Que utilizar a religiosidade popular expressa nas confissões evangélicas é o que resta a Jair Bolsonaro como esperança eleitoral está óbvio, e cada vez mais, porque já não é possível separar suas ações de campanha dos cultos e “marchas” para Jesus que lhes substituíram os comícios.
Contando com a “marcha” de ontem, no Rio, foram 35 cultos e eventos em quatro meses, quase que um a cada 3 dias, talvez mais tempo que dedique ao exercício da Presidência da República e que, por si só, evidencia o farisaísmo com que se move. Aliás, desta vez são os eventos evangélicos que substituem as formaturas militares da campanha anterior, com igual cumplicidade dos chefes de tais manifestações.
Daí que é uma armadilha tentar atacar Jair Bolsonaro naquele que ele faz o ponto forte da sua campanha e é para ele que a perfídia deste homem enganador e traiçoeiro tenta atrair o que se opõem, repugnados, a esta utilização da ideia de Deus como “cabo eleitoral”.
Os dois últimos episódios, envolvendo a exploração de fotos da mulher de Lula e esta história do tal almoço de Michelle Bolsonaro com a mulher do ex-ator Guilherme de Pádua têm para mim o mesmo cheiro de armação que, dias atrás, era possível sentir na história do “hacker de Araraquara”.
São factoides para desviar o foco do desastre em que está mergulhado o país, a brutalidade de um projeto baseado na guerra (e não só religiosa), no armamentismo, na morte (será que esquecemos da pandemia e que nela, pelo que diz Bolsonaro, o absurdo foi pausar o comércio e não os 680 mil mortos, “que iam mesmo morrer um dia?).
E, embora as explorações religiosas possam estar produzindo um efeito negativo a Lula – volta e meia a gente encontra alguém levado pelas mentiras (“Mas o Lula não vai fechar as igrejas?”) – isso não é sólido e será, em grande parte, dissolvido pela informação e, sobretudo, pelo contraste entre este tipo de mistificação e a realidade que todos puderam viver nos anos dos governos petistas.
Exploração de sentimentos religiosos não são novidade da história política. Podem ser decisivas em golpes, como as “marchas com Deus pela Família” de 64, para simular maiorias, como faz agora Bolsonaro.
Só farão diferença se trocarmos o debate político por uma “pauta de costumes” que tem muito mais a ver com o processo de transformação do comportamento da sociedade do que com uma eleição presidencial.
Agora, se trocarmos a exploração de vitórias políticas como a carta pela democracia por “tretas” como aquelas, aí, sim, estaremos legitimando a deformação que Jair Bolsonaro trouxe de volta ao processo eleitoral.