Porque o “socialismo moreno” é um pensamento natural e necessário no Brasil

O Pew Research Center, um dos mais respeitados institutos de pesquisa dos EUA, divulga hoje a Reuters, registra que o número de pessoas que se assumem como mestiços nos Estados Unidos  está subindo.

Mas são apenas 7% do total os que se declaram assim.

80% dos norte-americanos são, segundo o censo, brancos.

Sabe quantos brasileiros se declaram – veja bem, se declaram – negros ou mestiços, segundo o censo de 2010?

97 milhões de brasileiros, ou 50,7 % da população de então, se definem como negros ou mestiços.

E 91 milhões, 47,7% da população, se definem como brancos.

O do censo de  2000, os brasileiros que se definiam como brancos era de 53,7%%. E a parcela de pessoas se declarando negras ou mestiças cresceu de 44,7% para aqueles 50,7%.

Isso não quer dizer que o Brasil não tenha racistas, muito ao contrário.

Mas quer dizer que o racismo, além de monstruoso em si, aqui também quer dizer exclusão da maioria e que ele, como a exclusão, vem caindo onde importa mais que caia: na identidade com que nos vemos.

O resto é questão de tempo e de políticas públicas. Um e outro deveriam andar mais rápido, mas inexoravelmente, andam.

A civilização interracial (o que é um pleonasmo, afinal) é a única possível aqui.

E mostra, também, o quanto estamos avançando e podemos avançar com um esforço afirmativo, sobretudo se ele é feito também de forma positiva, muito mais do que com o reverso da intolerância, intolerante também e tosco.

A divisão das pessoas por qualquer critério só serve ao atraso, ainda que seja, na intenção, a afirmação de um grupo (e obvio que  não se está falando da preservação da cultura étnica ou de imigração).

A fórmula da intolerância, aliás, só serve aos discriminadores e aos reacionários, mesmo quando feita com um fundamento aparentemente libertário.

Porque ela ajuda a gerar boçalidades como as que temos visto por aí.

Tempos atrás, abordando a surpreendente votação de quase meio milhão de votos de Jair Bolsonaro, perguntei a quem serviria a “ultra-radicalização”.

Está claro que só aos intolerantes de todos os matizes, que não conseguem enxergar ou temem a  vasta e vária natureza humana e entender que não há coisa de que morra mais o preconceito do que de velho e imprestável à nossa realidade.

Cabe todo mundo no conceito de socialismo moreno: branco, negro, mulato, índio, japonês e católico, evangélico, ateu ou budista. Cabe quem tem identidade de gênero hetero ou homossexual.

A única regra é reconhecer-se com um ser humano igual, para além de todas as diferenças, e por isso ser respeitado e respeitar o outro.

Os pretensiosos sempre atribuíram à “tolerância” brasileira – seja a verdadeira ou o mito – a ideia de inferioridade e dissolução moral.

Não é, é o contrário.

É civilização. E bem aqui, nos trópicos, onde todos fervemos juntos num grande caldeirão.

Fernando Brito:

View Comments (9)

  • Boa tarde,

    no dia que no nosso Brasil a população conseguir ver que somos irmãos de sangue da África e que não temos nada contra classe social, emprego de alguém ou inveja, nós seremos agraciado com o que existe de melhor para um povo: A não existência de classe e sim de um ser humano que mal vestido, pobre ou na rua, esses são irmãos de pátria!! E temos que lutar para um cidadania para todos nós!!

  • PÁSCOA DAS CIGARRAS
    by Ramiro Conceição

    Acordei em meio a uma melopeia nativa
    de uma tribo do Xingu a dançar ao redor
    da cama onde eu, sem medo, dormia nu.
    Enquanto ocorria, levantei-me à alegria
    e com fé fiz um café e, às gargalhadas,
    sambei no seio da casa do velho "eu" que se auto-olhava
    não acreditando em mim, ali, a cantarolar qual as cigarras.

    A ESCADA
    by Ramiro Conceição

    A arte?... Ora, é a escada alada
    sobre o mar de fadas e de fatos.
    O artista?... Ora, é o decifrador,
    o cantor-carregador dos fados.

    Há uma escada no telhado.
    Quem subiu e a esqueceu?
    Mas, se subiu, foi pra onde
    (acima há somente o céu)?

    Será que foi Sabato que quase aos 100,
    por ironia, morreu num triste sábado?
    Será que alguém pulou, fugiu e deixou
    aquela escada esquecida no telhado?

    Talvez tenha caído d’algum helicóptero
    americano que invadiu o espaço aéreo
    ao seu bel-prazer como é de costume.
    Ou será que caiu de dentro dum ovni?

    Convoquemos a corja da grande imprensa.
    Organizemos uma miríade de intelectuais,
    de bandidos, digo, de políticos; de padres;
    de pastores; e não esqueçamos do dito
    papa bento com o seu defunto papa santo.
    Coloquemos de prontidão a armada!

    Afinal, quem esqueceu aquela escada?

    • PECADOS CAPITAIS

      A soberba é uma senhora
      pequena que se julga alta.
      Feia: imagina-se bela.
      Grosseira: idealiza-se meiga.
      Gorda: inventa que é magra.
      Ignorante: matuta que é culta
      mas a ininteligência urra
      porque a soberba é burra.

      Um corriqueiro vazio é a gula,
      um navio que não é cargueiro,
      mas um acúmulo repleto do nada
      duma classe que devora o mundo
      com frieza e crueldade sem fundo.

      A inveja ouve, olha, toca,
      degusta e fareja até a toca
      da inveja imunda do outro.

      Uma filosófica lesma metafísica é a preguiça:
      um sol sem energia; um poema sem palavras;
      uma verdade sem dúvida; um mar sem água;
      um universo sem estrelas; um “Ah” sem ar…

      A avareza é folha seca
      que não quer ir à terra:
      é uma prisão de ventre
      que retém tudo sempre.

      Uma diarreia é a ira:
      de Marx – defecar stalin;
      de Jesus, o poder pra si.

      Um prazer perverso é a luxuria de bento XVI
      em hebdomadárias trepadas clandestinas
      junto a pedófilos do intestino corrupto do Vaticano.
      Porém bentinho, cuidado!... Não fique tão à volonté.
      Papai-do-céu não perdoa ? Ele só finge que não vê.
      Além disso, exumar um cadáver para fazê-lo santo
      é sem dúvida um pecado… contra o Espírito Santo.
      Aliás, lobo ratzinger, por que condenaste Leonardo Boff
      ao mesmo castigo de Galileu que disse eppur si muove?

  • Brito, por mais de uma vez tentei acessar o seu blog, sem consegui-lo. Ele pode estar sofrendo um ataque ou a preparação para tal.

  • Temos que avançar para além da tolerância. O conceito de tolerância é horrível, mas serve muito bem para demonstrar boa vontade, compreensão em tempos que os reacionários mostram suas garras. Imaginei por muito tempo que poderíamos superar o estágio da tolerância e passarmos para uma ideia ou conceito de relação performática. Um exemplo, um professor conhece um estudante, estabelecem uma relação professor- estudante durante um ano. Numa relação performática, nem estudante, nem professor são os mesmos. Podem chegar o mais próximo possível, durante o ano letivo, da compreensão e/ou vivencia do que seria ser o outro. A identidade e a diferença não são seres da natureza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos que a compõe.

  • A pele envolve o corpo e tudo que existe dentro dele,então a pessoa se olha no espelho e vê refletido sua imagem.....,a pele respira e transpira proteje o corpo portanto um grande manto de isolamento
    e dentro do corpo tem você, tu não e' pele
    a vida tem a cor do entendimento a pessoa olha no espelho da vida,e se vê,
    Bom a pessoa se enxergar além como deveria ser e sentir que as aparências podem até superficialmente serem diferentes porem no"íntimo"somos todos iguais.

  • Prezado, parabéns pelo texto! Acho que o espírito do Darcy Ribeiro deve ter soprado um pouco na tua orelha para te inspirar, porque tem tudo a ver com as ideias que ele defendia. "Mestiço é que é bom!", bradava.

    Contra o determinismo racial - defendido inclusive com teses científicas orientadas do norte - que nos condenava à baixa autoestima e ao complexo de inferioridade por não sermos brancos puros, ninguém melhor que o professor, que exaltava com entusiasmo a "nova Roma" tropical. Na minha opinião, nem mesmo Gilberto Freyre foi tão profundo na formulação da nossa identidade cultural.

    Revisitar Brizola-Darcy é o antídoto contra o entreguismo e a intolerância da classe dirigente deste país dos nossos dias. Ainda bem que temos o Tijolaço! Viva o socialismo moreno dos trópicos!

  • De todos os nossos filósofos, estudiosos, antropólogos e pessoas que pensavam no Brasil como brasileiros um foi esquecido e nem é citado há muito tempo, o mais importante deles em minha opinião.
    Um homem que com suas observações, estudos e trabalhos em campo dizia que formávamos uma nova raça.
    Os brasileiros que recebeu de braços abertos gente de praticamente todos os países do mundo e pela miscigenação havida aqui, formamos uma nova raça.
    Uma raça que não é branca, negra e nem é mulata.
    É uma raça brasileira, formada por brasileiros que para cá vieram e vivem.

    Uma raça de gente diferente da origem de cada um.
    Por isso pregava que éramos nós que deveríamos encontrar nossas próprias soluções ao invés de importamos soluções que nem nos países de origem funcionam.
    Esse homem tão importante preocupado em ensinar crianças.
    Ensinar não, formar.
    Falo de Darcy Ribeiro.
    Não está na hora de resgatar, não somente sua memoria, mas seu legado para po-lo em prática?

  • Se não me engano, um professor de MG, geneticista, mostrou em estudo que todos os brasileiros, geneticamente, apresentam evidências de nossa miscigenação; todos temos herança branca, negra e indígena. Enfim, somos todos mestiços!

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