116 anos atrás, o Rio de Janeiro viveu a “Revolta da Vacina”, quando o sanitarista Oswaldo Cruz – o que dá nome à Fiocruz – convenceu o presidente Rodrigues Alves a propor uma lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola que matou – até ser erradicada, nos anos 70 – cerca de 300 milhões de pessoas e a minha geração ainda guarda na memória os rostos que viu deformados por esta doença nos que conseguiam escapar.
Agora, porém, enquanto estamos na esperança de alcançarmos uma vacina que nos livre do novo coronavírus, o senhor Jair Bolsonaro, do alto da presidência da República que ocupa, que não haverá, se o imunizante for obtido, vacinação obrigatória porque, segundo a mensagem da Secretaria de Comunicação da Presidência, “o governo do Brasil preza pela liberdade dos brasileiros”.
Está nisso a doença do egoísmo que rege o “eu faço só o que quero” como se isso fosse o retrato da democracia e da liberdade.
Então, se eu quero desdenhar da vacina e correr o risco de me infectar, tenho este direito: afinal, a vida é minha.
Mas a dos outros não é. Cada pessoa doente é um foco de infecção de outras, que veem violada a sua liberdade de viver com saúde.
Saúde não é direito individual, apenas, é coletivo e ninguém tem, pelas nossas leis, de expor a vida alheia a risco.
A “liberdade” a que se referem, portanto, no caso de obtermos uma vacina segura e sem efeitos colaterais notáveis, é a liberdade de matar, exatamente como reivindicam quando querem o direito de portar armas que são, até, menos perigosas, porque só matarão, em geral, por um ato deliberado, ao contrário do novo coronavírus, que contamina de forma inconsciente, até pela falta de sintomas.
É obvio que nenhum infectologista espera que as pessoas sejam conduzidas pela polícia aos postos de vacinação, quando estes existirem. O mais provável, aliás, é que as vacinas sejam oferecidas em número menor do que as pessoas que desejem se imunizar.
Mas, progressivamente, o Estado terá de exercer o seu poder para levar maioria a vacinar-se como, aliás, já ocorre, quando se condiciona o recebimento de benefícios sociais à vacinação de crianças. Não é nenhum absurdo, porque há vacinas que são condição que são sine qua non até para ingressar em países, como é o caso da vacina contra a febre amarela, sem que nunca isso tenha serviço para dizer que países são ditatoriais e autoritários.
Bolsonaro, porém, avança no sentido de propagar as teorias da conspiração que são caras aos grupos fundamentalistas.
Porque Bolsnaro é um deles, por mais que se queira normalizá-lo.