Sem Jô, um país mais triste e mais burro

Quem anda para além dos 60 não consegue pensar em humor sem que lhe venha a figura de Jô Soares, morto hoje aos 84 anos.

Desde os tempos da “Família Trapo”, onde fazia o mordomo Gordon, José Eugênio Soares, seu nome quase esquecido pelo Jô, teve duas características marcantes.

A primeira, a de transformar a sua condição física em um traço de seus próprios personagens, técnica em que dividiu com Chico Anysio, embora ambos tenham feito, também, o humor narrativo que desembocaria na stand up comedy.

O gordo (viva!) jamais passaria incólume pelos tempos de hoje, mas tinha um salvo-conduto: era o próprio quem o dizia e, além do mais, era simpático, inteligente, culto, versátil e, sobretuido, gentil, algo que foi se revelar a todos na última parte de sua carreira, iniciada em 1983, com o início da abertura política, quando passou a comentarista no Jornal da Globo e, depois, no Jô Soares Onze e Meia, numa versão dos talk shows da tevê norte-americana.

Ninguém recusava um convite para ser entrevistado, nem as entrevistas tinham um tom de hostilidade ou “chapa branca” que as tornassem grosseiras ou inodoras. Com Brizola, estive duas ou três vezes em seu estúdio e duas lembranças me saltam: a mania do gaúcho de chamá-lo de Jó em lugar de Jô e o fato de ter sido ali que conheceu o hoje vice na chapa da Lula, Geraldo Alckmin, até então uma fingira apenas paulista, como vice de Mario Covas.

O cavalheirismo com que recebia a todos era mesmo de impressionar, sem que isso o impedisse de fazer – e receber respostas muito mais sinceras e interessantes do que nas entrevistas “formais”.

A segunda é que foi, sempre, um propagandista da causa democrática e progressista, desde seu primeiro programa humorístico na Globo (Faça Humor, não Faça a Guerra), numa alusão ao slogan hippie e que ficou marcada em vários episódios.

Um deles foi a “lacrada” que seu sobre o “bom menino” Pedro Bial, que relativizou o golpe de 1964 numa entrevista (veja abaixo).

O outro, os ataques vis e as ameaças que sofreu por ter tido a coragem, em 2015, de entrevistar Dilma Rousseff, já em meio ao processo que culminaria no impeachment .

Hoje cedo, no DCM TV, comentei estes e outros momentos da discreta coerência política de Jô, na abertura do programa, dialogando com Kiko Nogueira, logo abaixo do vídeo de Jô com Bial.

Fernando Brito:
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