Os saudosos da decadência

Como eu pedi autorização para, desavergonhadamente, tomar posse dos textos escritos por meu velho e sábio professor Nílson Lage, testemunha ocular da história e mais de 60 anos da história brasileira, trago mais um deles. Direto, objetivo, sem a prolixidade da qual tento, mas não consigo fugir.

Ao longo da vida, assisti a três ciclos de acelerado crescimento econômico no Brasil, cada um deles com suas peculiaridades e sua mística.

O primeiro, nos anos 1950, caracterizou-se pelo início da industrialização e pela ocupação do vazio territorial do Centro-Oeste. Sua expressão maior foi o plano de metas de Juscelino Kubitschek; no nível simbólico, época de euforia, em que o Brasil se descobria e tudo parecia possível.

O segundo ciclo ocorreu sob a ditadura militar, na década de 1970. O marco foi a fantástica expansão da fronteira agrícola. A exploração do petróleo subaquático no mar territorial e a energia renovável do álcool combustível pareciam a resposta adequada à crise do petróleo. Esgotou-se por falta de liberdades e refluiu na medida em que estas se recuperavam, em parte.

O terceiro ocorre há onze anos. De comum com os anteriores, o investimento em infraestrutura, a tentativa de recuperação da independência em setores estratégicos e a utilização da máquina do Estado para impulsionar a economia. Como traço dominante, o imenso esforço para distribuição da riqueza nacional entre classes sociais e regiões.

Entre um ciclo e outro, afloraram o pessimismo e a autoflagelação típicos da cultura brasileira, inconformada com sua originalidade e saudosa da confortadora decadência europeia.

O impulso masoquista nasce nas elites e se esparrama pelas ruas mais iluminadas.

A incapacidade de adaptação da elite brasileira é história e até caricata. Enquanto os ingleses, em suas possessões coloniais dos trópicos, cortavam as pernas das calças e criavam as bermudas, a nossa continuava idolatrando o veludo.

Fernando Brito:

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  • A criação das bermudas é emblemática. É patético ver nossas PMs torrando ao sol com suas calças pesadas. Donde será que saiu o nome "bermuda", será das ilhas do Caribe?

    • Como gaúcho e conhecedor da realidade de meu estado sei que em muitas questões somos tão ou mais provincianos que qualquer outro cidadão brasileiro de qualquer estado, mas, ao menos no quesito uniforme, mesmo sendo o estado mais meridional do país e, portanto, com o clima mais ameno, a nossa polícia militar conta com um traje de verão composto por bermudas. Então, é no mínimo curioso que em outros estados de clima mais quente, os policiais não contem com um uniforme adequado ao seu estado.

      • Ah, curioso... mais curioso ainda é poder presumir que tal indumentária seria de pronto rechaçada sob o alegórico argumento de que tal farda [calça curta] implicaria em imediata perda de autoridade.

        Ou será que a interpretação já poderia ser outra?

        Ah, a cultura... essa cultura... essa arraigada cultura autoritária.

  • Dos três ciclos históricos da economia, o segundo, sob a ditadura do regime militar, veio acompanhado do cheiro de sangue e de morte daqueles que lutaram pela volta da democracia brasileira. Não há como negar a aceleração do crescimento, mas, a que preço...Hoje, a extrema-direita, liderada pelos Bolsonaros, Olavo de Carvalho, Lobão, Roger Ultrajante, entre outros psicopatas da elite brasileira, evocam a volta de um regime sob a pífia justificativa de que só sob a batuta dos cassetetes ou dos paus de arara ou das máquinas de choque ou dos baldes de afogamento ou dos estupros seriam capazes de fazer crescer um País que está entre a sétima economia do mundo. Essa é a justificativa daqueles que, como Lobão, acham que arrancar uma unhazinhas não é nada demais.

  • senhores, como não achei como fazê-lo através do "fale conosco" segue uma informação que vi hj por acaso e que, certamente, não terá grande destaque na imprensa. é mais um exemplo do "choque de gestão" que me deixou chocado: http://www.antp.org.br/website/noticias/show.asp?npgCode=B2D8BCA9-0143-468E-AE0E-98E80360FDA0 resumidamente o estado de SP n fez as estações de metrô no tempo previsto para entregar ao parceiro e agora pagará 428,5 milhões de indenização. só eu acho que isso pode ser combinado? abraços!

  • Em vez de permitir que o funcionário público vá ao trabalho de bermuda no verão (já que as mulheres podem ir até peladas que tudo bem), o governo provinciano e retrógrado de SamPa coloca ar-condicionado até no banheiros, e ajuda espalhar CFC pela camada de ozônio. Uma blz !!! Superfaturamento ?!? Certamente.

    "O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES - O que passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS"

  • Excelente texto, Fernando. Algumas das iniciativas bem sucedidas para o desenvolvimento são genuinamente brasileiras. Eu não me canso de ouvir de muitos , a expressão " jabuticaba" para algumas delas. A EMBRAPA e a Petrobras, por exemplo, que o digam. Para todas as mazelas administrativas e institucionais, que incluem principalmente o judiciário e a relação do estado com as mídias e o corporativismo crescente de setores da administração pública para manter e criar privilégios, não se menciona a jabuticaba.

  • Obrigado Fernando, por trazer os comentários sempre precisos do grande professor Nilson Lage, do qual tenho muito orgulho de ter sido aluno de jornalismo.

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