Porque Libra “é bem diferente de privatização”

A oposição de direita e a oposição que pensa estar agindo como esquerda afinaram ontem o discurso.

Dizem que o leilão de Libra foi “a maior privatização da História do Brasil”.

Como parece que se tornou o debate algo paupérrimo, onde vale mais rotular e xingar do que pensar e esclarecer, tento ajudar aqui a mostrar o que disse Dilma Rousseff  ao afirmar que o que foi feito “é bem diferente de privatização”.

Como recolhi do velho Leonel Brizola que as palavras devem ser usadas para revelar e não para esconder os pensamentos, vou tentar, pela via do exemplo, sem me aprofundar teoricamente no tema, mostrar como é diferente o que aconteceu em Libra daquilo que nos acostumamos a ver aqui como privatização.

Valho-me, para isso, de um outro caso emblemático, o da privatização – sem aspas – da Vale.

O que se passou ali foi a venda da empresa a grupos privados – deixemos à parte que tenha sido por um subpreço de algo como 3% do que ela valia, e que metade disso tivesse sido feito em “moeda podre”, o que reduz ainda mais o valor. Vendida a Vale, suas jazidas e direitos minerários, nada mais é nosso, mas do proprietário privado. É ele quem vai decidir quando e quanto ferro será retirado, como será vendido, se será ou não destinado ao beneficiamento. Ao Estado cabem apenas os royalties pela mineração, aliás em valores ridículos.

O minério de ferro, agora, é deles.

E Libra, é igual?

Nem parecido, vejam:

– A jazida segue sendo estatal e o consórcio recebe o direito de, por uma parte do petróleo retirado, explorar para a União.

– Ao adquirir a concessão, o consórcio não leva um parafuso ou uma broca pertencente ao povo, muito menos uma atividade funcionando e gerando caixa. Ao contrário: terá de investir muito – e por muito tempo – até que o negócio seja capaz de produzir um real de mercadoria a vender.

– A velocidade, a forma e a oportunidade de retirar e vender o petróleo vão ser definidas pelo consórcio em comum acordo com o Estado Brasileiro, pois a PPSA (a Petrosal) tem poder de veto sobre as decisões exploratórias e comerciais, além de acompanhar e auditar os custos exploratórios, para que seu abatimento no óleo extraído não se superfature.

– É uma empresa pública – de economia mista, mas controlada pelo Estado – que vai operar os poços, liderando as escolhas sobre como e onde comprar equipamentos, contratações de serviços, recrutamento de pessoal. Isto é, nada será comprado ou contratado no exterior a não ser que seja indispensável ou manifestamente desvantajoso fazê-lo no mercado interno.

É por isso que, embora tanto o minério de ferro quanto o petróleo sejam, pela Constituição brasileira, propriedade da União e, portanto, de cada brasileiro e brasileira, na prática, o ferro foi privatizado e o petróleo, não.

É só ver que, do óleo que agora está a quilômetros de profundidade sob o leito marinho, Libra vai dar perto de um trilhão de dólares ao Estado brasileiro para investir em educação, saúde, tecnologia, programas sociais. Porque o Estado, sobre o que é seu, fica com a parte do leão.

E do ferro que retira aos milhões de toneladas do solo destes filhos da mãe gentil,  a Vale só dá ao Brasil os impostos que qualquer empresa tem de pagar e um trocadinho – 2% do valor, descontado transporte – do minério retirado. E os adoradores do privado, ainda ronronam como gatinhos, em louvor aos gênios que fizeram este negócio desastroso para o país.

Quando se quer igualar coisas tão diferentes assim, podem crer, ou se está deixando de pensar ou, como é pior e mais comum, querendo que as pessoas deixem de pensar.

E, deixando de pensar, possam ser enganadas.

Fernando Brito:

View Comments (35)

  • Pois é, as jazidas de petróleo ainda são do povo, mas o minério das jazidas exploradas pela Vale são da Vale - uma empresa particular. Só não enxergar isso quem está de má-fé
    Aliás, a mineração é um caso sério. Os "verdejantes" justamente cobravam um programa de contingência para acidentes/vazamentos de petróleo. Mas alguém cobra das mineradoras que atuam no Brasil a recuperação do ambiente degradado em decorrência da exploração.

    • Muito bem lembrado. Esse 'esquecimento' é proposital, e muito parecido com o modus operandi de nossa imprensa - será que algum telespectador brasileiro sabe que 'corrupção' pode ocorrer FORA do governo? Que fornecedores, o pessoal do compras, radialistas e até o síndico do seu prédio podem ser corruptos? Esses, vivendo no 'esquecimento' estão no bem-bom, assim como a Vale...

  • E por isso que as Americanas deram linha de Libra. Acostumadas com as mamatas do Partido da Mae Joana, nao gostaram das novas regras.

  • fernando tentar explicar ou debater o leilão de libra tornou-se algo inutil,em todos os blogs que li os debates os contras em nenhum momento cita o povo brasileiro o real beneficiario a medio e longo prazo .dessa jazida de petroleo ,voce e outras pessoas de visão tentam mostrar o quanto de crescimento terá o pais.mais estão batendo na parede de frustação e odio dos que não querem o povo brasileiro usufluindo desse progresso.uma pena deveriamos todos estar comemorando e nos preparando.contra aqueles que a todo sempre nos trataram como seu quintal na america latina,e´certo eles reagiram como já assistimos em diversas partes do mundo.devemos estar unidos e preparados.apesar dos traidores de sempre.

  • Caro, Fernando Brito

    leio sempre seus textos e, quase sempre, concordo e compartilho. Mais uma vez, adorei. Permita-me apenas algumas correções, por favor. São apenas esclarecimentos sobre termos utilizados na área de petróleo, também muito utilizados pela imprensa, porém incorretamente.

    Explorar, exploração: o termo, no contexto da indústria do petróleo, não significa retirar petróleo, mas, sim, o processo de pesquisa por petróleo, de prospecção. Quando uma empresa explora petróleo, ela está procurando por reservatórios, recolhendo dados e caracterizando-o com o objetivo de avaliar a viabilidade econômica dessa.

    Produzir, explotar: este, sim, é o termo correto para a RETIRADA de petróleo do reservatório. Note que a produção envolve a retirada e, talvez, o pré-tratamento, como ocorre em plataformas. O processamento posterior (gasolina, dísel, etc) é o refino.

    Jazida: jazida já é um reservatório bem definido e caracterizado o suficiente para ser declarado viável.

  • Alguma ideia do porque do senador Roberto Requião estar do lado dos que acham que foi um péssimo negócio???

    • Miopia.

      Foi levado na onda sensacionalista dos petroleiros do PSTU que influenciam a direção da FUP, e que só pensam na PLR maior que poderiam ganhar se a Petrobrás controlasse tudo sozinha (mesmo que essa PLR só saísse na década de 30).

      Os slogans a e as "palavras de ordem" muitas vezes tem o poder de cegar as pessoas, que deixam de pensar racionalmente.

  • Jóia, Fernando, então vamos ao que estava em jogo ao invés de alimentar a bobajada geopolítica. Tanto Lula, em Portugal, como Nassif, em seu blog, afirmam que a coisa foi corrida e a leilão por questões fiscais. Você, e tantos outros experts, dizemque a Petrobrás tem ccondições técnicas para operar o pré-sal. O leilão foi tão somente porque a Petrobrás não teria condições financeiras para as operações. Todos os argumentos sobre financiamento são absolutamente falsos. Embora a Petrobrás possa não desfrutar de financiamento sem limites no mercado financeiro privado, ela poderiaser financiada pelo Tesouro. O Luis Nassif critica o leilão porque o Tesouro poderia ter capitalizado a PPSA. E por que não poderia fazer o mesmo com a Petrobrás? Aliás, acaba de colocar mais R $20bi no BNDES para os barões privados investirem.
    Então vamos falar a verdade: o governo quer manter a perna fiscal do tripé neoliberal ou por ideologia, ou por ignorância. Parece bonito e inteligente usar as armas do inimigo para vencê-lo, mas isto cobrará seu preço ao povo brasileiro. Por exemplo, a invencionisse dos royalties para a educação não vão gerar nem 2% do PIB por ano, além de vir só daqui a 10 ou mais anos. Com isso, o ministro do bigode afinado enfrenta uma greve de professores como seu conhecido colega defunto Paulo Soares.
    Enfim, vamos revelar a verdade ao invés de escondê-la em subterfúgios irrelevantes. Ganhar a eleição não será suficiente. É preciso alimentar uma nova forma de ver a sociedade e sua relação com o Estado.

    • O Tesouro iria tirar o dinheiro para financiar a Petrobrás de onde mesmo?

      Iria "parar de pagar os juros da dívida", em uma "ruptura radical"?

      Parece lindo no mundo das fadas, mas não existe isso no mundo real dos adultos. Nem Hugo Chavez parou de pagar a dívida pública venezuelana.

      Deveríamos arriscar as graves consequências de uma ruptura radical com o pagamento das obrigações da dívida pública apenas para satisfazer o fetiche dos "puristas imaculados" que não querem que nem mesmo 15% a 25% dos lucros de Libra vão parar nas mãos dos estrangeiros?

      Chega desse papo furado de "alimentar uma nova forma de ver a sociedade e sua relação com o Estado". O povo brasileiro quer realismo, e continuidade segura e estável das imensas melhorias já registradas nos últimos dez anos, e não discurso barato e aventureirismo do PSOL.

      • Olá João,
        Deixarei de lado suas ilações infundadas sobre minhas credenciais politico-partidária simplesmente porque elas nada mudam nossa compreensão da realidade. Concentro-me em suas afirmações sobre de onde mesmo vem o dinheiro. É assunto muito técnico, sobre o qual suponho que poucos que nos leem estão acostumados. O Tesouro "tira" o dinheiro de lugar nenhum a não ser de sua soberania. Todos os Estados Soberanos emitem seu próprio dinheiro. Portanto, como fez em 2009, 2012 e fará neste ano (R $8bi) com a Caixa Econômica e 2010 e ontem (R $20bi!) com o BNDES, o governo pode simplesmente transferir dinheiro para suas instituições e receber delas mais ações, por exemplo como o governo já fez com a própria Petrobrás. Nos casos da Caixa e do BNDES a coisa é triangulada com títulos públicos, apenas para sobrepassar leis limitadoras auto impostas.
        Divida que não paga juros é melhor por uma série de razões em relação a dívidas que pagam juros. A diferença entre o real no seu bolso e um título público é exatamente que o real no seu bolsoAnão paga juros. A capitalização das empresas públicas, já amplamente feitas por este governo que está aí, não tem implicado em repúdio ao pagamento de dívidas passadas, que continuam bastante modestas.
        Então, do que eu disse a conclusão é óbvia: ao contrário da sabedoria convencional, Estados Soberanos, que emitem sua própria moeda na qual suas dívidas, que pagam e que não pagam juros são denominadas NUNCA estão financeiramente constrangidos para gastar. As restrições podem ser de estratégia (por exemplo, acreditamos que estamos próximos ao pleno emprego e mais despendios elevariam mais os preços do que a produção), ideológicas ou de ignorância (ambas aparentes na tergiversações sobre as limitações financeiras da Petrobráse do Tesouro para financiá-la).
        Fernando Brito, certa vez você mencionou, tristonho, o retorno desagradável que o Noblat do O Globo recebeu das feras que ele mesmo alimentou. Ignorância e arrogância voltaram com um discurso raivoso contra o colunista global. Cuidado com os seus!

  • Privatizar é tornar algo privado.
    Conceder é disponibilizar algo para terceiro(s).
    Partilhar é dividir algo com parceiro(s).

    Privatização é o processo onde uma empresa estatal se torna privada, passando a empresa para algum empresário do mercado.

    Concessão é o processo onde a matéria-prima/produto é concedido para uma empresa, seja estatal ou privada.

    Partilha é o processo de dividir a matéria-prima/produtos/bônus e ônus(!) com parceiros. Essa partilha é negociada e no caso do Brasil, ficamos com 85% da partilha.

    Certo?

  • A nossa gestora explicou isso na TV? Tem ley de medios? Ela irá outra vez e não apenas rebaterá, mas, também, ridicularizará o pig e os entreguistas?

    Pois é... enquanto isso, o povo ouve a voz do PIG.

    Sem ley de medios, nossos governos têm prazo de validade. O tempo que as pessoas que passarem a ganhar bem, tornem-se egoístas e mesquinhas.

  • O leilão do campo de Libra – o maior campo petrolífero do mundo - demonstrou que a intenção do governo era a de entregar Libra ao cartel multinacional das petroleiras, a ponto de nomear para a diretoria da PPSA o entulho tucano, lobista de petroleira, da época de Zylbersztajn e Reichstul, em troca da entrada da Shell e Total. Segundo, demonstrou que o governo não entregou mais para o cartel das petroleiras porque o povo, a mobilização em todo o país, não deixou que a Petrobrás fosse mais esbulhada. Libra foi realmente inédito: o leilão de uma área onde o petróleo já foi descoberto.

  • Declaração do diretor-geral da Total, empresa francesa integrante do cartel, Denis Besset, sobre Libra:

    "A escolha dos executivos que vão compor a Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA), estatal que vai gerir os contratos de blocos arrematados no regime de partilha de produção, semana passada, foi ‘absolutamente fundamental’ para que a Total decidisse participar do leilão de Libra.

    Perfil dos diretores:

    O presidente será o Osvaldo Pedrosa, primeiro brasileiro a defender o fim do monopólio estatal do petróleo e braço direito do David Zilbersztajn na ANP;

    Diretor, Antonio Claudio Pereira da Silva, foi chefe de gabinete de Henri Philippe Reichstul no governo Fernando Henrique e é sócio do presidente do IBP, que comanda o lobby em favor das empresas estrangeiras.