Hoje, discretamente, a Folha publica números sobre os gastos em educação no Brasil, em matéria de autoria de Gustavo Patú.
Debaixo de um títulos daquele modelo “esconde o bom e destaca o ruim” – “Gasto público em ensino atinge 6,6% do PIB, mas crise ameaça expansão” a informação, da qual a gente já tratou aqui, mas que vai surpreender muita gente:
“Após oito anos de expansão contínua, os gastos públicos brasileiros em educação atingiram uma proporção da renda nacional elevada para padrões mundiais.”
Há varias -e justas – ressalvas. A maior delas, também já comentada por este Tijolaço é que, sendo um país pobre, em valores absolutos esta parcela maior em percentagem acaba sendo menor em dinheiro. Mas é assim em tudo e temos de enfrentar, nesta área, muitas situações da “casa onde falta o pão”, em que todo mundo briga e ninguém tem razão. Ou, neste caso, todos a têm.
Existem muitos fatores trabalhando pela perda de nossa capacidade de aprendizado e – o que é paralelo – de convívio.
Ela não de dá fora dos dois outros dois “moldes” que conformam a sociedade: o “mercado” e as relação com os fatos sociais que, num quadro de massa assumido hoje pela coletividade, se dá essencialmente pelos meios de comunicação.
E ambos, no Brasil de hoje, trabalham pela brutalidade.
Dizer que o indivíduo se move pela percepção de valor que algo tem não é uma interpretação capitalista da natureza humana, a menos que se queira reduzir – o que nem o capitalismo conseguiu -a ideia de valor ao material ou monetário.
A escola foi reduzida, na compreensão de boa parte da sociedade, a algo próximo de um “fornecedor de educação” diante do qual, é claro, constrói-se então a relação de pais – e seus filhos, os alunos – a de consumidores que pagam – em mensalidades ou ou em impostos – e t~em o direito de serem tratados como “clientes”. Aliás, não é raro referirem-se, mesmo entre educadores, ao conjunto de alunos como “clientela”.
Perguntem a um professor de ensino médio que não seja dos mais “jeitosos” como é relacionar-se com uma turma.
E não é natural que isso aconteça? Afinal, se espera da escola que forneça – acima de tudo – requisitos para a ocupação hierárquica de postos no mercado, do diploma à habilidade de ser bem sucedido em seleções, concursos, etc…
Há uma estranha tradução deste pensamento – talvez involuntária – numa famosa música do Titãs:
Só quero saber/Do que pode dar certo/Não tenho tempo a perder
Todos os dias, há muitos anos, impinge-se- a ideia do sucesso pessoal, do egoísmo e da perda de identidade coletiva.
A organização da sociedade depende apenas da força, do poder e do dinheiro, tudo junto e misturado.
A própria “cultura” – num senso estritíssimo, reduzida à arte e ao espetáculo – é apenas uma forma de ganhar dinheiro e notoriedade.
Não haverá “pátria educadora” apenas com o necessário aumento dos recursos destinados às escolas e universidades, se cursá-las tem apenas um sentido comercial.
Não haverá pátria educadora e só habitaremos um país de selvagens, cada vez mais, enquanto a relação de comunicação – e de criação e projeção de valor – exercida pela mídia for um emburrecedor coletivo.
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Fernando,
seria interessante comparar com o antes, por exemplo de 89 a 2002.
As familias não cultivam valores decentes,não tem o que transmitir.Professores vem da mesma sociedade."Todos" estamos emburrecidos pela TV e pela falta de valores decentes.
Ouco ate da classe universitária "gostei que nasceu menino pois eh mais barato"
Fernando,
fico chocado ao constatar, que embora alguns alunos apresentem bons conhecimentos específicos, em algumas áreas, nenhum deles é capaz de conecta-las de forma a entenderem o mundo em que vivem!
Acho que esse é o maior problema, e fico imaginando se seria o caso de voltarem as aulas de Filosofia nas escolas, não sei se resolveria mas certamente ajudaria muito.
Nós temos um problema na educação.
Acrescentamos uma disciplina ao currículo.
Agora temos dois problemas na educação.
Falando sério: eu sou favorável ao ensino de filosofia DESDE QUE tenhamos um bom ensino de português, matemática e ciências.
Infelizmente os recursos são escassos, não podemos pulverizá-los. Infelizmente.
Teve uma epoca, que professores e isso
eu sou testemunho, ganhava um salario minimo e recebia meio,era obrigado a assinar....no interior da Bahia era DITADURA,a mídia nunca soube.....
A música dos titãs que eu gosto mais diz assim:"devia ter amado mais,ter chorado mais...ter visto.... o sol se por" epitáfio.
Então vou completar: devia ter sido sincero mais,ter sido verdadeiro mais,ter existido mais,devia ter o frescor em mim,a alma em mim,pois cada um sabe a felicidade do que e' existir...em si.
Não vejo motivo para tanto pessimismo.
1) O mercado editorial, em geral, cresce há muitos anos.
Basta observar as Bienais do RJ, SP, FLIP e eventos literários espalhados pelo país.
2) Há um fenômeno ainda não devidamente estudado: as micro e pequenas editoras: dando voz a quem nunca teve.
3) Se alguém observar as editoras universitárias, verá que, nos últimos anos, aumentou bastante a publicação de títulos bem como a diversidade de temas.
Há um país novo sendo cultivado.
4) De forma inédita, temos jovens estudando em universidades no exterior (Ciência Sem Fronteiras).
5) A eleição de 2014 foi a primeira da história do país (´´nunca dantes...´´) em que o número de eleitores universitários ultrapassou o número de eleitores analfabetos.
6) O número de cursos de Mestrado/Doutorado cresce de forma contínua no país. Certamente há muito o que se fazer. Partimos de uma base muito baixa. Então, tal crescimento exponencial tem que se manter ainda durante décadas para que nos ´´civilizemos´´.
Outra coisa: aumento de escolaridade não significa, necessariamente, melhoria na convivência social. Ainda mais se estiver associado com grandes desigualdades sociais e violência urbana.
Há um programa denominado PDDE esse programa federal envia recursos diretamente para a escola, a autonomia do diretor é ampliada. E a responsabilidade também, já que é ele, junto com professores, pais e alunos, quem define como o dinheiro será gasto é a necessidade da escola. Para tanto basta fazer um projeto que interesse a comunidade. Está na Internet. No neoliberalismo isso não existia.
Sim, Tb conheço um diretor, cuja escola participavdevtal programa. Ela possui um amante que desvia dinheiro do programa via super faturamento nas licitações!!
Essa merda de país não vai a lugar algum!!!
Excelente comentário, Renato.
Sair do neoliberalismo é tarefa muito ingrata.
É partir de terra arrasada!
Nós estamos fazendo isso, mesmo não sendo fácil!
E temos cacoete de transformar notícia boa em ruim, não é?
O problema é: quem sabe disto?
Será que o Ministro Edinho tem um caminho para divulgar isso?
Até agora, nada de novo - o governo é INVISÍVEL em termos de comunicação.
Daí, milhões de mal informados saem pelas ruas, protestando. Protestariam menos se o governo não fosse invisível. Se mostrasse que IPTU, IPVA, ICMS não são impostos federais. O ICMS aumenta a gasolina muito mais que a CIDE. Como o governo cala, fica TUDO CULPA DA DILMA!!!
Nicola concordo com você em tudo o governo tem que melhorar muito sua comunicação mais muito mesmo.
Britto, tenho que discordar de um parágrafo da tua análise, onde você diz:
"Há varias -e justas – ressalvas. A maior delas, também já comentada por este Tijolaço é que, sendo um país pobre, em valores absolutos esta parcela maior em percentagem acaba sendo menor em dinheiro"
Somos a sexta economia do mundo, isso significa o sexto maior PIB do mundo, então em valores absolutos o que estamos investindo em educação não é menor em dinheiro não, é muito dinheiro. A questão é que, como temos que recuperar décadas de atraso esse grande valor que só aumentou nos últimos anos, ainda não surtiram todos os efeitos, justamente porque demora recuperar tanto atraso em investimentos em educação.
Somos um país rico e não pobre, o que temos é muita desigualdade social que, graças aos governos de esquerda, vem caindo da mesma forma que os gastos em educação vem subindo em relação ao nosso PIB que é o sexto maior do mundo, o que é muito dinheiro em valores absolutos também. Mas com tanta força contra da imprensa, quase nada disso é efetivamente compreendido pela população.
Boa!
É o velho golpe de esconder o gasto per capita Fernando.
http://www.lalsace.fr/actualite/2014/09/10/ecole-l-ascenseur-social-reste-en-panne
Com 75 kg o cara é gordo ou magro? Depende, né. Depende da altura, por exemplo. Que adianta ver valor do PIB? Esse erro é sempre repetido em relação à carga tributária. A do Brasil é baixa. Pra quem é a 7ª economia do mundo ser apenas a 30ª carga tributaria PER CAPITA, é pouco. A gente faz milagre.
A carga tributária da Inglaterra é igual à do Brasil. O PIB também. Por que então eles tem uma saude fantastica e a nossa é uma porqueira? Dinheiro, meu flho. Faça a conta da carga tributária per capita. Nós temos 4,3 vezes mais população para o mesmo dinheiro absoluto recolhido. É como se cada um dos ingleses pagassem um "condominio" público 4,3 vezes maior. Imagine a nossa saúde com 2x mais investimento. Imagine 3x. Agora: mais de 4x é brincadeira. É comparar dois planetas.
Jatene já dizia isso, fazendo inclusive um adendo mais grave sob A FORMA absurda com que gastamos o pouco que se gasta em saúde, privilegiando o privado. (assista entre 00:30 a 3:00 min)
http://videos.r7.com/adib-jatene-comenta-a-criacao-de-um-ciclo-obrigatorio-de-trabalho-no-sus/idmedia/51de04960cf26c5058b31701.html