Propinas à parte, nos roubaram a Lei. Justiça a jato leva o Direito para o ralo

Ladrão público tem de ser punido. Aliás, com mais rigor e dureza que ladrão de bens privados.

Mas é deprimente ver a que nos levou o destrambelhamento de um juiz megalômano, de promotores onipotentes e de policiais desgovernados.

A lei da delação premiada, criada para facilitar a instrução criminal, para permitir que o arrependimento de um de seus integrantes ajudasse no desmonte de organizações criminosos foi, por eles, transformada em instrumento-rei, senão único, da investigação, da acusação, da defesa e do julgamento.

A cada preso, uma sessão de cadeia até ceder à delação.

A cada delação, uma negociação, para determinar quem seria delatado.

A cada negociação de delação, um vazamento para uma imprensa sedenta dos frutos políticos do processo.

A cada publicação em jornal, uma suspeita tão forte que era um quase veredito.

Que o furor histérico da oposição transformava em sentença inapelável.

Acabo de ler dois textos acabrunhantes.

O primeiro, do bom  repórter Ilimar Franco, em O Globo,  dizendo que a estupidez criminosa de Delcídio Amaral – porque, afinal, os criminosos são vis, mas não costumam ser estúpidos – selou todos os processos da Lava-Jato. Não haverá anulação de provas, mesmo as obtidas ilegalmente, nem absolvições, ainda que não haja elementos de culpa em alguns casos.

O líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT), assinou a sentença de condenação e de prisão de todos os envolvidos no escândalo da Petrobras. As decisões de um juiz de primeira instância, Sérgio Moro, dificilmente serão revisadas por qualquer tribunal.(…)

Os diálogos gravados citando nomes de ministros do STF expõe os magistrados e os coloca na desconfortável situação de quem ficará exposto se conceder uma habeas corpus ou anular alguma prova. Ainda mais quando o senador Delcídio diz que uma gama de políticos será acionada para fazer gestões a este e aquele ministro do STF.(…)

Tribunais, ministros e juízes não querem que o mundo caia sobre suas cabeças.

Ou seja, não haverá julgamento. Nem defesa, nem provas, nem princípios. Será a simples homologação da catarata de condenações provindas de Curitiba, onde o único critério para saber se haverá pena e se ela será maior ou menor será o quanto e a quem se delatou. Como naquelas piadas de marciano: “leve-me ao seu líder”

E rápido, rápido, porque a opinião pública – publicada – assim o exige.

O outro texto é o dos professores de Direito Processual Penal Alexandre Morais da Rosa e Rômulo de Andrade Moreira. O primeiro é juiz e o segundo, promotor. Não são dois curiosos à procura de polêmica.

Eles dizem e mostram que não houve legalidade, mas bílias, na decretação e manutenção da prisão preventiva, porque não houve o “crime inafiançável” colocado como condição para a prisão de parlamentar, mesmo em flagrante:

Aprende-se nos primeiros anos da Faculdade de Direito, por mais medíocre que seja o Professor de Processo Penal, serem eles o racismo (não a injúria racial), a tortura, o tráfico ilícito de drogas, o terrorismo, os definidos como crimes hediondos, o genocídio e os praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, nos termos do art. 5º., XLII e XLIII da Constituição da República. Quais destes crimes o Senador da República praticou? Na decisão não está escrito. (…)

Não se trata de gostar ou não dos dispositivos constitucionais, pois se assim acolhermos, quando a regra constitucional não nos fosse conveniente, poderíamos, simplesmente, modificar o sentido normativos por contextos, tidos por nós mesmos, e no caso o STF, graves? A gravidade, na linha de Carl Schmitt, autorizaria a decisão do “Soberano Constitucional” de suspender os dispositivos constitucionais, instaurando-se a exceção? Abrimos espaço para em nome da finalidade justificar o que não se autoriza? Seria uma faceta do ativismo?

Acabamos de ver um dos exemplos de como não deve decidir uma Suprema Corte em um Estado Democrático de Direito e como não devem cinco Ministros agir por emoção. É muito preocupante quando o Supremo Tribunal Federal determina a prisão de um Senador da República contrariando explicitamente a Constituição, afrontando a soberania popular e o poder constituinte originário. Obviamente que o Senador não tem imunidade absoluta, mas tem. Di-lo a Constituição e é preciso que se respeite o art. 53 da Lei. Nada justifica uma tal teratológica decisão, nem a corrupção, nem crime de lavagem de dinheiro, nem integrar organização criminosa ou outras tantas outras “iniquidades”, como disse a Ministra Cármen Lúcia, ao acompanhar o voto do Ministro Teori Zavascki.

Em suas decisões, a Suprema Corte deveria observar (e não tem feito) as normas constitucionais (e, eventualmente, se for o caso, as convencionais. É um dever republicano. É isso que esperamos dos Ministros. Não esperamos vindita, nem arroubos, nem frases de efeito, nem indignações inflamadas e retóricas. Deixemos isso para políticos populistas e programas policiais!

Eu venho de um tempo onde, como os juízes hoje, os generais tinham o poder de deixar livre ou prender um cidadão segundo a sua vontade, apoiada numa mal enjambrada sustentação jurídica. Corrupção, como agora, e subversão – estranhamente hoje, a subversão é apontada no poder eleito  – eram motivos mais que suficientes, bastando que se os alegasse.

Por mais asquerosa que seja o procedimento de Delcídio Amaral – já de per si uma das figuras abjetas que abrigou suas ambições no PT, como antes as cevou no ninho tucano – o ato de valentia do Supremo pode ser lido, ao revés, como um ato de covardia, tal como apontou Ilimar Franco: que juiz, ministro ou tribunal há de querer que o mundo caia sobre sua cabeça?

E o mundo que têm medo que desabem sobre suas cabeças chama-se mídia, hoje o juiz supremo e impiedoso do Brasil, com uma única lei: restabelecer aqui, mesmo que sobre os cacos de de um país destruído, um regime de direita, antinacional, antipopular e que devolva os pobres e o povo trabalhador ao lugar que, para eles, é o que merecem.

Fernando Brito:

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  • As SUPREMAS CORTES, na DEMOCRACIA DE CLASSE,representam sempre,a classe dominante e seus interesses.O nosso SUPREMO,além de gozar do INSTITUTO DA IMPUNIBILIDADE,sempre que invocados,decidirão como representantes da DEMOCRACIA DE CLASSES.O resto ,são SOFISMAS! Afinal,o DIREITO,se resume somente,na preservação da PROPRIEDADE PRIVADA, o velho e conhecido,PATRIMONIALISMO !

    • É de se compadecer com o blogueiro vê tantos indefesos e oprimidos presos, sem ampla defesa, sem contraditório, sem advogados, sem consultores.
      Odebrecht, Esteves, Andrade e tantos outros bilionários presos.
      Agora Bunlai, Delcídio... presos... que dó.
      Tudo porque juízes, procuradores e policiais não entendem nada de Estado de Direito.
      Quem entende é tu. ó blogueiro chapa branca!

      • Klaus, esse povo chora de emoção quando Lula discursa e fala coisas como "o pobre agora anda de avião". É coisa de paixão, comum a líderes populistas e liderados. E com paixão não adianta, a pessoa fica cega mesmo!

  • Pois é, até perdi o gosto pelo estudo do Direito. O Judiciário assumiu poderes ditatoriais, e consegue tripudiar sobre a lei e a Constituição. Afinal, para quê Constituição se o STF faz o que quer?

  • Tudo bem, mas o que está à mostra, escancarado, é o esquema da Lava a Jato, que mostra que o Supremo Tribunal Federal é parte de tudo. A Constituição determina que os nossos representantes no Legislativo só podem ser presos por prática de crime inafiançável (hediondo), ou em flagrante delito. Por mais que tenham feitos contorcionismos verbais em juridiquês nenhum Ministro foi capaz de esconder que o que menos interessava na questão era a Lei e a Constituição. Um Senador da república só pode ser preso por determinação do Senado. Não cabe ao Senado, pela Constituição, referendar mandado de prisão de um membro do Parlamento determinado pelo STF. Trata-se de uma invasão de prerrogativas, fosse ou não o crime de acusa a Procuradoria da República fosse flagrante. Será que o STF é mesmo o guardião de nossa Constituição ou atua no sentido de reformular muitas de suas disposições?

  • Acompanhe o raciocínio...
    1 - Delcídio do Amaral foi diretor de gás da Petrobras nos anos 90, durante o governo FHC, e seu sub-diretor era Nestor Cerveró.
    2 - Delcídio do Amaral conheceu Fernando Baiano, acusado de ser o operador da corrupção na Petrobras, justamente no período em que exercia diretoria da Petrobras, no governo FHC.
    3 - Na época, Delcídio do Amaral era filiado ao PSDB de FHC.
    4 - Delcídio do Amaral foi preso hoje com o banqueiro André Esteves.
    5 - André Esteves é sócio do Banco Pactual.
    6 - André Esteves também é amigo pessoal e padrinho de casamento de Aécio Neves, senador pelo PSDB de FHC.
    7 - André Esteves é sócio de Pérsio Arida no Banco Pactual.
    8 - Pérsio Arida também é sócio do banqueiro Daniel Dantas no Banco Opportunity.
    9 - Pérsio Arida é 'economista guru' do PSDB de FHC.
    10 - Pérsio Arida foi presidente do Banco Central ao longo do Governo FHC.
    11 - Pérsio Arida foi marido de Elena Landau.
    12 - Elena Landau foi consultora do Banco Opportunity.
    13 - Elena Landau também foi "diretora de desestatização" do BNDES ao longo do governo FHC, tendo sido a executiva responsável pelas privatizações.
    14 - Com financiamento do BNDES de Elena Landau, em 1997, no governo FHC, o Banco Opportunity de Pérsio Arida adquiriu a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
    15 - A Cemig de Daniel Dantas é uma das financiadoras do dito Mensalão Tucano, que teria sido criado para a reeleição do então governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, do PSDB de FHC.
    16 - O dito Mensalão Tucano teve como operador o publicitário Marcos Valério (lembram dele?), e sabe quem está entre os acusados de ser beneficiário deste esquema de corrupção? Rá! Delcídio do Amaral.
    Está claro para vocês o desenrolar dos acontecimentos recentes ou querem que eu desenhe o fato óbvio de que o caso de corrupção que está sendo investigado na Lava-Jato não começou em 2003 e não se encerra na Petrobras!?
    [OBS: por favor, compartilhem até chegar ao Sr. Moro, porque parece que ele está por fora disso tudo aí.]
    Informação da Jenifer Nicoletti>>>>>> A deputada federal Moema Gramacho

    • Sera q o discurso seria o mesmo se fosse um senador genuinamente tucano?

      VAO CHORAR NA CAMA QUE EH LUGAR QUENTE!!!

      • E olha que dos onze ministros do STF oito foram colocados pelos petistas e mesmo assim reclamam....
        O Direito ideal dos petralhas é lei sem sanção.
        Petralhas sonham com um Brasil sem imprensa, sem juízes, sem policiais, sem procuradores, sem auditores (essa gente só atrapalha o projeto Meu pixuleco, Minha Vida)....um Brasil onde o assaltante de dinheiro público fique impune, seja condecorado e até eleito para mais um mandato de pura rapinagem.
        quem defende esses psicopatas faz apologia ao crime.

  • Com militares, era somente um ditador, agora são 11 tiranetes.

    Se havia dúvidas, ou se era possível outra interpretação sobre o flagrante, nunca que a prisão deveria ter sido feita, ainda mais quando alguns citados foram os próprios ministros. Ficou a impressão que o personalismo falou mais alto que a Constituição.

    O próprio redator do texto que versa sobre a prisão em flagrante de deputados, discordou da interpretação.

    E os senadores, quando têm oportunidade que mostrar que os poderes são harmoniosos, mas independentes, por medo do que vai ser publicado e para atingir o governo, referendam o que muitos consideram um absurdo jurídico.

    É o direito no país retroagindo ao século XV europeu, onde os acusados não tinham direito ao teor do processo, como ocorreu com vários réus da Lava Jato, agora a prisão sofismável dum senador.

    Talvez o próximo passo seja o suplício em praça pública. Até o réu gritar piedade.

  • Agora o "mensalão" caiu no colo das divindades do essetefe. Efeito boomerang.

  • Não entendia como um senador do PT como Delcídio do Amaral se alinhou ao senador José Serra propondo a privatização da Petrobras, o maior patrimônio do povo brasileiro, agora tudo esta ficando mais claro. Que decepção com as escolhas do quadro do PT. Dilma acetou ao dizer que não ficaria pedra sobre pedra e uma das tarefas será a refundação do PT como propõem Lula. Porque a direita será a continuação do Brasil sem esperança e da velha política dos Delcídeos , Cunha e cia.

      • Concessão não é privatização, na concessão o bem público é alugado, nunca deixa de pertencer a União, que fiscaliza a qualidade da prestação dos serviços prestados à população, assumindo a gestão em caso de falhas ou ao final do contrato.

  • Caro Fernando,
    Qual o efeito, no caso, da diferenciação das duas prisões? Seria que já se tem em mente libertar Delcídio que tem a prisão temporária?
    A preventiva pode ser mais longa, (eu li por ai).
    Plausível, não acha?

  • Qual o crime do advogado se ele nem estava na reunião e nem foi flagrado em nada?

  • São constrangedores as atitudes da magistratura, que decidem esperando o foco da câmera para dar seu parecer. E o que importante,as leis que regem o país, são ignoradas ,para poderem prestar serviços aos poderosos em detrimento de um povo tão carente de justiça.

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