Quando tive de criar uma frase para encabeçar este blog, a escolha, naturalmente, veio sobre aquilo que considero ser a chave do exercício progressista, do desejo e dos meios de mudar a realidade da vida social.
A política, sem polêmica, é a arma da direita.
Pois são justamente os conservadores, que dominam o dinheiro e as máquinas de comunicação – leia-se aí as “máquinas de fazer a cabeça das pessoas” – que fazem proclamar as “verdades absolutas”, as “razões óbvias”, os “comportamentos adequados”.
Tudo que mantenha o status quo, como se a evolução humana estivesse aí garantida por um futuro onde a “eficiência” e a “competência” trarão justiça para todos. Ou, ao menos, é o que dizem.
Dizem, aliás, há séculos.
Temos, há dez anos – e finalmente – um governo popular e progressista em nosso país.
Fez – e faz – uma imensa diferença isso: é só olhar para trás e ver que já fomos o país do desemprego, da falta de programas sociais, da submissão colonial inquestionada, da falta de liberdade, dos sarney, dos collor, dos fernando henrique, o Brasil que as elites fizeram e que nós desejamos ardentemente mudar, muitos até ao preço de nossas vidas.
E mudamos, sim. Muito.
Mas também nós mudamos.
Costumamos achar que nossa moderação, nossa prudência, nossa capacidade de construir alianças e administrar bem são a definição de nossa superioridade àqueles tempos e que isso é visível a qualquer um.
Nós – cinquentões, sessentões e também os mais jovens que convivem muito de perto com nossos pensamentos e lembranças – podemos olhar para trás e ver muito bem essa imensa diferença, a mudança que representamos, coletivamente, na face do nosso país.
Mas será que estamos fazendo que os mais jovens – e por isso mais importantes do que nós mesmos – o vejam? Será que, embora eficiente para uma ou duas gerações, o passado basta para nos legitimar?
Ontem fui olhar de perto a manifestação no centro do Rio. Contava-se a dedo os que tinham mais de 30 anos. Eram garotos e garotas, guris como eu era nos anos 70. A grande maioria de classe média, sim, como também eram os que nos arriscávamos em passeatas e protestos pela volta da democracia.
Lembrei-me de meus desentendimentos com meu filho, então adolescente. Do nosso inconformismo mútuo em sermos tão parecidos e inquietos.
O que nos faz permanecer unidos hoje, porém, era exatamente o que nos afastava, então.
Claro que não tenho idade para ser ingênuo e ver que as forças do atraso querem fazer deles a cabeça de um aríete contra o governo de esquerda que os donos do poder real – o da grana – têm nesse país.
Mas será que confiamos que eles são lúcidos o suficiente para não servirem a isso?
Não é o que, muitas vezes, demonstramos.
Por que não podemos querer que lhes baste, às reivindicações que fazem – iguais às que nós fazíamos – uma confiança no que somos e fomos ao longo de nossas já longas vidas.
Não, muitos deles já não nos vêem valentes, falantes, inconformados, abertos.
Portamo-nos como se soubéssemos tudo, como se nossas palavras fossem “verdades absolutas”, as “razões óbvias”, os “comportamentos adequados” que, embora diferentes no conteúdo, na forma se assemelham a tudo o que de opressão recusamos, antes e agora.
Deixamos de praticar, corajosamente, a polêmica.
Se perdemos a capacidade de polemizar, de discutir idéias, de mostrar acertos pela confrontação com o erro, de admitirmos que, muitas vezes, somos insuficientes e nunca, nunca mesmo somos conformados, como querer que se identifiquem com o que somos e com o que pensamos, embora tudo seja muito semelhante?
Não, um governo e um governante não podem, todo o tempo, ser olímpicos mais. Como não pode, na vida familiar, sobreviver um paternalismo, mesmo bem intencionado e amoroso, que não se confunda com proximidade, debate, tolerância e companheirismo.
Não, o mundo de hoje não suporta o “fica quieto que eu sei fazer a coisa do jeito certo”.
Uma vez meu filho, diante de uma dessas minhas “eu sei o que estou fazendo”, me respondeu: “pai, eu sei que você é o fodão, mas eu sou o fodinha”. Estava coberto de razão, e eu de pretensão.
Perdoem-me os jovens, mas se não falasse como mais velho, não estaria sendo verdadeiro, mas apenas mais um dos que acham que acham vocês incapazes de raciocinar e a quem as coisas devem ser ditas como lições. E perdoem, também, porque é menos a vocês e mais a nós mesmos que falo.
Nós é que temos de ser dignos de vocês, não vocês gratos a nós. Não é necessário ser grato a quem nos ama e nos respeita. Basta corresponder a isso.
Basta se conservar jovem, embora o tempo queira nos transformar em velhos.
E, assim, possamos dizer a eles não “xô!” mas “bem-vindos à rua, à luta, à busca do novo”.
Não por sermos generosos, como devemos ser.
Mas porque eles são indispensáveis e serão melhores do que nós, porque somos apenas um degrau de sua escalada.
E eles, a lança aguda de nossos sonhos.
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Estava muito preocupado com tudo isso que está acontecendo. Será que não estamos enxergando tudo o que tivemos de conquistas nos últimos anos? Será que essa "gurizada" não vai se deixar levar pelo entusiasmo e acabar sendo envolvida pela direitona camuflada com pele de ovelha? Mas esse texto me representou. Isso é democracia e os jovens são nosso futuro e estão acordados.
Ruas, poder e juventude, por Fernando Brito. Excelente texto!
"A política, sem polêmica, é a arma da direita."
O texto de Fernando Brito faz uma reflexão consciente do momento que estamos vivendo. Também vejo grandes conquistas sociais nos últimos anos. No entanto, se em algum instante de nossa juventude fomos às ruas em busca de abertura democrática, nossos filhos, agora, empunham as bandeiras da moralidade pública, do uso adequado do dinheiro que é de todos! À eles agora devemos nos juntar, na esperança de conquistarmos um futuro de mais dignidade.
Ahhhhhhh!
De alma lavada!
Há quanto tempo não tinha o prazer de sentir o gás lacrimogêneo nos olhos na boca...
Há quanto tempo não estava na linha de frente sentido o cheiro da pólvora e o fogo....
Há quanto tempo não segurava um bandeira vermelha e negra...
há quanto tempo o estrondo das bombas, os estampidos dos rojões, o som dos cavalos... não tocavam meu coração!
Há quanto tempo as ruas não sonhavam com os jovens rebeldes...
Há quanto tempo as ruas não eram jardins de guerras justas...
Há quanto tempo a liberdade não campeava solta entre os burocratas...
Há quanto tempo meu sangue não vibrava e meus olhos não brilhavam...
A luta ainda está lá fora... é o nascedouro de um novo tempo!
E o político burocrata pergunta: Quem são vocês?
Nós somos a voz do silêncio que ruge pelo fim de uma era...
Nós somos a latência das ruas e dos indignados...
Nós somos outro lado da rua... que se rebela!
Nós somos a pedra e o fogo... que são eternos!
Nós seremos os algozes dos capitalistas e dos corruptos!
Nós somos o povo estuprado que quer o sangue de vocês!
Nós somos a última luz da liberdade a cavalgar pelas ruas!
Porto Alegre - 17 de agosto.
Assis Aymone
Sandra, não creio que seja uma questão de descobrir algo novo. Todo mundo sabe que a soberba é feia, e todavia aqui está você a praticando. É mais uma questão de como contornar nossas falhas, entender a passagem do tempo, a passagem de bastão. Muitas vezes eu bati boca com meu pai, e apesar de ouvir esse "fica quieto", foi com ele mesmo que eu aprendi a nunca me calar.
Ps: Pai, agora eu sou o fodão! hahahaha
Sandra, isso era mandamento para meus tataravós, ordem para meus avós, tentativa para os meus pais e argumento inútil para o meu filho. Hoje, felizmente, é apenas o que é: uma barbaridade. O mundo, ao longo da história, aceitou a tirania geracional e muita gente foi infeliz por isso: carreiras indesejadas, casamentos idem, vidas anuladas, opressões de toda sorte. Ainda bem que boa parte já não suporta mais. PS. Acho que a pólvora tem de ser descoberta toda hora, senão a gente esquece como se descobre. Valeu, obrigado
Excelente. Pensava desta forma e não conseguie expressar "pros muleques" de casa.
ppinho, dá uma olhada nas paginas do PT, o partido está em intensa mobilização para convocar uma Constituinte já.!
#VerásQueUmFilhoTeuNãoFogeALuta