Se queda da rocha foi fatalidade, lanchas debaixo dela, todo dia, não é

Não há, é claro, um responsável único pela tragédia ocorrida ontem em Capitólio, no lago de Furnas, em Minas Gerais. Mas, se não queremos que cenas assim se repitam, é necessário saber quem pode evitar desastres assim e essa é uma atribuição também do jornalismo, muito mais do que explorar o choque que eles causam.

Todos os que promovem a atividade turística junto àquelas escarpas têm sua parcela, maior ou menor, de envolvimento, desde os operadores de lanchas que transportam turistas, que navegam próximo a formações rochosas que trazem riscos – e não só o de grandes desmoronamentos, como o que ocorreu ontem, mas também pequenos, embora perigosos, pelo dano que um simples pedregulho que se desprenda atinja um deles – até as autoridades da Marinha, que tem uma unidade específica para aquele local, a Delegacia Fluvial de Furnas, que tem jurisdição sobre o local do acidente, a apenas 40 km de sua sede.

Existe, no Brasil, uma lei de navegação que abrange não só o mar, mas todas as águas interiores do país, a 9.537, de dezembro de 1997, que atribui “à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio”.

A Delegacia da Marinha em Furnas, ao definir sua missão, reproduz exatamente este trecho da lei para as águas do lago e lançou, há poucos dias, o que chamou de operação “Navegue Seguro: a sua melhor escolha”, destinada a “difundir as normas de segurança da navegação para reduzir, ao máximo, os riscos de acidentes nos rios, lagos e lagoas, para garantir a segurança de tripulantes, passageiros e banhistas”.

É impossível que entre os riscos de acidentes não estivesse o desprendimento de rochas – mesmo que não se imaginasse a queda de uma grande coluna como a que ruiu ontem – de grande altura sobre a reunião de lanchas, várias de grande porte e mais de 20 passageiros cada, que todos os dias, de manhã ao final da tarde, permaneciam paradas a um ou dois metros apenas da penedia.

Não é passagem fortuita e rara sob uma rocha imensa e geologicamente frágil: é o estacionamento diário de embarcações lotadas ali.

Agora, é claro, depois da tragédia, serão tomadas providências óbvias, como o controle de acesso de embarcações aos canions, o distanciamento mínimo dos penhascos, a suspensão de visitas em dias de mau tempo e a vistoria geotécnica dos rochedos à beira do lago.

Nada que não fosse evidente para quem tem a missão de “assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação”.

O desabamento da rocha pode ter sido uma fatalidade, mas a permissão para que dezenas de lanchas, com centenas de pessoas, estacionassem diariamente sob ela não é fatalidade, é imprevisão.

Resta saber se, no inquérito da Marinha sobre o caso, ela investigará suas próprias responsabilidades.

 

Fernando Brito:
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