Política expansionista é inflação? Se a sua moeda é o dólar, não

O Federal Reserve, o Banco Central dos americanos, manteve hoje o “Quantitative Easing”, o programa de recompra de títulos públicos com que, na prática, é injetado dinheiro na economia americana.

Com isso, conseguem aquecer a atividade econômica e o emprego, que lá anda na faixa dos 7,2% – mais do que os nossos 5,4%, mas alto pelos padrões dos EUA.

E porque lá podem fazer isso dando uma banana para a inflação?

Porque a moeda americana, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, substituiu o ouro como reserva de valor mundial e, com isso, fome de dólares nos mercados emergentes e, consequentemente, apreciação de suas moedas e perdas no comércio mundial.

Isso sem contar a arapuca do mercado de derivativos – leia-se dólar – nestes países, que faz tic-tac para refluir estrepitosamente ao menor sinal de aperto monetário por lá, com recuperação das taxas dos títulos do Tio Sam.

Para conter essa inevitável maré, países como o nosso têm de manter uma espécie de “piscinão”, armazenando dólar para desaguar nas crises cambiais provocadas por esse movimento.

As nossas, por exemplo, há um bom tempo estão acima de US$ 350 bilhões, boa parte delas aplicadas no próprio Tesouro Americano, a juros baixinhos, enquanto a gente toma dinheiro aqui muito mais caro.

É isso ou ficar exposto a quebrar nossa moeda, quando a maré de verdinhas se inverte.

Por isso é uma crueldade o que fazem certos “analistas de mercado” e economistas “ortodoxos” (ortodoxia é aquela ciência que ensina as pessoas a viverem sem comer, com o pequeno incômodo causado por morrer de fome), querendo julgar o endividamento brasileiro pela “dívida bruta”, aquela que não considera, nas contas, as reservas cambiais do país.

Neste caso, que é a conta feita pelos “sabidos” do FMI, andamos devendo perto de 70% do PIB – um luxo, se comparado à divida dos países desenvolvidos. Mas é correto olhar a dívida assim, se temos, obrigatoriamente, que manter uma “poupança em dólar” para fazer frente aos fluxos e refluxos de capital financeiro?

É por isso que nossa dívida tem de ser analisada sob o conceito de dívida líquida. Isto é, quanto o país deve, descontado o valor desta cruel “poupança” (e mal remunerada) em dólares a que somos obrigados.

E olhando assim, fica fácil entender o que aconteceu com o endividamento brasileiro deste o período Fernando Henrique (quando, pelas reservas serem quase zero, dívida líquida e bruta praticamente se confundiam) até a situação de hoje.

É só dar uma conferida no gráfico ao lado, elaborado pelos professores João Sicsú e Ernesto Salles.

Duro, mesmo, é ver a tropa que endividava o país mesmo vendendo os móveis da casa ainda hoje ser levada a sério quando fala em “fundamentos econômicos”. E pior, fazendo a cabeça boboca de gente que diz ser “o novo” que não percebe que a economia mundial não é uma continha que se aprenda num curso de contabilidade, mas é política, porque envolve relações de poder e dominação.

Monetária, inclusive.

 

 

Fernando Brito:

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  • No dia em que o mundo tiver coragem, economicamente e militarmente falando, de pôr um fim na tirania do dólar, haverá certamente um apocalipse, mas o sol voltará a brilhar e o mundo viverá dias de menos sofrimento e mais igualdade.

  • Vai demorar ainda um pouco, mas daqui a uns 10 anos essas armadilha estará desarmada, se os Governos forem PTistas (ou progressistas), claro. Um tal de fundo soberano do Pré-Sal vai ajudar e muito a compor nossas contas. Até lá o padrão-dólar será quebrado.
    Até lá, ainda haverá o convívio com essa armadilha nefasta, de "comprar" títulos baratos que inundam o Brasil e o mundo.

  • O gráfico que fala mais que mil palavras. Mas o texto contribui, expõe os fatos muito bem.

  • Manter o dolar como lastro é facil com a maquina de guerra que possuem, ele não passa de papel pintado.
    Temos água, minério, agricultura, energia (oleo e hidroeletrica) o que nos torna independente de qualquer outro pais.
    Somado a isso tudo, ainda temos uma elite mediocre que nos vende por um punhado de tostoes do papel pintado.

  • O texto fala em dívida pública bruta perto de 70% do PIB. Há um equívoco nesse número. Para felicidade de todos nós, e em reforço às treses do articulista, essa dívida está bem menor. A nota de política fiscal divulgada justo hoje (31) pelo Banco Central informa que a Dívida Bruta do Governo Geral (Governo Federal, INSS, governos estaduais e governos municipais) alcançou R$2.747,9 bilhões em setembro, 58,8% do PIB, reduzindo-se 0,3 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.

  • O que pode um analfa da internet, um idoso como eu, pode fazer no mundo de hoje? Queria dar uma resposta ao comentarista Bernardo Troise, mas simplesmente não sei manejar as ferramentas da internet. Tô cada vez mais lascado, velho, sozinho. Então resolvi tentar dar a resposta, para quem quiser ler, aqui nesse espaço, que é o único que sei operar. Ai, ai. Vamos lá. O PIB é sim um valor em dinheiro, mas, claro, não é o que a União recebe. A receita da União é a arrecadação de impostos, que, entretanto, guarda sempre uma relação bastante estável com o PIB. A dívida financeira tem que ser paga com parte dos impostos arrecadados (o superávit primário) só quando o país, como é o caso do Brasil há muito tempo, encontra-se gravemente endividado. Países em boa situação financeira e fiscal, com o é o caso da Alemanha, por exemplo, não precisam fazer superávit fiscal, não precisam tirar dinheiro do Orçamento fiscal para pagar conta financeira. Simplesmente rolam a dívida, embutindo o acréscimo dos juros. Como pagam juros entre 1% e 2% ao ano, basta que o PIB cresça nesse ritmo para que a dívida pública (em valores reais - quer dizer, em relação ao PIB) fique estável. Fazer superávit fiscal é uma condenação que atinge os países muito endividados, com uma conta de juros a pagar muito alta. É o nosso caso. Mas o que nós efetivamente tiramos do Orçamento fiscal para pagar juros da dívida é o famigerado superávit primário, que alcançou R$ 74,1 bilhões nos últimos doze meses até setembro, equivalentes a 1,58% do PIB, ou a cerca de 3,4% da arrecadação total. O resto da dívida é simplesmente rolada, é Orçamento monetário, não mexe com o Orçamento fiscal. O superávit primário está pagando menos da metade da conta dos juros nominais, que totalizam R$ 229,6 bilhões no acumulado de doze meses - 4,91% do PIB. Não existe isso de usar 45% do Orçamento fiscal para pagar a dívida. Isso é impossível, absurdo puro e simples. Se a conta fosse essa, o governo não conseguiria pagar nem salários nem aposentadorias. Bernardo, você, como boa parte da esquerda, está cometendo um grave e tolo equívoco, está confundindo rolagem com pagamento de dívida. Esse valor que você fala refere-se à rolagem. O pagamento efetivo, aquilo que sai do bolso da União para pagar a dívida pública, é muito menor: 1,58% do PIB, ou 3,4% da arrecadação, conforme citado acima. E esse percentual já é muito alto, já é uma conta terrível, mesmo sendo doze ou quinze vezes menor que os 45% da arrecadação que você supõe. Seria completamente impossível arcar com um percentual desse, o país teria que fechar, pedir concordata, recuperação judicial. Para finalizar: renegociar com os bancos, seja uma família ou uma Nação, é sempre um processo oneroso. O devedor procura pagar menos a curto prazo – porque não tem condições - mas compromete-se a pagar mais depois. Tomara que nossas famílias, e que nosso Brasil, não precise renegociar com, os bancos, nem com o FMI, e possa, cada vez mais, pagar suas contas em, dia, para que num futuro, mais breve do que muitos imaginam, possamos estar livres de fazer superávit fiscal, possamos rolar nossa dívida mais tranquilamente, contando com uma dívida menor, juros mais baixos e crescimento maior do PIB e em consequência da arrecadação.

  • Acho que "Aécio Ressaca" combinava mais com o cambaleante Presidenciável.

  • Cerra vem aí, é coisa nossa, já prestidigitava o filósofo Silvio Abravanel Santos.

  • Mais segundo fiquei sabeno o Procurador não esqueceu, ele foi avisado do Pedido da Suiça.