Porque não temos de temer os investimentos chineses como “imperialistas”

Quando fiz comentários, outro dia, aqui, sobre o interesse dos chineses em investir no Brasil, surgiram algumas pessoas preocupadas com o que seria o “imperialismo chinês no Brasil”.

Respondi meio na base da brincadeira (politicamente incorreta, aliás) de que deveríamos, quem sabe, procurar nas pastelarias os agentes de Pequim.

Mas acho que isso vale um reflexão mais profunda sobre o que é diferente no estabelecimento de relações de negócio com a China do que foram, no passado, as com a Inglaterra e ainda são as com o EUA.

A primeira, obvia, é que somos praticamente antípodas. Estamos fora do conceito de espaço vital (o Lebensraun da Alemanha nazista é um conceito do século 19, fortemente inspirado nas ideias do “Destino Manifesto” que empolgou os EUA, ao ponto do presidente James Buchanan, em meados do século ter dito que “a expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (…) e nada pode detê-la”.

O que foi repetido, 150 anos depois, pelo General Colin Powell: “O nosso objetivo com a Alca é garantir para as empresas norte-americanas o controle de um território que vai do Pólo Ártico até a Antártida“.

Muito menos parece que os chineses pretendam criar, como arrogavam-se os ingleses, um império “onde o sol nunca se põe”.

A segunda é que, ao que conste, não existe de parte dos chineses nenhuma iniciativa de controlar jazidas e terras por aqui. No primeiro caso, a modéstia (20%) com que participaram do leilão de Libra e – aqui revelo algo que me contaram – com um chinês vigiando o envelope do lance, para que não se desse um tostão acima do lance mínimo. Positivamente, não é atitude de quem quer, a qualquer preço, abocanhar um grande naco do nosso petróleo. Também não se registra qualquer interesse por minas de ferro ou de outros minérios, que eu saiba.

Também não causa preocupação aqui o apetite chinês por áreas agricultáveis – que eles têm, sim, na Austrália e na África  – porque depois de muita conversa, no início da década, que que os chineses queriam comprar terras por aqui o assunto sumiu e deu lugar a interesse de acordos entre produtores brasileiros – ou empresários do agronegócio – com o poderoso mercado chinês, aliás no qual a liberação das importações de carne do Brasil é um dos maiores interesses do setor.

O foco deles é, sim, a logística, porque são importadores e serão ainda mais, com o crescimento de sua economia e, sobretudo, de seu consumo interno, onde inclusão, mesmo pequena, representa agregação de dezenas de milhões ao mercado.

No “front” tecnológico, embora estejam muito mais avançados que nós, também não tem a China a possibilidade de pretender ser “dona” do pedaço, ao menos no horizonte visível. Pode partilhar algumas pesquisas de ponta, mas não pretender domínio – o que aliás nem tenta – de nossa indústria, onde o prejuízo que traz é no setor têxtil e de vestuário, que está longe de ser indústria high-tech ou de base, embora seja importante.

Mas temos muito a partilhar em áreas onde os chineses são fortes: transmissão de energia elétrica (natural, porque também têm dimensões continentais), construção naval, ferrovias, siderurgia (são o maior produtor de aço do mundo), tecnologia agrícola (da qual eles dependem fortemente) e muitas outras áreas.

Igualmente na área militar, não consta que os chineses estejam tentando espalhar sua doutrina. Ao contrário, dos grandes países, são mesmo o que menos detém tecnologia própria, que se desenvolveu, como todos sabem, com “cópias adaptadas” de armamentos de outros países e só agora – e muito modestamente – cuidam de criar vetores bélicos (porta-aviões, aviões furtivos e mísseis de longo alcance- áreas em que são assumidamente muito inferiores aos EUA) com poder de projeção a longas distâncias.

O melhor exemplo é que só agora estão fazendo seu segundo porta-aviões.

No que eles se esmeram, seja em armas, convencionais ou nucleares  ou em meios eletrônicos – é, isto sim, em criar um poder bélico dissuasório.

Bem, some o leitor e a leitora todas as brutais diferenças culturais, econômicas e sociais que há entre os dois países e veja se estamos sujeitos a uma hipotética “dominação chinesa”.

Claro que os chineses não são “santinhos” e querem, como sempre foi a regra das grandes potências econômicas mundiais, ganhar dinheiro e poder, ou vice-versa. E que com eles, ou com os norte-americanos, os alemães ou os franceses devemos fazer negócios que sejam bons para o Brasil. A única diferença é que eles estão oferecendo estas oportunidades e os outros, não ou, ao menos, nem tanto ou muito menos.

E estão oferecendo porque, como você pode ver no mapa acima (mesmo não sendo tão atual, ajuda a ter uma ideia) que mostra o investimento chinês através do mundo e revela  o quanto a participação do Brasil nestas inversões de capital é pequena em relação ao tamanho da sétima economia do mundo.

Mesmo que tenhamos, nesta década, nos tornado o quinto ou sexto destino de capitais chineses, ainda atraímos muito menos que Austrália, EUA e Canadá ( será que alguém acha que estão controlados pelos chineses?) e, sobretudo, que acumulamos um atraso imenso nessa captação, comparada ás nossas potencialidades.

É isso, e não outra coisa, que explica o volume dos acordos que estamos assinando com aquele país.

O resto é conversa de quem, em relação ao capital internacional, fez séculos de maus negócios, embora para os estrangeiros o Brasil tenha sido, sim, um negócio da China.

Fernando Brito:

View Comments (21)

  • Luiz Lemos excreveu: ".e mesmo assim,...se em algum um dia no futuro tivermos que optar entre a cultura milenar dos chineses ou manter a cultura idiotizante dos eua,... mil vezes a 1a. !!!!!"
    Eu prefiro manter a cultura brasileira consequentemente a Soberania.
    Fernando, bom trabalho em investigar mais a fundo o tema. Sua analise esta correta, mas gosto de "play the devil's advocate" expressao usada para contra-ponto e provocacao. Este mapa, eu poderia dizer que confirma a nova diaspora do mundo contemporaneo. Vale lembrar que a diferenca brutal entre os antigos e decadentes imperios, este ultimo vem com um fator unico, a populacao da China e' de mais de 1.3 Bilhoes de pessoas, nao verifiquei os numeros recente. Outra verdade e' que por pelo menos umas duas decadas os Chineses vao preferir o Canada e a Australia para qualquer "diaspora premeditadamente planejada” (aqui apenas uma teoria com alguma evidencia), por uma questão óbvia de serem mais desenvolvidos. Só duas histórias, e olha não discordo de seu texto, apenas somando, sem intenção de quebrar o protocolo “politicamente correto”. Conta-se que nos anos 70, um ministro Chines visitou a Australia e sugeriou a um “governador do estado de Victoria”, que ele gostaria de obter uma área na regiao metropolitana de Melbourne com o objetivo de construir um Hotel para chineses na Terceira idade, principalmente para familias chinesas ricas. O Governador disse que não era possível pois havia lei e critérios de imigração para entrar no Pais. Então o Ministro Chines, disse, não tem problema não, nós podemos esperar, vamos tomando tudo aos poucos. Enfim, não sei se isto é mesmo uma anetoda ou realmente aconteceu, o fato é que hoje, existem não só uma, mais muitos destes hoteis, mantidos por chineses, para chineses nas principais cidades da Australia. Outro importante dado, ai eu acho que um Pais como o Brasil, India, Russia ou o US tem alguma vantagem, o número da população pode ajudar a reduzir o apetite geográfico chines. Mas a Australia e Canadá são paises de tamanho continental com uma população pequena. A segunda história, essa a gente morando aqui presencia com mais nitidez, os chineses conseguem viver no Pais sem precisar falar a língua, eles criam sua própria economia, procurando um mecanico chines, um encanador chines, o restaurante, o medico, o advogado, o supermercado. Enfim, existe bolhas economicas chinesas dentro de outro Pais, é claro que os impostos nao podem ser segregados, mas enriquecer só chineses pode ser planejado. (?). Uma pergunta para mais debate. Onde é mais fácil abrir uma churrascaria Gaucha for a do Brasil? Em Miami ou Pequim? Democracia é a diferença também entre os imperialistas mobirundos e o novo imperialism. Até aqui não discord do seu texto, apenas mais fatos para serem ponderados.

  • Eu já acho diferente, não tem ninguem bonzinho, querendo ajudar por ajudar, tem interesses e pesados, o Brasil tem que manter a sua soberania e ficar de olho na ganancia dos outros países, ainda mais com os entreguistas históricos que temos, não vale a pena se vender por uma estrada de ferro ou uma fabrica onde o judas perdeu a unha do pé.

  • Isto se deve ao fato de não termos mais FHC no governo. Lula e Dilma abriram os horizontes comerciais do Brasil saindo fora da ALCA, e se associando ao Merco Sul e se integrando nos BRICS. Por isso Lula jamais será homenageado nos USA na câmara de comércio americana, como foi FHC e todos sabemos o porque.

  • Não me preocupo com "imperialismo", pra mim o foco dos chineses é claro! Melhorar a logística para que o Brasil continue exportando minério de ferro e soja!
    Eu sinceramente não acho isso tão bom assim, já que exportamos produtos sem valor agregado algum e importamos produtos mais caros... Nem vou falar que o Brasil deveria investir em pesquisa e desenvolvimento, ou ao menos na indústria, para exportar aço ao invés de minério pq ninguém mais aguenta falar isso... Daqui a pouco voltaremos a exportar pau-brasil...

    • Concordo plenamente, "produtos sem valor agregado" e foi fazendo exatamente o contrario que Japao e Alemanha consagraram seus produtos e marcas no planeta. A Coreia do Sul e' a mais nova na cadeia de somar valor agregado e investimento em P&D. Seria otimo pra o Brasil, termos mais Embraers.

        • Só mais uma das centenas de "jóia da coroa" que foram entregues a banca. Nunca existiria se não fosse a ação do Estado e de mentes que defendem um Estado forte e intervencionista.

  • Muito bom o post. O resto é paranóia dos brasicanos de São Paulo.

    A China tem reservas,e com elas está expandindo sua influência geopolitica no mundo,e isto antes de ser imperialismo é pragmatismo.

    Ela tem tem objetivos específicos em relação ao Brasil, que são garantir sua segurança alimentar e abrir outra frente de independência de logística em relação ao canal do Panamá, estes são os focos hoje.

    O que pode vir por acréscimo segundo um amigo é a transferência de uma "pequena" parte da base tecnológica da cadeia da indústria do aço,altamente poluidora,que por outro lado pode animar aqueles que vivem dizendo que só exportamos minerio e pelotes.

    É preciso caminhar cada vez mais seriamente ao lado dos Brics para assumirmos a responsabilidade na criação de uma nova ordem econômica mundial,menos escrava de todo e qualquer espirro norte americano.

    O Brasil tem um destino a cumprir como nação e não é como capacho de ninguém como sonham os neoliberais entreguistas.

    Sds.

  • Vamos ser realistas, a Dilma acabou com o Brasil e vai nos afundar ainda mais e agora o Brasil começa a ficar de joelhos ao mundo novamente e desta vez é a China.
    O que Lula construiu a Dilma simplesmente destruiu.

    • Vamos ser realistas,enquanto o mundo se despedaçava em meio a uma das maiores crises econômicas, a presidente Dilma e o ministro Mantega fizeram com que a classe trabalhadora fosse poupada e preservada da catástrofe e o mercado interno fosse preservado.

      Mas se o foco for só na base do pibinho da Miriam,e chororô de empresário que só investe com dinheiro do governo, então o governo dela deve ter sido ruim mesmo.

      • Ricardo, concordo que a intensão era essa e funcionou por um tempo, mas eles exageraram um pouco em algumas doses... Até aí tudo bem! O problema é o remédio que estão dando agora! Aumento de juros??? Pra que isso, meu Deus?

        • Quem manda no mundo é a gangue rentista.
          Quero ver quem tem aquilo roxo para enfrentá-los, em qualquer lugar do mundo???!!

          No Brasil, a solução era bem simples: Era só aumentar o compulsório dos Bancos junto ao BACEN e o efeito da carestia do dinheiro se incumbia das consequências que buscam com a SELIC em 13% sem consumir nossos impostos gerando mais dívida pública.

          Mas as máfias, essas, ninguém enfrenta, nem Lula, Nem Dilam, Nem Aécio ou qualquer outro.
          Os dogmas dessa raça, ninguém quebra - É a dominação, estúpido!

    • Fabio, como mulher dei meu voto a Dilma nas duas eleições dela.
      Assim como dei meu voto ao Lula.
      O Brasil da epoca do Lula foi um grande Brasil e o Brasil da Dilma é um pequeno brasil, infelizmente.

    • O governo Dilma nasceu morto e quem da as ordens é o Cunha, o Renan e o tucano Levy.
      Dilma não passa de um fantoche nas mãos dessa gangue.

  • Brito suas matérias são uma aula, esclarecedoras e muito bom para pesquisa.

  • Os investimentos diretos chineses no Brasil atualmente são muito menores do que os americanos e europeus. Basta lembrar da industria automobilística, da industria química farmacêutica, equipamentos eletrônicos etc. Falar em imperialismo chines perto desse domínio internacional do mercado brasileiro é brincadeira. Os lucros da multinacionais de veículos obtidos no Brasil impediu que elas falissem, nos seus países de origem, na crise de 2008. Os chineses, ao que parece, estão interessados em construir uma ferrovia ligando o atlântico ao pacifico, cruzando o centro-oeste brasileiro e indo até o Perú. Ótimo. O Brasil vai continuar produzindo soja e grãos por muitos seculos. Se o Brasil passar a produzir bolas pelets ou chapas de aço, em vez de exportar minério de ferro, vai utilizar a ferrovia da mesma forma. Essa ferrovia se realmente se viabilizar será uma grande conquista para o Brasil.
    Abaixo os enganadores vira latas, que querem o Brasil caudatário das potencias ocidentais. Viva os BRICS.

  • Ah, e aquele mapa dos tres circulos nao concentricos, mostrando que somene o Brasil, russia, usa, china e india tem "Escala" para ter sua identidade e atuaçao 'propria' no mundo diz tudo.
    A propria Russia de Vladimir Putin, hoje tem uma politica de crescimento demografico ativa.
    Porque quando,daqui a vinte anos aquilo q eles chamama "America estiver reduzida a sua expressao real e minima no mundo, isto é, for mais uma entre outras, o Brasil, entao bem maior que hoje, tera sua liberdade para escolher e trabalhar mais proximamente com quem preferir. E para contrabalançar a quem achar melhor.
    So precisa de uma arma, militar, de dissuasao eficaz.
    Nao é mesmo?

  • Eu quero ver mesmo é se as coisas vão acontecer: assinar acordos todo mundo assina, falar que vai investir é fácil falar, eu quero ver as coisas acontecerem, aí sim, é notícia, é fato! Eu lembro daquele coreano ou chinês dos tablets (foxcom?), veio aqui reuniu com Dilma, falou com o Eike Batista, mas não sei sinceramente se ele instalou fábricas aqui ou não! Torço realmente para que a gente tenha esses investimentos, os caras fabricam locomotivas, vagões, navios e se realmente entrarem aqui e investirem gerando emprego, que venham e que seja rápido!

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