Se é guerra, porque não se ganha nunca?

Corre hoje no Facebook uma intensa discussão – boa parte entre jornalistas – sobre a capa do jornal Extra, que anuncia a “guerra” que vive o Rio e aponta “843 territórios” que teriam sido “perdidos para o crime”.

Embora a questão seja relevante, não é absolutamente novidade.

É como guerra que a questão é tratada não agora, mas há muitos e muitos anos.

Anos? Décadas ou mais de século até.

O crime e o império que ele exerce em muitas regiões da cidade – e o medo que em toda ela espalha – tem raízes profundas que as “capinas” executadas pelas operações policiais ou militares não vão extirpar.

Aos que acham que exagero, peço que recordem a origem do nome favela – o morro onde foram amontoados os veteranos da campanha de Canudos – e, até antes disso, busquem no mapa da cidade uma encosta que leva o no me de Serra dos Pretos Forros, para onde subiram para morar os escravos libertos do Segundo Império.

Guerra e gueto são as palavras que dão boa ideia do que acontece aqui – e vai acontecer em toda parte, se é que já não está acontecendo – porque existem, a cada hora em maior ou menor escala, dependendo da crise ou da afluência econômica o talhe divisório entre o Brasil moderno e relativamente rico e o Brasil dos miseráveis, dos excluídos.

Existe uma divisão entre os “brasis” que ora é membrana,permeável, ora é parede.

Ela, como o muro de uma fronteira, é controlada pelo poder e o poder, para isso, se exerce pela polícia ou, por vezes, pelas Forças Armadas.

Mas, para que esse controle se exerça, é preciso que haja um “governo” nestes territórios excluídos, que imponha sua ordem interna e faça a drenagem de recursos – a “caixinha” – que sustente a “polícia de fronteiras”.

Ao leitor que volte a achar que eu exagero, proponho que lembre, como , há 40, 50, 60 anos atrás, era o poder do “bicho”, volta e meia com seus caixotes quebrados a pontapés e sua promiscuidade com a polícia.

Não há nada de novo sob o sol, exceto o tamanho – ou o calibre – desta história.

Nem mesmo a “tática” de enfrentar esta situação pela via das armas, exclusivamente.

Não acho que o papel da imprensa, nisso, seja o de “vigiar” se os direitos humanos são respeitados nestas operações, apenas.

Certamente é um deles.

Mas é também o de fugir do alinhamento automático com mais uma guerra e, como tantas, nunca termina e tem sempre um degrau mais brutal, se me perdoam o eco.

Temos consciência de que o discurso de guerra, quando desvirtuado, serve para encobrir a truculência da polícia que atira primeiro e pergunta depois. Mas defendemos a guerra baseada na inteligência, no combate à corrupção policial, e que tenha como alvo não a população civil, mas o poder econômico das máfias e de todas as suas articulações, diz o editorial do jornal, para explicar-se.

Francamente, como seria um discurso de guerra “virtuoso”? Bombardeios cirúrgicos? Pretender que o jovem recruta, de fuzil 7.65 não se assuste com um movimento  brusco numa viela não dispare e mate uma criança que passou correndo? Crucificá-lo, por fazer o que lhe mandaram fazer, um assalto a “posições inimigas”?

Quem será o general ou jornalista que defenderá este pobre infeliz que, numa reação instintiva, pratique um ato assim, enquanto aquele que o mandou lá com armamento embalado e ordens vagas  fica impune?

Claro que se exigem providencias policiais, até, eventualmente, com suporte militar. Rotas de armas, de drogas, paióis podem e devem ser enfrentados com todo o apoio que ações militares possam dar, para minimizar danos a pessoas.

Mas atribuir às Forças Armadas o papel de p0nta de lança de uma “guerra” de antemão perdida é colocar uma instituição essencial ao país no papel de “alegoria e adereço” de um desfile hipócrita.

Fernando Brito:

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  • Proibir o consumo de drogas é de uma imbecilidade atroz. Além de moralismo fascista e autoritarismo sem tamanho do poder institucional. Ninguém tem o direito de decidir pelas pessoas no uso da sua individualidade ou do que lhe é privativo. Vamos acabar com a legislação sobre as drogas. E, por baixo, mais de cinquenta por cento dos crimes cometidos no Brasil vão para o espaço.

  • O caos em meio ao caos político é ótimo negócio para os organizações propagandistas do golpe. O presente que continua sendo dado.
    Assim, esconde-se todas as mazelas perpetradas e perpetuadas pelos seus aliados dentro e fora do estado de longa data. Escondem-se as omissões, as oportunidades jogadas no lixo.
    Manter a população com medo e em estado irracional é essencial.

  • Porque o Ministério Público, os Direitos Humanos etc não deixam a polícia se juntar ao exército e agirem como que em guerra, pegando todo e qualquer traficante, assaltante, estuprador ou homicida fichado e mandando pra onde deve ser mandado.

    • Isso é extensivo aos consumidores? Perguntei certa vez ao um taxista, no trajeto de Copacabana, como era esse dicotomia existente nas nossas cidades. Eles respondeu da melhor maneira possível: "Porque os brancos daqui de baixo vão acabar com a favela lá no morro? É de lá que vem a empregada doméstica, muitas vezes sem auxílio transporte, é lá que vão conseguir drogas, prostitutas, outros tipos de sexo, pedreiros, eletrecistas, faxineiros. Porque haveriam de acabar com a favela???". Não sei até hoje!!!

    • Porque você, Antônio, poderia ser mandado pra onde deve ser mandado.
      Você acha que bandido usa crachá?
      O que impediria os home de pegar você ou seu filho e mandar pra aquele lugar, pelo simples fato de vc estar na favela?
      No dos outros é refresco, né?

    • Ou é preguiçoso, ou, o mais provavel, é burro. E a intençao de votar no mitochondria é um FORTISSIMO indicio da segunda opçao.

  • Guerra é mais um negócio, num mundo capitalista neo-liberal.
    Muita gente forra o bolso.
    A droga é só o pretexto, como o é o terrorismo, o islamismo, já foi o comunismo, e por aí vai.

  • E nestas idas e vindas os helipópteros vão ficando esquecidos...e o contrabando de armas? Quem comanda? Duvido que seja algum bagrinho! Tudo com a complascência dos "extras" da vida!

  • Brasileiro como carioca quer que alguém resolva. Rio já era pra o carioca pobre. O resto é conversa de jornalistas.

  • Penso que o Estado tem grande importância neste combate ao crime. Não pretendo me estender muito, mesmo por que não me considero alguém com competência para definir muito sobre este ou qualquer assunto; mas o que me ocorre é uma conclusão simples, se não simplória, que posso expressar com algumas poucas perguntas as quais seriam: Por que não cria um modelo de escolas primárias bem estruturadas, de tempo integral, direcionadas à formação moral, religiosa que mude especificamente o caráter de uma geração que já nasce predestinada a seguir o crime? Mas acompanhada de outras atenções típicas de um estado que sente a questão e investe na direção de sua sua resolução tornando o problema na sua própria solução? Como disse, não quero por banca de alguém que detenha grande conhecimento nisto mas, considerando que o homem é, em sua personalidade, aquilo que seus pais lhe deram e o que pais criminosos podem dar? Sendo o Estado o responsável pelo que o seu povo é, fica fácil deduzir que reprimimos e combatemos crimes e criminosos que nós mesmos produzimos. Perdoem, aqueles que dedicarem alguma atenção a este pequeno parágrafo, a minha arrogante pretensão de opinar sobre assunto tão complexo. Mas somente quis, modestamente, cooperar nesta explanação de ideias que nós, pessoas comuns, podemos ter.

  • Darcir Ribeiro falou há 25 anos atrás que se não construíssemos escolas de qualidades como foram os Brizolões,seria o caos que estamos vivendo agora.

  • Fernando. O problema da violência no Brasil não é policial. É indiscutivel e exclusivamente social. Por que social? Porque os problemas sociais abrangem: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Educação, Saúde, Saneamento Básico, Locomoção et caterva. Todas estas Organizações Públicas fingem que são Republicanas. Fingir vem do latim "fingere" que quer dizer "imitação, ou seja, falsear o que é real. A Instituição Polícia-Militar é para atuar principalmente em problemas "policiais" e, ela também diuturnamente age como coadjuvante de todas as outras Instituições citadas acima e que fingem ser Republicanas. Empregar a PM ou exigir que a mesma atue em todos os problemas sociais, obrigatoriamente os resultados serão sempre imprevisíveis e de consequências inimagináveis. Ela, a PM, é a "Geni", personagem criado pelo genial compositor Chico Buarque, e que possuía também os predicados irresistíveis suficiente para vencer o poderoso conquistador que comandava seu invencível arsenal de guerra tendo como seu Quartel General o "Zepelim" brilhante. A Instituição Polícia-Militar é na realidade a "Geni". Ela é boa de apanhar. É boa de cuspir. E dá pra qualquer um. Mas é em todas e qualquer situações e problemas sociais em que as outras Instituições citadas acima sempre se mostram ineficientes ("fingir"), principalmente por "omissão", por motivos vários e inumeráveis, que Ela entra em ação para impor a "ordem e a segurança pública" tão desejada por todos nós.Aproveito para colocar o texto abaixo escrito faz tempo e que continua atual...:

    Exmo Srs Senadores da Comissão de Direitos Humanos ( CDH) e da Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ ):

    O meu respeito ao nosso Congresso Nacional.
    Todos os brasileiros estão aturdidos, incluindo as autoridades dos diversos níveis municipais, estaduais e federais. A nossa Imprensa (escrita,falada e televisada) estão oligopolizadas e funcionam perversamente como Meios de Enganação de Massa. Não têm um mínimo de respeito aos princípios do jornalismo como atividade profissional na busca da verdade e da pluralidade das opiniões. Ela tem o seu interesse pecuniário e partem para o vale-tudo: o lucro financeiro em primeiro lugar, custe o que custar. As causas e os motivos das violências generalizadas estão nas nossas caras e ninguém deseja enxergá-las. O óbvio está ululante. Durante anos o "descaso social" praticado contra as nossas crianças e juventude em todas as cidades brasileiras deixou um rastro perverso de todo tipo de mazelas e torpezas sociais recrudescentes e por isto mesmo esta violência é impossível de ser contida: nem com polícia, com forças armadas, com bomba atômica ou qualquer outro tipo de repressão . É sempre oportuno lembrarmos de uma verdade ensinada e pregada pelo nosso Frei Caneca, nos idos de 1820 em Pernambuco em que ele diz: ..'quem morre todo dia não tem medo da morte". As nossas crianças e juventude em todas as nossas cidades vêm experimentando estas mazelas torpes desde a sua concepção e morrendo moralmente e diariamente; e quando criam "musculatura" inevitavelmente dão azo aos piores instintos reprimidos durante todo o seu desenvolvimento físico, mental e psíquico sob diversas formas e principalmente através dos "vandalismos". Vandalismos estes que só serão erradicados através de políticas verdadeiramente sociais, as quais foram negadas e cultivadas durante muitas décadas. A solução é uma só. Qualquer outra é pura "demagogia" e tergiversações vergonhosas. As medidas sociais são as básicas, também ululantemente óbvias, e por isso mesmo têm o condão de produzir resultados imperceptíveis nos primeiros momentos, mas seus efeitos são permanentes e duradouros desde o começo. Aproveito esta oportunidade para transcrever o texto abaixo, escrito ano passado, dentre outros, que retrata a nossa realidade social, mas as Mídias insidiosamente declaratórias sempre procuram distorcer a nossa realidade social e infundir de maneira ignóbia a doutrina do medo e do terror e assim manter os seus privilégios de acusar, julgar e condenar os que discordam do seu poder absoluto. Hoje algumas delas que apoiaram inclusive logisticamente o Golpe Civil Militar de 64 estão pedindo desculpas na certeza de que a impunidade sempre vai lhe dar guarida e com o descaramento de afirmarem que ele foi uma “Dita-Branda”:

    A Instituição Polícia Militar e a Bendita “Geni...”.
    A Polícia Militar desde a sua criação como Guarda Real da Corte sempre foi "massa de manobras" politiqueiras dos "políticos", que sabedores do grande potencial institucional que Ela tem em todos os setores sociais da nossa sociedade e que nenhuma outra Instituição possui igual, descobriram que através de "manobras" sórdidas ordinâriamente obteriam ganhos nas "urnas" e de fato obtêm proporcionados por Ela a favor da maioria dos "governantes" sob os quais está subordinada. Esta realidade é absolutamente incontestável em toda a nossa história e principalmente na nossa República. Os exemplos são incontáveis dentre eles sobressaem: -sob o Comando do Capitão PM Miguel Costa da Força Pública de São Paulo e seu companheiro Luiz Carlos Prestes lideraram a famosa Coluna Prestes/Miguel Costa; na Revolução de 30;com Vargas, os brigadianos PM amarraram os seus cavalos no Obelisco da Av. Rio Branco, vitoriosamentes; a posse de JK, também Cel PM, foi garantida pela Polícia Militar Mineira com seus 40.000 PMs (vide livro do Ministro de JK Carlos Murilo, cujo título é "JK contra o golpe no Brasil", hoje nas livrarias); em 1961 e sob o Comando do Governador do R.Grande do Sul, Leonel Brizola, Ela deu apoio à chamada "Cadeia da Legalidade" frustando o "Golpe Constitucional" de triste memória.Outros fatos históricos poderiam ser citados às mãos cheias. Mas a maior constatação também inquestionável é a de que dentre todas as Instituições brasileiras a Polícia Militar é a única verdadeiramente Republicana. Todas as outras fingem ser republicanas. Qual é a Instituição que atende prontamente qualquer cidadão brasileiro nãio importando o lugar do país, ao mais desclassificado socialmente como um simples mendigo que nem imposto paga, ou alguém acometido de um "AVC" ou mesmo um mal-súbito de qualquer tipo, bastando solicitar uma "Rádio-Patrulha" por qualquer meio de comunicação, um simples aceno ou o número 190 de qualquer telefone, todos eles são atendidos prontamente por uma "Rádio-Patrulha da PM" com dois funcionários públicos uniformizados, armado, com o "poder de polícia", sem questionamento ou exigência alguma de qualquer espécie ou tipo? Outro exemplo também simples:- uma família que sai de carro pela estrada e se envolve em uma colisão com um ou vários veículos, de maneira trágica ou não e não importando o local e horário, é primeiramente na Polícia Militar (Rádio-Patrulha) que os envolvidos encontram imediatamente garantia de atendimento rápido com todos os registros nos BRTs, documentos com fé pública em todo o território brasileiro. As vítimas são imediatamente socorridas com uma simples solicitação de ambulâncias, caso necessário, pelos mesmos policiais-militares que assumiram a ocorrência citada. O brasileiro de um modo geral não encontra em nenhuma outra Instituição atendimento republicano tão pronta e rapidamente sem nenhuma despesa, desperdício de tempo, acesso imediato e sem exigência alguma de qualquer tipo, incluindo as financeiras e perdas de tempos preciosos. A Polícia Militar é a "Geni", personagem criado pelo genial compositor Chico Buarque de Holanda, cujo final dos versos da canção termina com a célebre frase, ovacionada : ..”Bendita Geni”, após Ela ter salvo o seu Povo definitivamente do domínio de um Conquistador poderoso e cruel que teve que se render aos poderes Dela.

    Coadjuvante.
    Os problemas sociais de qualquer Comunidade não podem e nem poderão ser resolvidos com "Polícia Militar" ou "Polícia" em qualquer lugar do Planeta.Ela é uma Instituição de preservação da ordem pública insubstituível em qualquer Sociedade. Quando ela é chamada a atuar em uma Comunidade tem que ser sòmente como "Coadjuvante" das outras Instiuições encarregadas de prestar os serviços básicos indispensáveis a qualquer Comunidade como:Saúde, Educação, Saneamento Básico, Moradia, Justiça, Segurança, Ministério Público etc. Fora desta realidade os desdobramentos serão imprevisíveis e incontroláveis para a preservação do equilíbrio social.

    P.S.:- O "Policial-militar fardado" é o único servidor público que em sua atividade operacional tem que exerces os três poderes da República simultâneamente: ao enfrentar uma ocorrência, não importando qual. Ele tem que legislar, julgar e executar os seus procedimentos num átimo. Se falhar será também uma vítima.

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