Pouca gente vai perceber, mas há um escândalo, hoje, na Folha, que se assemelha a uma versão ascética dos massacres que nos chocaram na semana passada (na semana passada, por enquanto).
Trata-se da coluna do senhor Samuel Pessôa, que não se perca pelo sobrenome, um economista neoliberal de visão próxima aos que nos comandam, atualmente. Vejam a candura com que ele declina seus pensamentos sobre a vantagem de pagar salários menores ao trabalhador:
Em um debate em outubro de 2015 no Insper, afirmei que estava feliz com a queda de 5% do salário real que houve em maio daquele ano.
Essa afirmação “causou” na internet. A ideia foi que o professor de economia ficava feliz com a infelicidade dos outros.
O professor explica o choque como consequência da “visão maniqueísta -no Brasil, mais da esquerda, e nos Estados Unidos, mais da direita- dos fenômenos sociais”. E explana a vantagem da redução dos salários:
A vantagem de uma rápida queda do salário real é que o ajustamento inflacionário -isto é, o processo de trazer a inflação para a meta- ocorre com menor aumento da taxa de desemprego. Ou seja, ao longo de um processo de desinflação, há um “trade-off” (ainda não encontrei tradução em português, sugestões são bem-vindas!) entre queda do salário real e aumento do desemprego. Quanto maior e mais rápida for a queda do salário real, menor será o aumento do desemprego, e vice-versa.
Permito-me sugerir , já que penso em português, que este trade-off é uma relação de troca inversamente proporcional: quando um aumenta, o outro diminui e vice-versa.
Só que não. Estamos experimentando uma estagnação de renda há dois anos, com a maioria das categorias profissionais não conseguindo – quando conseguem – a reposição da inflação e o desemprego sobe em proporções astronômicas.
Tivermos redução da inflação, mas Samuel Pessôa lamenta:
Infelizmente, o sinal positivo de maio de 2015 -queda do salário real de 5%- não se materializou no atual ciclo desinflacionário. A inércia inflacionária -da qual a regra de atualização do salário mínimo pela inflação passada é um dos maiores condicionantes- requereu taxas elevadíssimas de desemprego para promover a queda da inflação, o que finalmente está ocorrendo.
Mais chocante ainda é a definição que faz de um dos papéis do Banco Central, que se põe no lugar do próprio Estado, sobre o qual os cidadãos ainda têm algum poder de orientar, via voto.
O conflito distributivo em economias de mercado opera com os trabalhadores pleiteando maiores salários e os capitalistas pleiteando maiores margens. Se o conflito distributivo não for corretamente arbitrado pelo banco central, ele destrói a estabilidade de preços, um dos bens públicos mais importantes de uma sociedade.
Não é o caso de discutir fundamentos econômicos com Samuel Pessoa, certamente tão inteligente e preparado para o que se propõe quando desumano e insensível com um povo pobre. O incrível é verificar a sobrevivência – ou a ressurgência, sem pudores – de um fundamentalismo econômico que, desde Keynes, já não era aceito nem mesmo entre os liberais.
Avaliam a situação econômica como se estivéssemos diante de uma situação ideal de mercado, onde preços são determinados essencialmente pela demanda e não houvesse uma avalanche financeira a dirigir a economia do mundo e, claro, a nossa aqui.
Praticam dogmas (mais salários = mais inflação; arrocho = deflação) como inquisidores da Idade Média, embora conceda que a abolição da propriedade privada – o que nunca esteve em pauta, por aqui – seria “a única forma de impedir que os pobres pagassem mais pelos ajustes”.
Mas usa a utopia para justificar a hipocrisia com que termina o artigo, como para mitigar a crueldade do que disse ao afirmar que “a melhor alternativa é economia de mercado com Estado de bem-estar social, que minora, mas não elimina a injustiça básica das economias de mercado.”
O Estado de bem-estar social que neoliberais como ele, todo o tempo, querem reduzir e abolir, com corte nos direitos do trabalho, do salário, dos gastos públicos, das pensões e aposentadorias, do suporte aos desvalidos, porque, mesmo miseráveis como são os salários e benefócios, geram demanda, inflação e, assim, tornam mais ralo o sangue da moeda que nos sugam.
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O que esses economistas de direita "esquecem" é o básico: não existe capitalismo sem consumo.
1- se a massa salarial cai, o consumo cai;
2- se o consumo cai, a produção cai;
3- se a produção cai, o desemprego aumenta;
4- se o desemprego aumenta, a massa salarial cai;
5- repete-se o item 1.
Bem, mas o "capitalismo" que sempre existiu no Brasil não é baseado no consumo, mas na especulação.
Por aqui também tem outro fenômeno: os liberais que pregam o Estado Mínimo para a classe trabalhadora, mas vive mamando nas tetas do mesmo, via BNDES, isenções e perdão fiscais, esquemas de licitação, etc, etc, etc...
se a produção cai, o custo dela sobe e isso gera inflação.
O pior é que tem gente que leva esses picaretas a sério, é inacreditável. Espero que o salário dele seja cortado em 90% pra ajudar na meta inflacionária.
Mauricio, certamente os coxinhas concordam com este gênio da direita.
Esta politica covarde dos neoliberais foi e sempre será a receita do bolo murcho. Agrada a quem menos precisa, os donos do bolo. E a política da conveniência, do comodismo, onde o governante não é exigido. Gasta com o social apenas as migalhas do orçamento. Aí não precisa pedalar, por consequência não sofre impeachment. Torna-se joguete dá elite, exatamente como ela gosta e exige. Devemos repudiar este modelo enquanto a disparidade entre ricos e pobres for do tamanho da nossa. Ou seremos em um futuro não muito distante mais uma Etiópia no mundo.
é como ensina Hannah Arendt: não fosse a obsequiosa colaboração de aplicados e subservientes burocratas, não haveria Holocaustos.
Estes cabeças de planilha, como define o Nassif, é que defendem posições maniqueístas com "viés de confirmação", pois a história recente desmente a função que aplicou na sua célula. Durante os governos Lula e Dilma tivemos aumento real do salário, diminuição do desemprego e controle da inflação. Com seu post anterior Fernando, ficou demonstrado que o trabalhador brasileiro trabalha mais horas por ano, com proposta de aumento da carga, como salário médio muito menor que na maioria dos países, portanto recebe muito menos por hora trabalhada. A inflação na Europa não é problema, enquanto aqui ele esquece dos preços administrados e os tarifaços típicos das "jestões" tucanas e mantidas. Todos os anos temos visto reajustes bem acima da inflação em energia, água, telefonia, transporte e nas taxas administrativas. Esquece de citar a volatilidade das moedas sob controle dos grandes investidores internacionais, estas sim produzem efeitos imediatos nos preços de commodities. Outro ponto que poucos abordam é a insegurança jurídica e política e falta de projeto nacional de longo prazo que geram caos e oportunismo nos reajustes de preços.
Falando em futuro, o nosso Trumpinho já está sendo construído nos estúdios Globo, tietado por atrizes e diretores daquela construtora de fantoches dela mesma, para comandar o pais. Escrevam, que eu assino embaixo. Não faltarão elogios ao atual brilhante Prefeito de São Paulo.Tudo será enaltecido naquela administracao voltada para os pobres e mais necessitados. Já que o seu pupilo número 1 falhou, o xodozinho Neves, a bola da vez é Doria. Olho vivo, o futuro promete!
é ao contrario Rui. o xodozinho neves anda sumido além da conta. vem bomba por ai.
Caro senhor Britto.O senhor nada sabe ao respeito do que pensa,esse cidadão.Ele professa a TEORIA DO ABUTRE,quanto mais mortes,mais alimentos.Esse é o resumo das teses desse CORVO ,cuja aspiração de vida,consiste em ver SORRISOS NOS BURGUESES.
Neoliberalismo geral, menos para a mídia, que não vive sem o $$$ estatal.
Brito, seguindo a sua sugestão, traduziria numa única palavra como trade-off = gangorra.
Mais estarrecedor ainda é constatar que estas ignomínias todas sairam da cabeça de alguém educado. Alguém que fez um curso superior, pós-graduação, mestrado, talvez seja até PHD. Não é da cabeça do pipoqueiro da esquina que, por ter estudado, devido à falta de condições econômica, uns dois ou três anos somente em sua vida, não tem, a princípio, capacidade para entender as coisas.
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O que podemos esperar para a humanidade, se aqueles que conseguiram a graça de cursar uma universidade, aqueles que deveriam estar apontando o caminho a seguir propõem tamanhas barbaridades?
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Eu só posso dar razão ao Noam Chomsky, quando ele afirma que "os intelectuais são o estrato mais ignorante da sociedade; eles sabem de tudo o que se passa ou têm condições para tanto, mas, ao invés de agirem para mudar o estado de coisas, preferem acoitar-se nas benesses do poder."