Seleme e o sonho de Bolsonaro

Ascânio Seleme, em O Globo, depois de ouvir o autor de “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky, imagina o cenário dos sonhos de Jair Bolsonaro:

O chefe dos funcionários da portaria Câmara dos Deputados jamais se esquecerá do barulho dos vidros estilhaçados pelo primeiro tanque na invasão da casa através da entrada da chapelaria. Com o cheiro do óleo diesel dos motores dos tanques subindo para o salão verde, os presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre foram presos pelo coronel de infantaria mecanizada destacado para a operação. Diversos parlamentares, de todos os partidos, também saíram algemados e foram levados para o 1º Regimento de Cavalaria de Guardas, ao lado do Parque Nacional de Brasília.

Ao Supremo Tribunal Federal foram enviados muito mais do que um jipe, um cabo e um soldado. O prédio foi cercado por pelo menos duas companhias de infantaria. Não houve depredação como no Congresso, mas também ali prisões foram feitas sem nenhum amparo legal. Todos os ministros, inclusive o presidente Dias Toffoli, foram encarcerados no Batalhão Pioneiro, o 1º BPM, no final da Asa Sul.

No Rio e em São Paulo, jornais e emissoras de TV e rádio foram ocupados por soldados armados de fuzis e metralhadoras. A ordem era quebrar quem opusesse qualquer resistência. E foi isso o que aconteceu. Vários veículos foram empastelados pelos ocupantes. Jornalistas foram agredidos e tiros foram disparados. O saldo da barbárie ainda não se conhece. No Rio, dezenas de repórteres e editores foram recolhidos ao Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Em SP, levados para o Comando da 2ª Região, na Avenida Sargento Mário Kozel Filho.

As universidades também foram tomadas por tanques. Reitores e diretores de departamentos foram imediatamente presos. Há professores e alunos entre os presos e desaparecidos. Sabe-se que uma ala da Escola Militar da Praia Vermelha foi esvaziada para recolher os detidos nas universidades. No Rio e em Brasília, foram ocupadas ainda as sedes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa. Sindicatos em todo o país estão sendo fechados.

As gigantescas manifestações de rua que se seguiram ao golpe foram reprimidas brutalmente por militares e milicianos infiltrados. Pessoas relataram ter ouvido tiros e visto corpos estendidos no asfalto. Também há relatos de agressões físicas e tortura de presos em alguns quartéis. É o método que os militares adotaram para tentar descobrir o paradeiro de pessoas que consideram inimigos foragidos, embora sejam apenas estudantes, professores, jornalistas, advogados. O país está chocado com tamanha infâmia.

Alguém acredita que tamanha barbaridade poderia ser cometida pelos atuais comandantes militares? Talvez um ou outro. Alguém imagina que as Forças Armadas tomariam parte de uma brutalidade desse tamanho em nome de Jair Bolsonaro e de seus três zeros? Poucos. Alguém duvida de que este é o sonho do presidente? Ninguém.

O quadro, assustador, é exatamente este que, embora Seleme diga ser um “golpe impossível”, nada garante que não corramos o risco de ter.

É isto que os militares da ativa têm de saber em que iria terminar uma obediência cega ao que o presidente da República considerar “ordens absurdas”.

Seria lançar o Brasil numa situação que, em hipótese alguma, seria aceita pelos brasileiros e, igualmente, pelo mundo, que é outro, bem diferente do que era nos anos 60 e 70.

Pode durar alguns meses, mas se inviabilizará e, desta vez, as Forças Armadas não sairão ilesar de uma aventura golpista. A democracia lhes exigirá o expurgo dos que pretendam ou façam tal pesadelo virar uma fugar realidade.

Fernando Brito:

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  • Os militares entreguistas e terroristas que habitavam os porões da ditadura militar tentaram derrubar o general Geisel. Foram derrotados, mas não foram punidos. Os sucessores daqueles, hoje ocupam o Executivo e, novamente, ameaçam com outro golpe. Serão derrotados novamente pelos militares nacionalistas e pelos democratas ? Serão punidos exemplarmente ou serão perdoados ?

  • Não entendi o "fugar" no final do texto.
    Mas, porém, todavia, contudo, entretanto, senão ...e todas as outras conjunções da nossa língua tão rica e linda.
    Não está sendo considerado o OPORTUNISMO DE GRANDE PARTE DA ELITE E DOS POLÍTICOS BRASILEIROS.
    Olhem o que aconteceu ontem com o genro do SS e do bob jefferson e outros tantos pastores de igrejas de qualquer matiz.
    Considerem, sempre, somente nós e somente nós para nos defendermos e a nossa democracia.

  • O risco é real e real tera de ser nossa reação,talvez oportunidade de nos livrarmos de vez dessa MALDITA forças armadas cujo único objetivo é servir aos ricos e amedrontar,perseguir,prender,torturar e matar ao POVO.
    Nosso dilema é seguir com coragem ou ficar de quatro. Nosso dever sempre será em defesa dos que virão depois,temos de ter a responsabilidade cívica de reagir derrubando esse governo de facínoras JÁ!

    • Concordo ,estamos num desses pontos da história ,onde o que for feito terá efeitos imensos.É a nossa hora de acabar com essa ferida aberta que é o exército de ocupação do império

  • Parodiando Ulysses:
    Eu tenho ódio,ódio e nojo as forças armadas.

  • O problema é que, desta feita, não pode haver anistia. Mas não pode haver anistia com as coisas no pé em que já estão. De 2015/16 para cá, o que se viu foi uma multidão de obreiros da desconstrução da democracia. Juízes, desembargadores e ministros do supremo mancomunados em manobras judiciais para tornar legal toda e qualquer ilegalidade, militares a vociferar e esmurrar mesas, literalmente ou por tuites, procuradores e promotores imberbes ou não a trocar figurinhas com magistrados que por sua vez instruíam a polícia federal sobre como agir nas costas de réus acusados por redes de televisão com base no "o porteiro do prédio disse". Orei dos milicianos abrir caminho entre as urnas e eleitores a gritar impropérios e palavras de ordem fascistas com apoio da grande mídia que insuflava uma classe média idiota e fascista e o lumpemproletariado a pedir a derrubada de um governo legal, legítimo e honesto. Parlamentares cuspindo excrementos numa votação em que pareciam bacantes alucinadas prontas a castrar a democracia construída com enormes dificuldades após 21 anos de golpe e 30 de árduo trabalho. Dessa vez, não pode, porque significa, mais do que aceitarmos o trabalho de sísifo, suicídio renovado. Não pode deixar de haver punição. Mesmo que o tal "golpe" - não tivesse o mesmo já ocorrido - previsto pelo dito jornalista, não venha...

  • Os militares não devem mesmo obedecer ordens absurdas, como algo parecida com: Não vou acatar a anulação da eleição pelo TSE. Generais, invadam e prendam quem for preciso para que eu me mantenha no cargo.

  • Pois eu acho bastante provável,uma ruptura institucional,como as descritas,ainda que supostas,pelo autor da matéria.Essa milicama brasileira,ANDA LOUCA POR UM GOLPEZINHO AMIGO.Amigo deles,naturalmente.

  • Faltou agregar ao relato ,o minuto depois do golpe consumado,----UM PRIMATA OLHARÍA PARA O OUTRO E PERGUNTARÍA :E AGORA QUE FAZEMOS???-----tal o grau de incapacidade intelectual dessa turma.
    Foram TREINADOS que nem cachorros ,sem questionamento as ordens e obediência absoluta a seu superior ,e eles se consideram "casta superior" !!! pqp !

  • Sobre o papel dos militares na nossa história só podemos dizer duas coisas: o passado os condena e o presente a confirma.

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