Sei bem de onde vim, de um mundo que estão matando

Minha história pessoal  é a história da afirmação do mundo do trabalho.

Do lado do pai, um avô morto cedo, descendo das Alagoas para o Rio, um pai bancário para sustentar seus estudos de História e Geografia, e uma profusão de tios e maridos das tias, um outro bancário, mais um “posto em disponibilidade”  – isso era quase um homicídio funcional – do Lloyd Brasileiro, ganhando a vida valentemente como técnico de televisão (no tempo em que tvs tinham técnicos, flybacks e seletores de canal), outro taxista, com a garotada lavando o carro todo o dia com querosene, para brilhar a lataria.

Do lado da mãe, migrantes do interior, para ganhar a vida no Rio que se espalhava nos subúrbios operários, onde os IAPIs dignos  em Realengo sucediam as “cabeças de porco” embora tenham quase virado favelas agora, porque os filhos e agora os netos e os bisnetos não têm para onde ir, senão para os “puxados” que os terrenos amplos e as construções sólida permitiam.

Nem meus pais, nem meus avós foram gente extraordinária, como eu não sou.

Não somos iguaizinhos, espalhados e sujeitados a este mundo vário, eu e meus primos, mas algo temos em comum.

Tivemos mais chances que nossos pais, como nossos pais as tiveram muito maiores do que os nossos avós.

Muitos são bacharéis, outros mestres, alguns doutores a quem os anos carcomem as faces, mas talvez não as memórias dos guarus (os “barrigudinhos”)  pescados nos valões, volte e meia uma rã carnuda a nos deixar orgulhosos do troféu de caça em Madureira.

Só na maturidade, conversando com um amigo médico, com todos os meus preconceitos de “marxista”,  é que fui entender o que se passava: “Fernando, nós somos netos de Getúlio Vargas”.

E fomos mesmo, netos de gente que passou a ter direitos, filhos de gente que passou a ter progresso, porque, ainda que não para todos, havia a escola pública.

Somos netos e filhos de um mundo onde o trabalho passou a ter direitos e, talvez, os acasos das vidas nos tenham feito esquecer disso, agora que alguns de nós tenhamos – justo pelo que a vida nos deu – saído da carência e da necessidade.

É por isso que ao ver meu País retroceder à barbárie que antecedeu nossos pais e da qual se livraram nossos avós sinto o tempo passar ao contrário.

Não para mim, a quem a vida deu muito e da qual pouco espero.

Mas para os que fazem, até por vezes negando, os que fazem de mim um degrau rumo ao futuro.

Degrau que já não se sente forte para lhes dar o impulso adiante, mas que não será fraco de romper sem barulho, sem que que cada fibra que lhe resta resista à força dos que tentam vergar o tempo ao contrário.

De muita gente se pode tirar o futuro, mas certamente de muitos não podem tirar o passado.

 

 

Fernando Brito:

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  • Caro Brito, você traduziu exatamente o que temos discutido aqui em casa. Temos esse mesmo sentimento, as mesmas preocupações com o futuro dos filhos e netos, mas a gratidão por termos tido a oportunidade de estudarmos em escolas públicas e conseguido trabalhos dignos com que nos sustentamos até hoje. Belo artigo, obrigada!

  • CARACA BRITO,EU TAMBÉM COMECEI COMO TÉCNICO,AINDA HOJE CONSERTO AS MINHAS E DA FAMÍLIA SINTO NAS NARINAS O CHEIRO DE OZÔNIO DE FLAY BACKS VAZANDO,CHOQUES ESTUPENDOS NA CHUPETA DE ALTA TENSÃO E ELETROLÍTICOS.TEMPO EM QUE UMA TV A CORES VALIA QUASE QUE UM FUSCA.GUARDO AINDA DIAGRAMAS COM ANOTAÇÕES DOS PEPINOS.

  • É um grande prazer ler Fernando Brito.
    Belíssima prosa. Arte que revela uma alma rara como fonte d'água pura em meio à aridez dos nossos tempos.
    Que a Vida lhe abençoe sempre, meu caro mestre Fernando Brito.

  • Caro Fernando, você é EXTRAORDINÁRIO SIM camarada !!!!

    E só pra lembrar, HOJE É 14 DE JULHO !!!! Data Nacional da França !!!

    CELEBRA A QUEDA DA BASTILHA E INÍCIO DO FIM DA OPRESSÃO !!!!

    Marchons, Marchons.....qu'un sang impur.....Abreuve nos sillons !!!!!

    VIVE LA FRANCE !!!!! VIVE LE BRÉSIL !!!!

  • Parabéns, Brito! Que falta sentimos de verdadeiros jornalistas como você. Pobre de nossos filhos e netos!

  • Resistir Resistir e Resistir é o que resta o Povo coitado está de cabeça lavada e não emxerga o fim do túnel que saudade do velho Briza. Parabéns Sr Brito a esperança nunca morre. Hasta la Victoria siempre.

  • Prezado Fernando Brito, realmente e uma frustracao, e muito triste ,uma sensacao de impotencia! Quando acordo, me pergunto sera que estou sonhando?... o Brasil virou um pesadelo, quando penso que acabou, vem mais absurdos, escandaos inacreditaveis, Temer o chefe criminoso, todos os dias com pronunciamentos distorcidos, achando que somos idiotas, chego a ter nauseas, a destruicao e por todos os flancos, a gangue e organizada, estao saqueando o Brasil, estamos voltando ao seculo 19, ao regime escravagista, estao privatizando tudo por 10%, destruindo tudo que foi construido nos ultimos 13 anos, estou na quarta idade, nunca vi tamanha crise etica e moral na politica, MP e justica, e dificil aceitar que ate o judiciario que era o poder mais admirado, o supremo que e a ultima esperanca esta silente e acovardado, nosso Brasil nesse caoz com esse governo de desmanche, temos que reagir, fazermos uma campanha de divulgacao aos eleitores, para que todos os politicos que estao apoiando Temer, nao sejam eleitos nunca mais, pois o deputado Carlos Henrique Guaguim Podemos TO diz nao estar preocupado com a possibilidade de nao se reeleger em 2018, porque o povo esquece, e varios politicos do PSDB disseram o mesmo. Temos de divulgar incessantemento o nome e estado dos politicos canalhas e venais, que traem os eleitores ingenuos!

  • FB, um belo texto.

    E, no que concerne a trabalho, sempre me lembro do quadro pintado em 1567 por Pieter Bruegel (ou Brueghel): O País de Cocagna.

    Um país idealizado, aonde nada se fazia a não ser esperar deitado ou contemplativo que a Natureza se oferecesse, por ela própria, em forma de produtos aos homens.

    Como naturalmente isto não existe de verdade e, sim, muito pelo contrário, a coisa toda requer um severo labor para o usufruto e a delícia de somente uns poucos, resta evidenciado que, variando a maneira conforme a época histórica e o local, só mesmo à base de fatores de força é que tal apropriação do trabalho alheio se dá.

    A guerra, o chicote, a religião, a lei, a parca remuneração (se é que ela existe), não importa o mecanismo do momento se ele põe a funcionar a engrenagem a que afinal se destina: a exploração de uma classe por outra.

    Todos à rua dia 20 para destemer. Erra todo aquele ou aquela que, como em Cocagna, fica contemplativamente aguardando a restauração dos seus direitos. Ela não virá sem luta. Muita luta.

  • Aproveitando o maravilhoso texto, Fernando, tem uns "filhos da barbárie", manetes de golpistas que deveriam ser alijados dos cometários neste BLOG. São uns "programinhas" que só repetem asneiras, não acrescentam nada de bom para os debates e fedem quando digitam de suas cloacas, coisas que só ratificam a minúscula massa encefálica dos golpistas coxinhas. A gente sabe o "amuo" dos coxinhas!! Aqui, deve ser pra quem pensam e tenham idéias.

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