Os sites reproduzem um vídeo – que não coloco aqui porque nem é coisa que deva circular, de tão brutal – de uma mulher que agride uma criança autista num elevador, em São Paulo.
Também noticiam que uma estilista – segundo dizem madrinha da moda punk – diz que os pobres comem demais.
E, igualmente, sai na imprensa que o secretário de Recursos Hídricos de São Paulo, Mauro Arce, dizer que a “culpa” dos paulistanos pobres é o de não terem caixas d”água ou não as terem capazes de armazenar água suficiente para atravessar os cortes no fornecimento.
Li as três matérias e fiquei pensando.
O menino agredido, de todos eles, é o menos autista, no sentido em que se entende, primariamente, o autismo: o do isolamento.
Porque, talvez – e nem é assim, se houver amor e carinho – certamente não é o menos capaz de se relacionar e entender as outras pessoas.
Porque só gente muito má é capaz de bater num indefeso, recomendar dieta a um faminto ou tripudiar com quem fica sem água para suas necessidades básicas.
Gente incapaz de entender o outro e que, aos problemas e vontades do outro, reage com agressividade e prepotência.
Impossível deixar de pensar, também, nos que vão fazer este protesto dos inconformados com o voto popular amanhã, em São Paulo.
Enxergam o povo brasileiro como o menino do elevador, como um traste, um inútil. Mesmo que ele esteja quieto, levando apenas sua mochilinha para a escola, em santa paz.
Odeiam porque não o entendem e não o amam como seu semelhante e o acham uma inutilidade.
Não importa que seja diferente, desde que reconheça no outro o mesmo que ele é, tão importante quanto ele é.
O garoto do elevador é tão importante quanto eu, até mais, porque o futuro depende mais dele do que de mim, agora.
Porque tudo o que eu possuo de recursos intelectuais e capacidade de pensar e agir só tem sentido se eu puder ser especial para ele.
Dar a ele o amor, o carinho, a proximidade, o entendimento que ele, por tantas razões, tem dificuldade em dar.
A elite brasileira, muito mais do que as crianças que nascem com este transtorno, é que se encaixa nas definições primárias de autismo, as de viver isolada em seu pequeno mundinho, insensível ao que se passa em torno dela.
As crianças, ah, elas são muito melhores: aprendem a conviver, a respeitar, a trocar, a aceitar.
Não só aprendem, mas ensinam a gente também.
Pessoalmente, posso garantir: eu aprendi muito.
PS: A fita da ilustração é símbolo mundial da conscientização em relação ao autismo, pelas peças diversas do quebra-cabeças, com cores e formas diferentes, mas que se encaixam
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Bravo!
Lindo texto, Fernando!
Não dá para entender porém deve ser qualquer coisa no cérebro.
A mulher desse o sarrafo na criança autista no elevador;
As mulheres do Sul resolvem sair de Eva correndo pela rua;
A Dentista cujo antepassado tem nome de rua em Curitiba, resolve dar uma de traficante e pistoleira no Paraná;
Pobre come demais e enche de cocô o Tietê;
Fazer passeata porque os brasileiros resolveram exercer seu livre direito de escolha eleitoral.
Vou fazer igual um candidato e aproveitar que hoje e sexta-feira e cheirar uma carreira de um metro.
Fiquei emocionado lendo este texto. Muito grato Fernando.
E' um blog diferenciado, este. Uma sintonia muito fina, espiritual mesmo.
Verdade! Ultimamente, só venho e publico comentários aqui e no blog do Eduardo Guimarães. É diferenciado, é sensível, trata de assuntos sérios com seriedade, mas com humanidade, visto que poderia usar umas palavras mais ousadas quando se refere a certas pessoas do nosso Brasil, mas não o faz. Mas a gente usa...hehe! Liberdade de expressão, certo? Só lembrando que meu direito acaba quando começa o direito do outro.
Tenho uma predileção pelos autistas e especiais. Sempre tive. Não quereria ver este vídeo...
Recomendo também o Blog do Paulo Henrique Amorim, o CONVERSAAFIADA.COM.BR
Muito bom, antenado e antecipa visões!
Conversa Afiada foi o primeiro blog que descobri. Sei que sou bem aquém de todo mundo que comenta nestes blogs sujos, mas percebi que 90% dos meus comentários nunca foram publicados. Então, pensei: ok, sem mais comentários. Mas leio. Não como aqui e o blog da Cidadania, mas leio.
Os nordestinos são, mesmo, os únicos normais nessa história.
Ótima reflexão!
Precisamos mesmo humanizar o debate.
Alteridade. Precisamos compreender melhor este conceito. É muito perigoso quando achamos que somos melhores do que o outro que está ao nosso lado. Não somos melhores nem piores. Somos iguais. Parabéns.
Um texto a ser reproduzido.
Com água nos olhos. Obrigado.
Assino embaixo. Também fiquei comovida. Parabéns, Fernando, pela sensibilidade e pelo texto!
O mundo está aí e as pessoas também, e' o mundo criado pelos homens, que dita as regras do que e' "normal"e as pessoas são arrastadas para essa normalidade, quando alguém não se encaixa na normalidade do mundo,passam ser olhadas como diferentes,aos pais existe uma grande possibilidade,de adentrar no mundo dos seus filhos e entender algo que o mundo não entendeu,com outra visão,porque se fosse tirado todos conceitos e preconceitos das pessoas veriam uma outra perspectiva da vida então a violencia não seria uma banalidade, você liga a tv e' só crimes brigas,contamina as pessoas,e a bondade passa a ser coisa de outro mundo.
Parabéns Fernando.
Têm um filme iraniano dublado,no youtube chamado a cor do paraíso, eu recomendo,sobre um garoto deficiente visual,que vê o mundo vide,sua própria visão interna.
A agressão à criança é um ato de extrema covardia, a frase "os pobres comem demais" é prima de outro preconceito "minha empregada come demais" e culpar aqueles que não possuem caixa d'água é colocar a culpa na vítima!
Se a caixa d'água deveria estar em todas as casas, porque os projetos foram aprovados e a residência teve "habite-se"?
Mas no fundo, o correto seria cobrar da SABESP. É dela a responsabilidade de manter o abastecimento. Ela deve cumprir o contrato pelo qual ela recebe e recebe muito bem.
Mas o que se vê são manifestações do tipo "bem feito, quem mandou não ter caixa d'água", "a culpa é de quem lava a calçada", "a culpa é de quem molha o jardim", a "culpa é do desmatamento" e por ai vai.
A culpa é do fornecedor e de quem o controla!
Infelizmente, o fornecimento de água não é como a assinatura de uma linha telefônica, de serviço de internet ou de linha de TV a cabo, situações em que o cliente pode trocar de operadora no caso de serviço ruim. Água e Luz não permitem a escolha de "provedor" e tampouco negociação de preço!
A SABESP e o Governo do Estado são os responsáveis pelo descalabro! Por contrato! Cumpra-se o contrato e indenize-se os prejudicados!
Mais uma vez, Fernando, você escreveu com sentimento, com alma. Concordo inteiramente com você: autista é a elite brasileira. Nunca havia pensado nisso; essa é a grande verdade.