Em 2010, quando uma comissão do Congresso americano investigava a razão das agências de classificação de risco terem mentido sobre a solidez de bancos e empresas quebrados durante a crise de 2008, Mark Froeba, ex-diretor da Moody’s explicou o que acontecia:
“Quando entrei na Moody’s, no fim de 1997, o pior temor de um analista era contribuir para uma classificação falsa, causar danos à reputação da exatidão da Moody’s e perder o emprego”
“Quando saí da Moody’s (em 2008), o pior temor de um analista era fazer algo que colocasse em perigo a participação no mercado da Moody’s, de causar dano a seu negócio e deteriorar as relações da agência com seus clientes”.
A Moody’s fala o que os ouvidos do “mercado” querem ouvir, ponto.
Nada diferente do que fazem a Standard & Poor’s ou a Fitch, suas gêmeas.
E o que o mercado quer, neste momento, em relação à Petrobras é destruir sua capacidade de reter, sob controle nacional, uma reserva de petróleo que, com o pré-sal, passou a ser relevante no mundo.
É o que mostra, com a clareza de sempre, Mauro Santayanna, com a sabedoria de quem viu isso acontecer muitas vezes.
E todas elas, como será esta, sem sucesso.
A “nota” da Petrobras e a “nota” da Moody’s
Mauro Santayanna
A agência de classificação de “risco” Moody´s acaba de rebaixar a nota de crédito da Petrobras de Baa2 para Ba2, fazendo com que ela passe de “grau de investimento” para “grau especulativo”.
Com sede nos Estados Unidos, o país mais endividado do mundo, de quem o Brasil é, atualmente, o quarto maior credor individual externo, a Moody´s é daquelas estruturas criadas para vender ao público a ilusão de que a Europa e os EUA ainda são o centro do mundo, e o capitalismo um modelo perfeito para o desenvolvimento econômico e social da espécie, que distribui, do centro para a “periferia”, formada por estados ineptos e atrasados, recomendações e “notas” essenciais para a solução de seus problemas e a caminhada humana rumo ao futuro.
O que faz a Petrobras ?
Produz conhecimento, combustíveis, plásticos, produtos químicos, e, indiretamente, gigantescos navios de carga, plataformas de petróleo, robôs e equipamentos submarinos, gasodutos e refinarias.
De que vive a Moody´s?
Basicamente, de “trouxas” e de conversa fiada, assim como suas congêneres ocidentais, que produzem, a exemplo dela, monumentais burradas, quando seus “criteriosos” conselhos seriam mais necessários.
Conversa fiada que primou pela ausência, por exemplo, quando, às vésperas da Crise do Subprime, que quase quebrou o mundo em 2008, devido à fragilidade, imprevisão e irresponsabilidade especulativa do mercado financeiro dos EUA, a Moody,s, e outras agências de classificação de “risco” ocidentais, longe de alertar para o que estava acontecendo, atribuíram “grau de investimento”, um dos mais altos que existem, ao Lehman Brothers, pouco antes que esse banco pedisse concordata.
Conversa fiada que também primou pela incompetência e imprevisibilidade, quando, às vésperas da falência da Islândia – no bojo da profunda crise europeia, que, como se vê pela Grécia, parece não ter fim – alguns bancos islandeses chegaram a receber da Moody´s oTriple A, o mais alto patamar de avaliação, também poucos dias antes de quebrar.
Afinal, as agências de classificação europeias e norte-americanas, agem, antes de tudo, com solidariedade de “classe”. Quando se trata de empresas e nações “ocidentais”, e teoricamente desenvolvidas – apesar de apresentarem indicadores macro-econômicos piores do que muitos países do antigo Terceiro Mundo – as agências “erram” em suas previsões e só vêem a catástrofe quando as circunstâncias, se impõem, inapelavelmente, seguindo depois o seu caminho na maior cara dura, como se nada tivesse acontecido.
Quando se trata, no entanto, de países e empresas de nações emergentes, com indicadores econômicos como um crescimento de 400% do PIB, em dólares, em cerca de 12 anos, reservas monetárias de centenas de bilhões de dólares, e uma dívida pública líquida de menos de 35%, como o Brasil, o relho desce sem dó, principalmente quando se trata de um esforço coordenado, com outros tipos de abutres, como o Wall Street Journal, e o Financial Times, para desqualificar a nação que estiver ocupando o lugar da “bola da vez”.
Não é por outra razão que vários países e instituições multilaterais, como o BRICS, já discutem a criação de suas próprias agências de classificação de risco.
Não apenas porque estão cansados de ser constantemente caluniados, sabotados e chantageados por “analistas” de aluguel – como, aliás, também ocorre dentro de certos países, como o Brasil – mas também porque não se pode, absolutamente, confiar em suas informações.
Se houvesse uma agência de classificação de risco para as agências de “classificação” de risco ocidentais, razoavelmente isenta – caso isso fosse possível no ambiente de podridão especulativa e manipuladora dos “mercados” – a nota da Moody´s, e de outras agências semelhantes deveria se situar, se isso fosse permitido pelas Leis da Termodinâmica, abaixo do zero absoluto.
Em um mundo normal, nenhum investidor acreditaria mais na Moody´s, ou investiria um centem suas ações, para deixar de apostar e aplicar seu dinheiro em uma empresa da economia real, que, com quase três milhões de barris por dia, é a maior produtora de petróleo do mundo, entre as petrolíferas de capital aberto, produz bilhões de metros cúbicos de gás e de etanol por ano, é a mais premiada empresa do planeta – receberá no mês que vem mais um “oscar” do Petróleo da OTC – Offshore Technologies Conferences – em tecnologia de exploração em águas profundas, emprega quase 90.000 pessoas em 17 países, e lucrou mais de 10 bilhões de dólares em 2013, por causa da opinião de um bando de espertalhões influenciados e teleguiados por interesses que vão dos governos dos países em que estão sediados aos de “investidores” e especuladores que têm muito a ganhar sempre que a velha manada de analfabetos políticos acredita em suas “previsões”.
Neste mundo absurdo que vivemos, que não é o da China, por exemplo, que – do alto da segunda economia do mundo e de mais de 4 trilhões de dólares em ouro e reservas monetárias – está se lixando olimpicamente para as agências de “classificação” ocidentais, o rebaixamento da “nota” da Petrobras pela Moody´s, absolutamente aleatória do ponto de vista das condições de produção e mercado da empresa, adquire, infelizmente, a dimensão de um oráculo, e ocupa as primeiras páginas dos jornais.
E o pior é que, entre nós, de forma ridícula e patética, ainda tem gente que, por júbilo ou ignorância, festeja e comemora mais esse conto do vigário – destinado a enfraquecer a maior empresa do país – que não passa de um absurdo e premeditado esbulho.
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A epoca da primeira eleição do Lula, um amigo falou sobre o risco que iria correr com a eleição do proprio, estavamos em uma roda de amigos, respondi que a previsão era chula, ele encheu o peito e varios "brasileiros" inclusive pessoas mais proximas a ele, defendendo a previsão castatrofica que ele estava divulgando. Tempos depois a empresa dele faliu com a bolha imobiliária no USA. Reencontrei este grupo agora é que um jornalista inglês radicado em N.Y prevendo a queda da Dilma, respondi para desgosto deles: Será igual a previsão do Daniel que não previu que iria ficar desempregado tendo que retornar para Israel
Acorda Dilma ! Dá um chega prá lá no MercaFrias e no Zé das Couves , pegue a bandeira do nacionalismo e venha para o lado do povo brasileiro .
Pouca "gente" do tipo Moody's não está "dentro" do ataque interglobal que está acontecendo contra o Brasil. O Brasil quer ser independente e soberano, mas ao mesmo tempo quer continuar sendo um país ocidental, e isto parece cada vez mais impossível: Se quiser continuar a ser ocidental, terá que ser obrigatoriamente escravo e capacho dos Estados Unidos! É uma encruzilhada, um dilema! Um ultimatum! Estamos quase a ponto de ver os co-senhores financistas e todos os países escravos ocidentais enfileirados diante do nosso país com quanta artilharia puderem juntar para um ataque mortal. Esperam acabar com nossa política independente e avançar sobre o que tivernmos feito e acumulado durante o tempo em que estivemos mandando em nosso próprio nariz. São riquezas inclculáveis! E estes abutres irão mais além, nos tomando a própria Amazônia. A agressão do Economist inglês a um dos símbolos sagrados do Brasil, mostrando uma passista de escola de samba mergulhando na lama de um pântano, é de uma barbaridade inaceitável! Já pensaram com seria cruel se um grande e conservador jornal brasileiro mostrasse na capa uma ilustração com a rainha inglesa chafurdando na lama?
Brito,
saiu no 247 : 'Provas de Moro e Dallagnol não são suficientes para Janot". É o padrão 'veja" na justiça, primeiro condena para depois apurar, pior transfere para o acusado a responsabilidade de provar sua inocência, pois pelo que entendi a acusação está baseada no parecer da CGU que houve superfaturamento, o suficiente para a montagem da peça acusatória de outro crime que é o da lavagem de dinheiro. E se o resultado nas apurações da CGU não ratificar o crime inicial?
Estou com Santayanna e não abro.
Do país que espiona até presidentes, do Brasil a Alemanha, na maior cara de pau e que sabe-se imune a golpes, pois não possuí embaixada própria, em seu território, que significado tem essa agência de risco, que nem mais deveria existir depois do tsunami econômico de 2008, rebaixar o grau da Petrobras, no mesmo momento em que era realizada a primeira manifestação em defesa da rebaixada e que na mesma manhã tinha sido brindada com um editorial atacando-a, senão escancarar-se participe de combinado Brasil-USA, tentando torpedear no nascedouro a reação dos que não deixarão a Petrobrás ser conspurcada pelas patas sujas dessa turma de entreguistas e vampiros, nacionais e internacionais.
O único risco que corremos em relação às agências de risco é delas nos CAGAREM OS PÉS! Elas que continuem ROUBANDO do Povo Norte Americano. Os USA são hoje o País mais DESIGUAL DO MUNDO!
Por isso é que a minha mãe diz, " quem muito se abaixa, acaba mostrando os fundilhos" ... dá nisso ... está calada, apanhando mais que cachorro de rua ... uns ministros totalmente inoperantes ... onde foi parar a coragem quando a vida pede coragem ? acabou, e fica por isso mesmo ? Lamentável Dilma, quem te viu, quem te vê ...
Equação: analistas econômicos de aluguel = vagabunda(o)s de luxo
Aqui do Alto Xingu, os índios enviam comentário esclarecendo que as agências de risco não passam mais do que uma tecnologia de poder, cujo objetivo é forçar pessoas físícas/jurídicas e governos a se enquadrarem na cartilha dos mercados financeiros globalizados e desregulados.
O relacionamento capitalista assume a forma de uma mercadoria sui generis (título) que tem um preço: M (Título) – D``(juros). O capital torna-se uma mercadoria e o capital fictício é, então, ligado ao fetichismo, o processo de reificação das relações sociais capitalistas.
Questão crítica: as representações associadas à precificação dos títulos financeiros são componentes ativos da organização do poder capitalista. O grande segredo das finanças é que o processo de avaliação não tem de haver com alguma determinação competitiva apenas do preço do título, mas também toma parte ativa na reprodução das relações de poder capitalistas em seu modo específico de operação.
Eles impõem sobre os participantes do mercado um tipo particular de consciência e um certo comportamento estratégico específico. O processo de capitalização mercadoriza continuamente direitos sobre fluxos futuros de renda esperados, do mais-valor, da tributação ou dos salários.
Essa mercadorização significa que a luta de classes e seus resultados tornam-se quantificáveis, baseadas numa representação anterior da realidade desse modo de produção. Eventos sociais singulares são espontaneamente interpretados e então convertidos em sinais quantitativos (o preço das mercadorias, dos títulos)
Esses eventos, uma vez adequadamente definidos na linguagem dominante da finança, moldam a dimensão do risco. O valor de certo título financeiro – o valor do capital – não segue, mas, ao invés, precede o processo de produção.
Ele existe não porque o mais-valor (ou outro fluxo de renda) tenha sido produzido e realizado nos mercados correspondentes, mas porque os mercados financeiros estão, em certo grau, “confiantes” ou com a expectativa de que isso ocorrerá (uma primeira definição de risco).
A mercadorização fictícia M (mercadoria) – D (dinheiro) da relação de capital funda-se em estimativas sobre resultados futuros e pressupõe certa concepção de risco. O risco é um termo que domina a teoria convencional e as discussões heterodoxas sobre finanças, mas seu conteúdo analítico é vago e impreciso
A dimensão do risco é criada por representações fetichistas particulares dos resultados de eventos da competição e da luta de classe que ocorre nesse modo de produção.
Assim, a variância estatística do preço pode se tornar uma “auto-sugerida” medida do risco. Títulos com uma elevada variância de retornos esperados são considerados mais arriscados do que os com baixa variância. Essa linha de raciocínio tem uma consequência muito importante: tenta definir o risco em termos de uma base comum a todos os ativos financeiros.
Mas, essa fórmula não pode ser estendida a todas as categorias de risco e é insuficiente para a comensurabilidade entre diferentes riscos concretos. Em primeiro lugar, essa fórmula não é uma expressão da forma valor, vez que nenhum título expressa o valor do outro. Em segundo lugar, a antecipada variância não mensura o risco de uma forma universal. igualmente aceita por todos os participantes do mercado.
Essas estimativas não são “homogêneas” para todos os participantes e não podem sugerir como essas variâncias podem ser mensuradas sem uma base comum sem suposições simplistas ad hoc (como aquelas do Capital Asset Princing Model).
Pode-se oferecer muitas explicações diferentes sobre o processo da formação das expectativas, mas ao fim e ao cabo o resultado é o mesmo. Inescapavelmente, o risco não pode tornar-se comensurável numa base subjetiva. Quando falamos em preço dos títulos, a variância estatística (mesmo ao nível subjetivo) não pode ser usada como uma medida de riscos concretos.
O preço de cada título é baseado numa avaliação particular que sempre diz respeito a um amplo grupo de riscos. Nesse sentido, as fórmulas não podem ser estendidas mesmo potencialmente a risco “singular” ou a “subgrupos” de risco. Com essa limitação da possibilidade da comensurabilidade, a visão tradicional estabeleceu a variância como uma medida do risco “total”.
As agências de risco e as instituições financeiras tentam estimar as tendências futuras dos preços dos títulos coletando informações sobre os “fundamentos” econômicos. Ocorre que estes são determinados conforme seus modelos, informação definida em base estatística, em termos de probabilidades condicionais sobre o futuro.
Como diz adequadamente Luhmann, os cálculos financeiros pressupõem “uma adaptação à probabilidade”. Contudo, no contexto da análise convencional, os próprios fundamentos econômicos e os modelos já são imagens fetiches da realidade do modo de produção capitalista.
São eles conceitos ideológicos que envolvem certa representação das dinâmicas do capital, necessárias à reprodução da exploração capitalista. O processo de precificação é já baseado em representação equivocada da realidade capitalista (como complexa configuração de relações de poder).
Isso, não importa qual seja a “eficiência” dos mercados na disseminação da informação (incorporação de novas informações aos preços). Assim, entendemos o risco como a dimensão que contém eventos sociais potenciais futuros, junto com a probabilidade de sua realização.
Esses eventos são circunscritos e definidos sob as normas e a problemática da ideologia do modo de produção capitalista, em especial, com a financeirização global, dos mercados financeiros desregulados. Os agentes econômicos acreditam que dada “informação” da realidade capitalista constitui transparente interpretação desta realidade
Contudo, a vivência dos agentes, junto com a forma com que teorizam em seus modelos convencionais, é marcada pelos temas da ideologia vigente. Que ofereceria um certo conhecimento do mundo que faz com que os agentes “reconheçam-se” espontaneamente em papéis particulares.
Contudo, esse reconhecimento é ao mesmo tempo um equivoco sistêmico sobre a natureza de classe e de poder das economias capitalistas. Assim, o risco é um conjunto de todas as possíveis ideias, imagens e estimativas dos eventos futuros no contexto da ideologia desse modo de produção.
Risco é a forma com que os agentes capitalistas percebem o futuro de um ponto de vista ideológico. É a antecipação de tendências futuras (usualmente expressas em termos probabilísticos sob a base da mistificação fetichista da realidade capitalista). Podemos entender que, sem essa intermediação do risco, é absolutamente impossível à capitalização ocorrer.
A capitalização, como precificação, pressupõe um modo de representação, identificação e ordenação de certos eventos sociais da realidade percebida. Os eventos sociais dessa realidade percebida são primeiro “distinguidos” e, então objetivados como riscos. A capitalização só é possível se houver alguma especificação do risco, ou que eventos específicos sejam objetivados, avaliados como risco. Todo esse processo pode ser denominado como processo de adaptação à probabilidade.
Os mercados financeiros são territórios dentro dos quais os perfis de risco são realmente modelados e onde os mercados financeiros normalizam os participantes do mercado sobre a base do risco. Os mercados financeiros identificam, dispersam e distribuem risco aos participantes do mercado, os quais, embora estejam expostos ao risco, não estão, todos, sujeitos às mesmas categorias de risco (eventos concretos de risco).
Ao mesmo tempo, mesmo os que defrontam os mesmos riscos concretos não sofrem as mesmas possibilidades (estimadas) de realização do risco. A antecipação ideológica do futuro, quando descentralizada no caso de cada participante, assume o aspecto de uma formação de perfil-de-risco, que se traduz pelos eventos possíveis combinados com uma indicação necessária de sua probabilidade de realização.
Por isso, chamamos esse processo de “adaptação à probabilidade”, à qual a precificação financeira está necessariamente associada. Cada participante é distinguido tanto pelos riscos concretos que corre como pela probabilidade de risco a que está exposto. O risco concreto é acessível apenas na medida em que é distribuído diferencialmente na população do mercado porque sua probabilidade de realização não é a mesma para todos os indivíduos a ele associados.
Essa formação de perfil-de-risco (bem irrelevante à eficiência informacional do mercado) normaliza por meio de uma específica individualização. Baseia-se na suposição simplista segundo a qual todos os indivíduos que compõem uma população estão em pé-de-igualdade, no sentido de que cada pessoa jurídica/física é um fator de risco e cada uma está exposta ao risco.
Não significa que todas causem ou sofram os mesmos riscos concretos ou que estão expostas à mesma probabilidade desses riscos concretos. Ao atribuir perfis-de-risco aos participantes, as agências de risco e os mercados financeiros distinguem um de outro e assim os individualizam em termos de risco. Mas a individualidade conferida não se correlaciona mais com uma “norma abstrata, invariante”. Pelo contrário, é uma individualidade relativa à dos outros membros da população no mercado.
Os participantes estão associados, em primeiro lugar, a diferentes relações de poder social. É evidente que encontramos aqui uma “população” de mercado complexa, resultante de uma variedade de relações sociais de poder. Certamente, essas relações não são capazes, por si mesmas, de garantirem a ordem e a organização.
Assim, para isso, a organização da finança moderna pode ser abordada como uma tecnologia de poder que conta com três elementos abstratos.
Então, essa população do mercado será “governada” ou “regulada” a não ser com o recurso a uma específica tecnologia de poder. Os três elementos abstratos dessa tecnologia de poder são:
1.Tem uma população heterogênea como seu alvo, que deve ser organizada efetivamente para assegurar as relações de poder. A governabilidade da população e as disciplinas não existem no mesmo nível. A governabilidade não exclui relações de poder multifacetadas, mas, ao invés, está aliada a elas, integrando-as e modificando-as em certa medida. E, acima de tudo, a governabilidade usa essas relações de poder “infiltrando-as” e envolvendo-as;
2.A governabilidade lida com fenomeno coletivo, com seus efeitos econômicos e políticos, pertinentes apenas ao nível das massas; e
3. Os fenômenos coletivos são captados estatisticamente, ponto mais importante da governabilidade de uma população (resultado do item acima). Segundo Foucault, as relações sociais de poder são definidas sobre a base de fins determinados que configuram uma situação “normal”. Qualquer desvio dela é automaticamente considerado como acontecimento anormal, que falhou em se conformar à norma.
A normalização disciplinar consiste, primeiro que tudo, em impor um modelo abstrato, construído em termos de certos resultados. E a operacionalização disciplinar consiste em fazer com que o povo, os movimentos sociais e as ações econômicas, políticas, etc., se conformem a esse modelo.
Será configurado como normal aquilo que precisamente se conforma à essa norma, e o anormal o que é incapaz de com ela conformar-se. Em outras palavras, não é o normal ou o anormal que é fundamental e primário na normalização disciplinar, mas a norma.
A distinção normal-anormal é resultado da norma, que é estabelecida para os fins de uma determinada relação de poder. Por exemplo, no caso da empresa capitalista, a regra geral é a competitividade e a maximização do mais-valor (autovalorização do capital). Temos um alvo claro e uma série de desvios dele, uma vez que nem todas as empresas conseguem o mesmo nível de lucratividade.
Lucratividade ou “eficiência” na exploração da força de trabalho e algumas delas podem até mesmo incorrer em inadimplência ou ir à falência. Essa normalização cruza, corta, o regulatório (dada distinção entre normal-anormal é vista como fenômeno coletivo que adquire forma estatística).
No caso dos mercados financeiros, esse é o tipo de normalização que individualiza sob a base do risco. Desvios são vistos como riscos potenciais e, do ponto de vista da finança, o risco é definido e distribuído de acordo com os diferentes participantes.
O tipo de normalização à base do risco coexiste com o tipo da que é pertinente às relações de poder (econômico), mas em nível diferente. A primeira é baseada sobre e reforça a última, e a finança, então, pode ser vista como uma tecnologia regulatória de poder. Essa normalização se cruza com a normalização disciplinar, integra as relações sociais de poder e usam-nas para infiltrarem-nas em certa medida.
A financialização é, na verdade, uma tecnologia de poder, um tipo de “governabilidade” sobre mercados financeiros complexos. É superposta sobre as relações de poder econômico-político-social existentes (modela os diferentes participantes), para organizar seu funcionamento e reprodução. No contexto dos mercados financeiros, as relações de poder não são transparentes aos olhos. “A “norma” e a distinção entre “normal e anormal”, base da definição do risco, expressa a “verdade” como sentida pelos agentes econômicos.
É uma verdade que, contudo, constitui uma representação ideológica da realidade capitalista associada a um tipo particular de equívocos. A generalização da dimensão do risco e a respectiva normalização dos participantes já estão construídos sobre o fenômeno do fetichismo. A finança moderna (financialização) não diz respeito apenas à avaliação quantitativa intensiva e à coleta de informações.
O processo de avaliação efetuado pelos mercados financeiros não é neutro, mas fetichista em seu caráter. Isto é, modela uma particular representação sobre a base do risco que reforça e fortalece a implementação de tendências da essência do capital.
A financialização estende e refina a acumulação e também elabora o endividamento mútuo como um aspecto do trabalho à experiência vivida. É o modo como o capital dita suas relações sociais, com o risco não sendo um simples cálculo, de saber, mas um “convite” a uma forma de ser.
A financialização é um modo de perceber-representar a realidade do ponto-de-vista do risco, de modelar um tipo específico de ser que facilita a reprodução ampliada do capital social, processo que pressupõe alguma designação do risco, parte estrutural da representação efetuada pela esfera financeira.
A fim de “sustentar” a realidade capitalista, as agências de risco e os mercados financeiros pressupõem uma normalização particular sob a base do risco. Dentro desses mercados, os riscos estão dispersos e identificados como momentos necessários de uma representação específica.
Essa representação específica emana de e modela a “experiência vivida” dos participantes, remodelando e orientando suas estratégias. A “governabilidade” nos ajuda a entender como a financialização tem sido desenvolvida até aqui como uma tecnologia de poder que tem sido sobreposta sobre outras relações sociais de poder com o fito de organizá-las e reforçá-las em força/eficácia.
Esse risco depende em grande medida de sua capacidade de seguir, em um meio competitivo, estratégias de extração de mais-valor eficazes. Certamente, a norma visível ou a meta envolvida aqui não é a exploração capitalista como tal, mas seu resultado básico: a lucratividade.
Igualmente, um estado capitalista ou um tomador soberano adquire um perfil de risco que capta sua capacidade de organizar a hegemon capitalista. Esses riscos são definidos como distinções normais/anormais que são resultado de uma interpretação ideológica orgânica da realidade capitalista.
Por exemplo, o perfil de risco de um assalariado depende muito de seu enquadramento e docilidade face à realidade das relações trabalhistas. Parece razoável argumentar que a normalização à base do risco não impõe papéis disciplinares, mas, ao invés, testa e reforça o cumprimento deles.
Dessa forma, a normalização à base dos risco é inerente ao funcionamento dos mercados financeiros e significa uma tecnologia específica de poder imposta aos seus participantes para organizar as relações sociais de poder vigentes.
O objetivo dessa normalização e dessa tecnologia específica de poder é tornar mais eficientes e focadas essas relações sociais de poder. O participante capturado no mundo do risco, “preso” em práticas sociais que individualiza seu perfil de risco, tem duas coisas a fazer.
De um lado, dado o perfil de risco, deve ser feito o seguro adequado ou o hedging do risco, ou buscando a eficiência para atingir metas particulares (cumprir as normas definidas pelas relações do poder social). Tomados em conjunto, esses dois momentos oferecem as linhas gerais para uma complexa tecnologia de poder.
A última envolve conjunto de diferentes instituições sociais, reflexões, discursos analíticos e táticas. Os agentes envolvidos são bancos com sofisticados departamentos de pesquisa, hedge funds, agências de rating, mídia, e institutos de pesquisa.
O cálculo de risco (e dos preços dos títulos) não implica apenas o “poder” sobre o futuro (hedging) mas, o que é importante, o controle sobre o presente. Vincular um perfil de risco a um agente significa avaliar sua docilidade dentro de um mundo complexo que é regido por relações de poder.
O cálculo do risco é a avaliação sistêmica da eficiência com que cada participante vem atingindo as normas dadas pelas relações de poder social. Cada um vive o risco como sua realidade e torna-se preso desse esforço perpétuo de melhorá-lo como um competente tomador de risco. Nesse sentido, cada participante busca se conformar ao que é exigido pelas “leis” do modo de produção capitalista.
O central não é a “correção” das avaliações, mas sua existência baseada em critério de interpretação particular em linha com a ideologia dominante. A financialização como forma de governabilidade sobre os mercados é incompleta na ausência da comensurabilidade entre diferentes riscos, daí porque os derivativos (financeiros) são necessários à finança moderna como resposta efetiva ao problema do risco de comensurabilidade. Eles são como que o coração da organização contemporânea do circuito do capital.
Para Veblen e Keynes, todos esses novos desenvolvimentos pareceriam como uma desvinculação adicional da produção capitalista, como novas formas de asseguração de lucros em benefício do proprietário absenteísta e das instituições que garantem essa dominância.
Wigan argumenta que os derivativos implementam “um segundo nível de abstração da subjacente” condição industrial, impulsionariam a abstração adicional da propriedade de sua base econômica real e dariam a ela um verdadeiro caráter universal. Seriam uma forma fácil de ganhar dinheiro em relação ao investimento produtivo nas instalações capitalistas.
Assim, os derivativos teriam ajudado a postergar a crise por meio da adição de combustível ao surto especulativo, mas tornaram a crise pior. Sob essas formas, os derivativos são entendidos como uma forma de afastamento adicional da produção capitalista. E, uma vez que esta é um processo de exploração da força de trabalho, essas abordagens implicitamente chegam a um ponto comum.