Pequena história de uma grande farsa – II

 

Começo a segunda parte do texto iniciado ontem com a ajuda deste gráfico que me envia a amiga Angela Romito. (Clicando na imagem você a vê em tamanho maior)

É uma bofetada numérica nos sábios que vivem repetindo que os governos do PT não fizeram “nada”, que arruinaram o país e se conseguiram algo foi porque tiveram uma conjuntura internacional favorável, como se a crise de 2008/9 não tivesse sido, no dizer deles próprios, só comparável ao crash de 1929.

Esqueçamos os números dos economistas, para os quais há também um extenso quadro de comparações na imagem aí ao lado,  essa “tripa” de dados que acompanhará todo o post, até o final, capaz de derrubar todos os “senões” que possam levantar.

E a primeira geração sem fome no país? E a duplicação do número de estudantes universitários? E as mudanças no Nordeste? E o pré-sal? E o ressurgimento de um programa habitacional popular que este país não tinha desde que quebrou o BNH, ainda na ditadura? E o fim da dívida externa e da “meteção de bedelho” das missões do FMI por estas plagas?

Não vou cansar os leitores e a s leitoras com uma sucessão infinita de perguntas assim.

O PT foi conciliador? Sim, teve um projeto de conciliação que se quebrou, porque a elite deste país divide assim as coisas: o progresso é dela, os problemas são do governo, que deveria obter recursos com prestidigitação, e não com impostos cobrados de quem os pode pagar.

A direita está em um projeto selvagem de “restauração”. PEC 241 combinada com reforma de ensino médio vai fazer regredir na universalização do ensino que se iniciou com o próprio  PSDB…Como ampliar para 7 horas o ensino com teto de verbas?

A interrupção nos empréstimos internacionais do BNDES, que parece um tema de “lisura” é uma tragédia anunciada, porque deve gerar o calote das parcelas já paga e o fim do nome do país para financiar exportações. A indústria naval está sendo destruída e o pré-sal será explorado nos próximos 20 anos com lucros para poucos e nada revertido para políticas públicas de saúde, educação, ciência e tecnologia.

O que irão gerir esses novos prefeitos da direita, tão saudados? As expectativas do “pós-PT” com recursos “pré-PT”?

As transferências da União, com o déficit nas contas públicas se tornaram menores, muito menores. O que é repassado a Estados e Municipios por repartição de receita, este ano, caíram 9%, em valores reais. As voluntárias,  muito mais. O processo se repete, com a recessão, para o que vai dos Estados para a s prefeituras, pela via do ICMS. O gigante São Paulo perdeu no mês de setembro 10% de suas receitas com este imposto.

Educação e saúde nos tempos da PEC 241? Boa sorte para entregarem o que prometeram.

É possível que João Dória consiga se sustentar bem, por um tempo: é esperto, rápido e terá a mídia. Marcelo Crivella é uma incógnita e pode perder ou ganhar com o interessantíssimo Globo X Record no Rio., Diz um velho ditado que quando os gatos brigam, folgam os ratos.

Claro que os tempos são sombrios. Poucas vezes, desde a ditadura, a direita esteve tão feroz e obscurantista. E tendo agora, como teve nas Forças Armadas á época, a Justiça como instrumento da perversidade.

Dia a dia a “overdose” de judicialismo policial vai se acentuando e não apenas nisso: tem sido sistemática a cassação de direitos sociais e trabalhistas pela via do Judiciário, como já se apontou aqui.

“Quando não se tem nada, não se tem nada a perder”. A frase do Bob Dylan, agora Nobel, deveria servir à esquerda nesta hora de muitas mágoas, ambições e auto-críticas.

Há problemas geracionais,  fetiches pelo “fracasso” que os meios de comunicação alardeiam e que – embora reais, não podem ser tornados absolutos por resultados de eleições locais.

Boa sorte aos que pretendem se enclausurar em redomas de pureza egocêntrica. Mas quem quiser viver o mundo real tem de se procupar em  construir um programa mínimo e amplo com alianças em setores (sociais, regionais e inclusive empresariais) que logo irão descobrir que o envelhecido projeto do golpismo também lhes será lesivo.

Não haverá recuperação na economia real. Não está no horizonte imediato dos pobres terem o que um dia tiveram.  Será fechada a porta da ascensão social aos mais jovens. O Nordeste desconfia demais do Golpe. Os empresários que vendem para o mercado interno não sairão da crise. Embora a mídia promova o otimismo com o futuro, o povo aguarda e não servirá para sempre o antipetismo como explicação para todas as mazelas, mas isso .

Aqueles que negam a política (e a geopolítica)  entendam: se o estado brasileiro não mudar, o país não muda e o nosso povo (e, com ele, o convívio social mais amplo) afundará cada vez mais.

A disputa pelas políticas públicas permite multiplicar o alcance e eficácia da nossa luta por um país melhor e mais justo. Isso não é contraditório com organização popular ou conscientização da sociedade. São lutas complementares permanentes. Reduzir nossos sonhos a isto não apenas é pensar em ponto pequeno, é destruir estes próprios avanços, porque torna-los o tema central nos afasta do que o povo sente.

O Brasil não tem outro caminho senão o de ser o que é: um país grande, um grande país. Sem essa visão nacional, jamais seremos um país com renda média, com condições de vida dignas para uma população de 200 milhões, com distribuição de renda ao mínimo civilizada.

Não temos outra opção, pelo nosso tamanho, senão ser uma potência com repercussões globais e é por isso que o golpe não enxerga o quanto nos diminui e diminuirá no contexto (político e econômico) mundial. Países pequenos, como o Uruguai, podem garantir bom padrão de vida para sua população sem ameaçar ninguém. Não temos esta opção, não basta uma simples gestão: precisamos de um projeto nacional, que nossa elite faz questão de sabotar e parte da esquerda acha bobagem.

Inexistem caminhos para a estabilidade aqui que não passem pelo crescimento econômico, inclusão social, democracia e participação, promoção de tolerância, respeito ao meio ambiente (com eficiência energética e fontes alternativas), mais recursos para educação, saúde, ciência e tecnologia, inclusive de defesa nacional. Já estivemos, com erros e insuficiências, nessa direção.

A política tem suas ondas. Fluem e refluem e cada uma delas deixa suas marcas. Quem as despreza, quem não sabe perceber seus sinais, quem não tem convicção suficiente para ter calma e compreende-las dificilmente estará no lugar certo na próxima maré. Pode ficar só, no seco, pode ser engolfado e tragado por ela.

 

Fernando Brito:

View Comments (17)

  • Serve como contra ponto a panaquice de Miguel do Rosário dizendo que Freixo tem razão,aliás Miguel defendeu com entusiasmo a insanidade de junho de 2013 o que nos valeu uma discussão la.

    • Babaquice pura, pois se fossem legítimas aquelas manifestações eles teriam voltado agora contra a PEC 241, contra a tunga nos aposentados e trabalhadores, contra a extinção ( na prática ) do direito de greve dos servidores, contra a extinção da CLT, contra os abusos da Lava jato de savonarola e seus porcuradores amestrados pelo Tio Sam.

      Defender aquilo que se chamou infantilmente de "jornadas de junho" é aprofundar o abismo entre a LIBERDADE e o POVO !!!

      Quanto ao Freixo, pensei que fosse coisa melhor, mostrou-se um deslumbrado idiota, por isso mesmo abandonado pelo povão. Entre seus "ilustres" eleitores , provavelmente gente da "qualidade" de Luciano Huck, Angélica e Suzana Vieira.....lamentável a não mais poder.

  • Prezado Brito, somente com muita lucidez é possível PRODUZIR e alinhar ideias em um texto de tamanha MAGNITUDE!

  • Imagino que IMBECIS não saibam ler gráficos. portanto nem desenhado como está vão compreender.

    A frase de Dylan resume a encruzilhada histórica, define norte, rumos, resta saber se o POVO ( que escolheu Dória e Crivela ) estão interessados em assumi-los, senão....patinaremos na lama mais alguns decênios.

    Três questões auxiliares se colocam:

    Os empresários nacionais defenderão a derrocada absoluta do mercado interno acriticamente e bovinamente ?

    Os militares, sobretudo oficiais generais , acatarão o desmonte da reformulação do aparato tecnológico e de defesa a que serão inevitavelmente submetidos ?

    Os estudantes , cientes do desmonte nacional e do futuro rifado refluirão no movimento que ressurge ?

    Enfim, estas três peças, adicionadas ao desmonte de carreiras hiperbolicamente valorizadas ( judiciário, MP, PF ) na crise fabricada de fora para dentro com os objetivos geopolíticos sobrepostos aos interesses nacionais, culminando com a devastação do PT e de suas lideranças, que será efetuada pelas forças conservadoras irão inevitavelmente em algum momento fazer estas carreiras e corporações levantar suas armas para garantir ( ou continuar garantindo ) o protagonismo que os levaram aos holofotes e até mesmo a sobrevivência autônoma.

    Junto ao já demorado levante das categorias profissionais organizadas, somadas às forças dos movimentos sociais como MST e MTST e outros, também por demais demorados.

    Todo esse caldo fervente poderá levar a nação de volta ao seu leito natural, ser grande entre os grandes, voltando o Brasil a ser um player na Era dos Gigantes !!!

    Só espero, com sinceridade absoluta, que os IMBECIS batedores de panelas encontrem nas ruas a oposição que merecem para a devida purgação da história.

  • A analise está bem fundamentada e abrange com lucidez a conjuntura sócio politica. O resultado das eleições indicam que a comunicação do PT não foi competente para mostrar ao povo as melhorias alcançadas nos últimos anos e que estão retratadas nos gráficos apresentados no texto. Por outro lado a campanha de desconstrução promovida pela mídia golpista em conluio o as operações circenses da lava jato, durante os últimos 2 anos, tiveram êxito. É preciso esclarecer que o país foi arrasado pelas pautas bombas e pela política do "quanto pior melhor" com o apoio irresponsável do judiciário coagido pela mídia para que o golpe fosse perpetrado. Agora querem jogar o custo da aventura golpista nas contas do povo com essa famigerada PEC 241 renumerada no senado para PEC 55. O descredito com a politica foi manifestado pelo quantidade votos nulos, em branco e ausencias que superou em muitas capitais os votos dos candidatos vencedores. É fundamental que o PT inicie uma ampla autocrítica e quanto antes melhor.

  • Mesmo que o PT tivesse se transformado na primeira economia do mundo, ainda existiriam coxinhas babacas batendo panelas, desfilando na Paulista mascarados de verde e amarelo não reconhecendo a imensa diferença entre um governo para o povo e um outro para banqueiros e bilionários, gritando Fora PT. Quem viveu aqueles tenebrosos tempos e não está a serviço de grupelhos da internet e nem se alienou à mídia golpista não tem nenhuma duvida. Os governos petistas deram um banho nos atucanados no quesito economia. Volta PT. Volta Lula. Volta vida boa que tínhamos.

  • A imagem das marés é uma boa representação dos movimentos políticos de nossa história política recente. Nossa memória parece esquecer que o avanço nestes últimos 13 anos do PT só se deu com o fracasso do projeto de poder de 30 anos do PSDB. Não me lembro de ter visto aquela época os tucanos fazerem autocrítica ou se penitenciarem publicamente sobre seus erros ou pelo resultado desastrosos de suas políticas, um fracasso de proporções bíblica.

    Durante os dois mandatos tucanos passamos por um calvário de déficits recorrentes na balança de comércio e perda das reservas internacionais que acabaram por redundar na crise no balanço de pagamento de 1999. Naquela altura o país estava quebrado, em um default de fato, e necessitou recorrer ao FMI para poder continuar a cumprir com os compromissos internacionais. Logo após a reeleição de FHC o governo abandonou a política de bandas cambiais e teve que aceitar as orientações do FMI que o obrigou a adotar ou começar a implementar o que passaria depois a ser denominado nosso famoso tripé macroeconômico (que os economistas tucanos vendem aos incautos como criação sua): "responsabilidade fiscal" (basicamente o compromisso em gerar superávits primários e em constitucionalizar e amarrar a política fiscal como medidas de solvência de nossa dívida pública), adoção de câmbio flutuante e de políticas de metas de inflação. O resultado combinado do Plano Real e da política de ajuste imposta pelo FMI foi o aumento do desemprego, do empobrecimento, da miséria, da concentração de renda, perda de tecido produtivo industrial nacional e o aumento do endividamento público.

    Esse foi o quadro de crise econômica que permitiu ao PT se apresentar como um projeto de poder alternativo e viável e vencer o projeto de poder do consórcio PSDB-PMDB-PFL. Durante a maior parte dos 13 anos de governos petistas essas forças esperaram e torceram pelo fracasso do projeto de poder petista e ele não veio. Os tucanos e seus ideólogos depois de muitos anos chegaram a conclusão realista de que era questão de matar ou morrer e ai começaram a estratégia golpista, usando todos os meios (econômicos, políticos, midiáticos, jurídicos) de que dispõe e nem que para isso tivessem que destruir o edifício em que sempre estiveram tão bem instalado (a famosa estratégia talibã, tão ao gosto dos fanáticos do tucanistão) .

    Tinham claro que democraticamente não teriam mais como resgatar seu projeto de poder. Era hora de eliminar a concorrência e sacar fora os competidores, uma espécie de reprodução política de nossa tão cultuada meritocracia social que elimina 85% da população da concorrência e reserva para os 15% "mais aptos", 100% das "oportunidades".

    O erro do PT foi alimentar falsas ilusões a respeito da natureza democrática de nossas elites. Esse o erro imperdoável.

    • O PT não errou, pois não alimentou ilusões. Ele até demorou demais no poder, e com isso construiu um novo e moderno país. Isso fez com o golpe fosse dado com um cuidado excepcional para quem gosta de resolver seus problemas com rapidez e brutalidade, como seus verdadeiros patrocinadores. Não foi possível a brutalidade que cometeram em 1964, graças à sofisticação surpreendente do país. Se agora põe as tripas do país à exposição pública internacional, isso não significa que outros países sejam menos corruptos que o Brasil. É escandalosa a forma como jornalistas americanos se referem à corrupção desenfreada de seu próprio país. Mas a exposição de tripas daqui foi preparada com fins políticos, os de tentar acabar com a independência do país personificada pelos governos do Partido dos Trabalhadores. É uma exposição de tripas viciada por mentiras, exageros e por uma blindagem descarada de políticos corruptos da antiga oposição. O Brasil não é nem foi mais corrupto que seus companheiros em desenvolvimento, e é menos corrupto que muitos países desenvolvidos. Apenas, esta foi a arama que a imprensa presstituta e uma justiça muito estranha escolheram para propiciarem a mudança de governo no Brasil, de um governo independente que tudo fez para o desenvolvimento, para um governo agachado diante dos Estados Unidos e que tudo faz para a destruição de tudo o que é positivo.

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