Os tucanos não entenderam o que uniu Lacerda, Chagas Freitas e Brizola


Os cariocas mais antigos – eu ia dizer velhos, mas isso me doeu um tanto – lembram dos tempos de falta d’água na cidade, comuns nos anos 50 e 60, ao ponto de inspirarem  de Vítor Simon e Fernando Martins a fazerem uma bem sucedida marchinha de carnaval:

“Rio de Janeiro/ cidade que nos seduz/ de dia falta água/ de noite falta luz”.

Botei o vídeo lá embaixo, para os que duvidarem que era assim.

Na minha infância, quem tinha banheira enchia quando vinha a água, quem não tinha guardava em baldes ou – mais comuns – nos grandes latões de banha ou gordura de côco (o diet daquela época).

Aí veio a Guanabara e o seu primeiro governador, o reacionaríssimo Carlos Lacerda, a quem os suburbanos como meus pais e avós chamavam  O Corvo, por ter levado Getúlio Vargas à morte.

Lacerda colocou em prática um plano dos anos 50, o de ampliar a pequena estação de tratamento de água e construir uma adutora ligando o longínquo Rio Guandu, que recebia a transposição de águas do Rio Paraíba do Sul, no outro lado da Serra das Araras, originalmente para gerar energia elétrica, às zonas Norte, Sul e Centro do Rio de Janeiro.

Em meados dos anos 60, ficou pronta, é verdade que com parte dos subúrbios e quase toda a Baixada esquecidas no projeto.

Chagas Freitas, pouco antes da fusão,  recuperou um problema acontecido na obra de Lacerda, que teve um desmoronamento com as enchentes de 1967, e duplicou a capacidade da estação de tratamento. Chagas cuidou disso, mas também esqueceu as favelas, que eram a base, aliás, de sua política de “bicas d’água”, com postos de distribuição para a velha “lata d’água na cabeça”.

Depois dele, Brizola, em seu segundo mandato como Governador (no primeiro ele cuidou de ampliar e solidificar o Sistema Imunana-Laranjal, que tirou Niterói e São Gonçalo da seca, e levou água encanada para as favelas), otimizou a capacidade de tratamento do Guandu com a construção de um segundo túnel de captação de águas no Rio, uma obra pesada, cara e demorada.

Brizola e Lacerda eram arqui-inimigos, alguns graus a mais que eram de Chagas.

Lacerda disse que sua obra daria água à cidade até o “ano 2000”, que era quando a gente colocava alguma coisa que queria dizer num futuro muito distante.

Não chegaria lá, mas os que o sucederam não deixaram “para o ano 2000” cuidar do abastecimento de água do Rio e fizeram ampliações e melhorias.

O sistema Cantareira é de meados dos anos 70.

Desde Laudo Natel, nenhum governador paulista cuidou de ampliá-lo. Afinal, era de uma grandeza que parecia dispensar estes cuidados.

Mas vinte anos se passaram.

E vieram os governos Covas I, Covas 2, Alckmin I e II, Serra e Alckmin 3, passando agora para o 4.

Outros 20 anos.

E nada.

Escrevo nestes dias de – felizmente – chuva em São Paulo para não parecer agouro.

Homens públicos podem divergir em quase tudo, menos neste dever básico: cuidar das necessidades básicas das pessoas, notadamente nas grandes metrópoles, onde não é possível pegar água na bica.

Não há chuva que dê aos tucanos a remissão deste pecado.

Prometer como solução obras que levam anos e ideias mirabolantes – já foram várias, desde bombardear nuvens e tirar água do mar e até do ar –  depois de 20 anos de desídia soa cruel.

Há de chover em São Paulo, apesar da longa estiagem de interesse de seus governantes em prover aos seus cidadãos o direito essencial à água.

 

Fernando Brito:

View Comments (15)

  • Não nos preocupemos. Cacique Cobra Coral está mandando chuva!!!!!!!!!!!kkkkkkkkkkkkkkk

  • Acompanho desde janeiro aqui no Tijolaço e no Nassif, esse problema da falta d'água e estou cada vez mais apreensivo pois vai se confirmando uma grande TRAGÉDIA para breve aqui em São Paulo.
    Vejam as últimas atualizações do Nassif:

    1) Crise da Cantareira: aspectos hidrológicos e previsões para 2015
    Link: http://jornalggn.com.br/noticia/crise-da-cantareira-aspectos-hidrologicos-e-previsoes-para-2015

    2) Com a cabeça na lua, Alckmin propõe água do mar
    Link: http://jornalggn.com.br/noticia/com-a-cabeca-na-lua-alckmin-propoe-agua-do-mar

    3) Projeto de abastecimento com água do mar pode custar R$ 6 bilhões ao governo Alckmin
    Link: http://jornalggn.com.br/noticia/projeto-de-abastecimento-com-agua-do-mar-pode-custar-r-6-bilhoes-ao-governo-alckmin

    4) Uso das águas do Paraíba do Sul não resolve crise em São Paulo
    Link: http://jornalggn.com.br/noticia/uso-das-aguas-do-paraiba-do-sul-nao-resolve-crise-em-sao-paulo

    5) Explicando o crescente risco de esgotamento de outras represas de São Paulo
    Link: http://jornalggn.com.br/blog/sergiorgreis/explicando-o-crescente-risco-de-esgotamento-de-outras-represas-de-sao-paulo

  • A incompetência e a ganância de Geraldo Alckimin produziu essa seca de água em São Paulo, pois ele preferiu torrar o dinheiro da Sabesp com os acionistas dos EUA.

  • Ainda sobre publicidade governamental em veículos midiáticos e pseudomidiáticos: o PIG não é ardorosamente a favor do chamado "Estado mínimo"? Da mídia (no caso dele, pseudomídia) independente? Então vamos acabar com os gastos oficiais inúteis e desnecessários nos "valhacoutos de bandidos" como disse Collor, ou "detrito sólido de maré baixa" como diz PHA.

  • A nova versão da marchinha:
    "Se é gestão tucana
    é claro que nos seduz!
    Com Geraldo fata água,
    com Fernando falta luz!"

  • Fernando, seus primeiros posts sobre a falta d'agua em SP (creio que em fevereiro ainda - sendo o primeiro jornalista a apontar o problema, tanto entre os blogs qto entre a grande mídia) atiçaram minha curiosidade à época, e tenho acompanhado a situação desde então.
    Apesar da nossa torcida por chuvas, avalio que mesmo elas chegarem em abundância neste verão, não serão suficientes para amenizar a situação de SP.
    O blog do nassif publicou um post meu analisando isso. Me permita colocar o link. E parabéns pela cobertura persistente, audaz e lúcida dessa crise hídrica em SP.
    http://jornalggn.com.br/noticia/crise-da-cantareira-aspectos-hidrologicos-e-previsoes-para-2015

  • Prezado Fernando,

    Você deve ter sido homem próximo a Leonel Brizola a ponto de saber que Carlos Frederico não jogava no mesmo time.

    Acho mesmo que nenhuma água da galáxia os uniria e fico aqui sem saber o grau exato de contestação ao título do seu "post".

    De fato, Carlos Frederico realizou obras importantes para a época e que se mantêm importantes até o dia de hoje, para a região metropolitana da antiga Guanabara. Notadamente, as regiões habitadas pela classe média.

    Leonel Brizola fez o que tinha que fazer enquanto governador, embora eu discorde de que obras de abastecimento de água tenham exercido qualquer papel de fio condutor entre Leonel e Carlos ( e muito menos para ambos em relação a Chagas ).

    Eu nasci em 1957. Tinha seis anos, quando conheci as cotias e os gatos do Campo de Santana, onde ingressei ( chorando muito por falta da minha mãe ) no Jardim de Infância.

    Aliás, o mesmo Campo de Santana, já com mutera ao redor, que serviu para que o meu pai se alojasse comigo, durante o histórico comício de sexta-feira, 13 de março de 1964 ( dia do meu aniversário de sete anos ).

    Pois foi também no Campo de Santana que eu conheci o "Gynaikothrips ficorum", mais conhecido como "lacerdinha", porque fazia arder os olhos e era atraído pelo meu alvo avental infantil.

    Disso decorre que também não concordo que Carlos Frederico tenha sido chamado de "O Corvo" apenas nos subúrbios do Rio. Todos os que eu conheci o chamavam assim. Aliás, muito justificadamente.

    Carlos Frederico foi severamente contraposto por Brizola, em 1967, quando emitiu comunicado conjunto com Jango no que se chamou de uma iniciativa da tal "Frente Ampla".

    Inclusive, acho mesmo que a tal "frente" levou o país a "iniciativas democráticas em demasia" para a tal "linha dura", iniciativas essas que findaram no AI5 , naquele putrefato dezembro de 1968.

    Na minha opinião de carioca velho, a água do Guandu é muito limpa para abrigar vermes do quilate de Carlos Frederico.

  • fugindo dos tucanos para falar da escoria do pmdb.
    ‘Se presidir Câmara, engaveto regulação da mídia’, diz Eduardo Cunha
    O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), diz que, se eleito presidente da Câmara dos Deputados, vai colocar “na gaveta” o projeto de regulação da mídia que a presidente Dilma Rousseff pretende elaborar.

    “Regulação de mídia jamais. Eu colocaria na gaveta. Não faz parte do meu propósito. Eu sou muito claro, transparente para que todos saibam que eu eleito presidente da Câmara não darei curso a um projeto de regulação de mídia”, afirma Cunha.

  • Alckmin dirá a verdade sobre a falta d’água quando tomar o líquido marrom que a Sabesp está servindo?
    Postado em 07 nov 2014
    por : Kiko Nogueira
    Geraldo Alckmin deu uma entrevista a Míriam Leitão no Palácio dos Bandeirantes.

    Nem sombra, como se esperava, da assertividade de Míriam diante de Dilma Rousseff. Ao falar da crise hídrica e da ajuda pedida ao governo federal, Alckmin fez um solo tranquilo, longo, sobre suas “boas parcerias”. Negou o racionamento, teceu loas ao “bônus” para quem faz economia. O abastecimento está uma maravilha.

    Todo mês tem uma nova obra entregue. Há uma “independência” do Cantareira. Ele está “muito entusiasmado com a “água de reuso”. Vendeu seu peixe com sossego de pescador.

    (A única cobrança dura da jornalista foi sua indignação diante do fato de Alckmin se referir a Dilma como “presidenta”, o que, na opinião de Míriam, demonstra que ele não fará uma oposição firme.)

    Alckmin mente, escamoteia, sai de banda e não é de hoje. Passou o ano repetindo que não haveria falta de água, quando ela já era escassa na periferia. Hoje, a escassez é generalizada.

    Sua atuação é completamente divorciada da realidade. Hoje, a presidente da Sabesp, Dilma Pena, afirmou ao Ministério Público do estado que “não tem como afirmar se as medidas serão suficientes para evitar problemas no abastecimento de água caso o regime de chuvas persista da maneira anômala atualmente vivida”.

    Numa gravação que vazou, a mesma Dilma admitiu que a empresa não foi à mídia alertar os paulistas por causa de uma “ordem superior”. Superior de quem?

    Alckmin é um fenômeno do que Marina Silva chamou de tergiversação. Lidera fazendo mágica e fingindo. Na California, que também enfrenta a pior estiagem de sua história, o governador Jerry Brown decretou estado de emergência e vem realizou uma campanha intensa de conscientização, recorrendo inclusive a artistas como Lady Gaga. Foi criado um site para a população se informar. Brown fez questão de mostrar que diminuiu o consumo na sede do governo e em sua casa.

    Geraldo reage com factoides. Ele está num outro mundo. Ou não tem, realmente, a menor ideia do que acontece, o que é mais preocupante. Em agosto, numa coletiva, como não tinha respostas, Alckmin telefonou, na frente dos repórteres, para Dilma Pena.

    Transcrevo trechos do relato publicado no R7:

    O tucano falava sobre o financiamento da Jica (Japan International Cooperation Agency – Agência Japonesa de Cooperação Internacional) para detectar e combater vazamentos de água na rede de abastecimento do Estado. Questionado sobre o valor emprestado, admitiu que não tinha a informação, mas se comprometeu a conseguir. Pediu à assessora que ligasse para Dilma Pena, presidente da Sabesp.

    — Alô. Oi, Dilma. Tudo bem? Dilma, o nosso financiamento da Jica, qual o valor? Não, lá não é dólar, é iene. É equivalente a US$ 600 milhões. É em torno de R$ 1,4 bilhão.

    A primeira pergunta estava respondida. Mas o governador tinha outras.

    — Jica é um organismo financeiro do governo do Japão. Escreve J-I-C-A. Japan… O que é I-C-A, você sabe? International Cooperation… ‘Ajusteichon’ [risos], ‘agueichon’ [risos]. E antes de encerrar o ‘telefoneichon’, esse dinheiro para que é?

    Dilma Pena responde e Alckmin repassa para os repórteres.

    — Redução de perdas, troca de ramal, troca de rede. Tudo o que for relacionado a impedir perda de água. Exclusivo para evitar perda de água.

    Os jornalistas fazem mais perguntas enquanto ele ainda está ao telefone, querem saber em que pé estão os trabalhos. Mas a presidente da Sabesp não tem a informação de imediato. “Verifica e me liga”, diz o governador, que emenda mais uma questão: “Outra coisa, quanto a Sabesp perde de água?”.

    — 20,35 [%], perda física na região metropolitana de São Paulo de água tratada. A França perde 29 [%]. Faz um resuminho aí para a gente. A média brasileira é 38 [%]. Ok, depois você me passa esses dados aí.

    Satisfeito com o telefonema, ele continua a conversa com os repórteres sobre o financiamento. “Eles [Jica] vão dar o dinheiro e fazer a consultoria?”, questiona uma jornalista. “Não. Eles dão o dinheiro… Liga de novo para a Dilma, pergunta se tem algum apoio técnico”, pede o governador à assessora.

    Enquanto a resposta não vem, com tranquilidade, ele explica sobre as perdas na rede de abastecimento.

    — Se você pegar as perdas hoje, 90% é invisível, não é aquele cano que estourou. É tudo a 7 m de profundidade, ninguém vê. Isso é mundial.

    Quando a assessora passa a informação, Alckmin conclui e se despede:

    — Transferência de tecnologia e apoio técnico, nós vamos para lá, eles [japoneses] vêm para cá. Arigatou gozaimasu…

    Seria cômico, não fosse trágico. Há uma possibilidade de cura para sua negação patológica oportunista: talvez quando ele passar a beber a água de coloração marrom esbranquiçada, com gosto de barro, que está saindo das torneiras da Zona Sul, um fio de responsabilidade escape de sua boca.

Related Post