a prisão antecipada é pura marola, esperteza covarde de Dias Toffoli para “empurrar” para o Congresso a soberania da decisão que o STF teve – o verbo é esse – que exercer no julgamento de quinta-feira.

Marola, porque serve à simples agitação: terá de formar maioria de dois terços para um casuísmo – e desta vez sem o empurrão que Rodrigo Maia deu à Previdência – , superar uma decretação de nulidade por reformar cláusula pétrea e, afinal, aprovar algo absolutamente inócuo, pois não retroage para quem interessa: Lula, que dependeria de condenações posteriores à eventualíssima mudança constitucional, pois a Carta estabelece no inciso XL do art. 5º, que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

A sequência de tuítes de Joice Hasselmann conclamando os “bolsonaristas-raiz” para obstruírem a pauta da Câmara até a votação desta PEC esdrúxula dá ideia do quanto é patético este movimento.

A outra marola, esta densa como as borras de óleo que aportam em nossas costas, é a questão da perseguição judicial a Lula, que levará mais tempo para ser dissolvida, mas que o será, porque há ainda tonéis de solvente a saírem da Vaza Jato e porque os personagens desta trama esvaziaram-se.

Concluso este processo – lento, doloroso e imundo – voltaremos às águas da disputa política.

Está evidente que ao atual governo interessa a polarização.

José Roberto de Toledo – uma dos melhores analistas de pesquisas de opinião, penso eu – resume a equação: “Lula solto + Bolsonaro live = centro esvaziado”, embora este conceito de centro, no Brasil, abranja o que em toda a parte se chamaria direita, como Dória e companhia.

Nas contas de Bolsonaro, a presença de Lula no leque da política deixa mais fracos aqueles que poderiam ser uma alternativa para o antipetismo que o levou à vitória eleitoral no ano passado.

Não é uma avaliação estúpida: o horror das elites brasileiras a qualquer coisa que se possa classificar como popular é histórico, imenso e incessante.

Fosse apenas isso, acho que Jair Bolsonaro teria dado um grande passo político, até porque seu principal adversário no campo do autoritarismo, Sergio Moro, sai mais fraco deste episódio porque, para usar os conceitos do atual presidente, acabou por não cumprir sua “missão”.

Mas acho que o decisivo é outro fator, que não depende de planos e tem uma força difícil de reprimir: a realidade.

É que, ao contrário do que figurou ser na sua escalada ao poder, Jair Bolsonaro não é mais um “Mito”, é o governante de um país desgovernado, economicamente estagnado e institucional e politicamente avacalhado.

Percebe-se um sentimento de enfado – que tende à impaciência – na população, esgotada por cinco anos de crise e degradação do convívio social.

Diante do qual o passado da “Era Lula” é quem tem potencial de se tornar (mais) mítico.

É o paradoxo da guerra: depois que se a tem, com seu horror, sua destruição, seus escombros pelas ruas, nada é mais desejado que a paz.

Fernando Brito:

View Comments (19)

  • Brilhante! Leitura perfeita do momento pelo qual passa nosso Brasil. É o esgotamento de tudo que fizeram ao país.

  • Muito preciso! A realidade se impõe. O mito cospe bem, e fica nisso. Nem pra política rasa ele não sabe se virar. Filhotinho de abutres e logo órfão.

    • O mundo se mostra escandalizado com o terror que a simples soltura de Lula está a causar na mal montada engrenagem da extrema direita que governa o país.

  • Obrigado pela reflexão.
    Talvez seja a hora de parar de malhar a parentada omissa e traidora daqui do Sul (em especial) do Sudeste e do Nordeste (também lá...).
    Será que o Brasil voltará a sonhar e realizar como até 2014?

  • Fazia tempos que eu não degustava uma pinguinha de salinas tão boa. Tenho um bom estoque. Bons pressentimentos a vista.

  • Lula deve mostrar inteligência e aproveitar estes três anos pra transferir o seu capital político para novas lideranças. Se há briga com Ciro, que seja Boulos, Dino, Rui Costa, quem quer que seja.
    O que não dá é pra continuar apostando em um sebastianismo infantil. As instituições e o 40% mais influente da sociedade nao aceitam Lula e partiriam pra guerra civil se ele voltasse. Nao há beneficio nenhum em ir com um nome que divide neste nível.
    A lição de Cristina está dada. Nao basta querer se eleger. Tem que pensar no dia seguinte.
    De resto, feliz que se reparou uma injustiça contra Lula e outros.

  • O povo não tem memória e é facilmente manipulado (principalmente pela globo). Na minha opinião, a globo mandou o stf "libertar" Lula para que ele sirva de bucha de canhão na sua guerra contra o boçal. Depois que o boçal cair (se isso acontecer) tratarão de elevar um fantoche qualquer, mais maleável, para o seu lugar e darão um jeito de mandar Lula para a prisão novamente.

  • Tá difícil pacificar minha relação com uns parentes e uns amigos, com alguns não vai dar pra consertar nunca mais. Vi hoje trecho da análise política do Rui Costa Pimenta, ele comenta sobre o acordo da burguesia, milicos, Toffoli para soltar Lula, sem desprezar a pressão popular e internacional. Vou assistir com mais calma depois para entender melhor, porque o Rui Costa Pimenta sempre tem razão nas análises que ele faz. Se alguém quiser ver, coloca no youtube "Lula está livre! - Análise Política da Semana 9/11/19"

  • Pois é, Brito.
    Se é Cláusula Pétrea, como se vem afirmando por aí, uma Emenda Constitucional não pode alterar este ìnciso XL do Artigo 5º da Constituição Federal. Se ainda estivermos num regime democrático, pelo que se sabe, qualquer dispositivo da CF de 1988, que for dado como Cláusula Pétrea, só pode ser mudado por um Poder Constituinte Originário, isto é, só com uma convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, igual a que ocorreu em 1987 para a promulgação da Constituição de 1988.

  • Penso que enquanto ficarmos cultuando personalidades (Lula versus Bolsonaro), estaremos fazendo Política de torcida organizada em campo de futebol: vence quem der mais porrada no outro. Não acredito que é dessa forma que se constrói uma admirável equipe campeã.

  • Obrigado pela reflexão.
    Talvez seja a hora de parar de malhar a parentada omissa e traidora daqui do Sul (em especial) do Sudeste e do Nordeste (também lá...).
    Será que o Brasil voltará a sonhar e realizar como até 2014?

Related Post