Não existe crise institucional na democracia brasileira.
Existe – cada vez mais evidente – é uma incompatibilidade entre o presidente que elegeu-se em 2018 e a democracia representativa e constitucional.
Mas vale a pena refletir sobre como um presidente “democraticamente eleito” podia ser e de fato tornou-se uma ameaça à democracia.
As eleições de 2018 foram, afinal, realizadas sobre os escombros de um processo de desagregação iniciado em 2013, num processo e radicalização que a muitos confundiu como sendo radicalmente democratizante e até esquerdista mas que, em um ano, passou a deixar evidente sua natureza direitista e autoritária.
A negação da política, a supremacia da moral (tão hipócrita, tantas vezes), a transformação do Judiciário em palco das disputas ideológicas, a proeminência de instituições que não deveriam fazer parte do jogo de poder, como a própria Justiça e as Forças Armadas nos levaram – como jamais estivemos em quatro décadas – a uma situação próxima de uma apelo às armas por ruptura da ordem constitucional.
Na qual, diga-se, ainda não estamos por obra e graça de algumas resistência de setores do oficialato à embarcarem numa aventura que sabem ter potencial para provocarem uma devastação, no médio prazo, em dois dos valores sempre caros às instituições militares: a unidade nacional e a unidade da própria Força.
Afinal, é tão escancarado o projeto golpista de Jair Bolsonaro e tão evidente que ele lidera uma facção policial e militar de baixíssima extração e de tão escancarado autoritarismo que lhe dar os meios para sua desejada implantação de um regime excepcional é algo que, ao contrário do que ocorreu em 1964, hoje retira dele o necessário apoio que parte da classe média -incluindo o oficialato – e a mídia lhe eram para formar uma maioria nas eleições, irrepetível agora.
Criou-se uma contradição entre a continuidade de um regime ao menos formalmente democrático e a figura residencial que não pode persistir sequer a médio prazo.
A pandemia, ao mesmo tempo, agrava e atrasa a ruptura inevitável.
De um lado, revela a face cruel e desumana do homem que está no poder em uma nação onde os doentes serão milhões e os mortos passarão da centena de milhar, numa devastação superior à maioria das guerras que conhecemos.
De outro, protege-o de um vigoroso movimento de massas que imponha limites à sua ousadia e indiferença para com a sorte da população.
Adiante, porém, surgirão – e já aparecem seus sinais – de que a crise econômica aprofundada criará o quadro final de inviabilidade de um governo que se divide entre ser um estorvo e uma ameaça.
Vejam como Bolsonaro acena com um quadro de agitação e instabilidade – que ele próprio produz – para dar suposta legitimidade a atos de força.
Nossa sabedoria será enfrentar esta ameaça sem colocar a cabeça ao alcance de suas lâminas: que são o autogolpe que tanto deseja.
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Pois senhor Fernando,eu não sabia que o senhor é TÃO DEMOCRÁTICO! Somente o BÓSTA-ONARO? E os outros todos,o que seriam?Não vamos nos iludir,pois a história nos ensinou,com eventos recentes,na Europa e adjacências,com Alemanha e Itália como exemplos,que lá,quase toda a cidadania,seguia seus líderes,já que os produziram,com raríssimas exceções ,de poucos,que foram mortos pelos seus concidadãos e jazem esquecidos em seus túmulos ,ou em nuvens de fumaças dos campos de extermínio.E o que é pior,pois sabemos que quase todos lá,como hoje ,aqui,o que chamam de cidadãos,antes camponeses,são em quase toda sua totalidade, idênticos.As razões?Começando por COVARDIA e após algum tempo,cumplicidade. Estamos então,assistindo o que poderá ser chamado, de CANALHICE ENDÊMICA.Pois então,não vamos nos iludir.Fruto do que os espertos da história,deram o gracioso título de DEMOCRATAS.Ao propósito,gostaria de saber ,onde,quando a DEMOCRACIA,resolveu qualquer problema das maiorias,senão iludi -los,com discursos eleitoreiros, naturalmente com as MÃOS ARMADAS E OS DENTES TAMBÉM.Então,sr.Brito,não vamos nos iludir.
Faço algumas ressalvas.
A real incompatibilidade entre Bolsonaro e a democracia representativa é baixa. Por conta talvez das fake news, da pressão dos milicianos e seus apoiadores, da ignorância política dos eleitores, da ascensão mundial da extrema direita e outros fatores elegeu-se um alto número de governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais altamente compatíveis com o presidente eleito. Muitos agora o renegam, mas certamente muito mais preocupados com os prejuízos para suas carreiras políticas que a associação com Bolsonaro lhes trará do que por discordarem de seus atos ou de suas falas. Se a popularidade de Bolsonaro permanecesse alta, eles não teriam mudado de lado.
Acho que a eleição de Bolsonaro deveu-se única e exclusivamente aos interesses econômicos neoliberais fundamentalistas, já que nenhum candidato que desse continuidade a essas políticas apresentou a mínima possibilidade de se eleger.
Se houvesse de fato a vontade de afastar esse presidente, a pandemia seria de grande ajuda. Bastava esquecer, convenientemente, todos os fatores antidemocráticos que levaram à eleição dele e afastá-lo pela forma criminosa como administra a pandemia.
Más só que isso as forças dominantes que o elegeram não querem, pois sabem que existe o risco de perderem todas as vantagens indevidas que obtiveram após o golpe contra Dilma..
Às vezes penso que os efeitos de um autogolpe agora seriam mais facilmente superados do que os efeitos da crise econômica aprofundada que se abaterá sobre o Brasil em breve. As crises econômicas matam muito mais, apesar que de forma lenta e sem chamar tanto a atenção.
Pois senhora Emilia.,tudo se deve,ao que denominam DEMOCRACIA,essa invenção da ELITE DE TODAS AS ÉPOCAS,que a MASSA IGNARA,crê,como se fora o supra sumo do bem estar.Então,enquanto essa massa,continuar nos LIMBOS DA ETERNA IGNORÂNCIA,contar com eles,pra qualquer coisa que não seja,LOUVORES,como o fazem em relação aos seus DEUSES,nada se poderá fazer.Enquanto isso,as elites lidam com a hipótese de que morram milhões,para continuarem com seu senda de EXPLORAÇÃO.Quanto menos gente,ainda que diminuam os consumos,do que fabricam,as ELITES ,NOS DIAS ATUAIS,se contentam em AGIOTAR OS TESOUROS DOS PAÍSES,que pelo quase colapso de não conseguirem arrancar mais lucros,em face da não criação de novos tributos,pois o fabrico de bens de consumo,liquidou com a ponta dos que consumiam ,e portanto,não existem mais a quem AGIOTAR ,certamente vão querer aplicar seus tesouros,NOS CÉUS.
Penso que o caminho possível é a formação de uma Frente Ampla formada por TODOS os que defendem a Democracia e a restauração das regras do jogo político definido pela constituição de 88.
Essa Frente Ampla teria por objetivo a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelos crimes eleitorais cometidos e a marcação de eleições diretas imediatas.
Os fascistas não passam de 10% e precisam ser eliminados da vida pública antes que a Nação seja completamente destruída.
Os que colocam obstáculos à formação dessa Frente Ampla fazem, tacitamente, o jogo a favor de Bolsonaro e dos fascistas.
Bolsonaro, ao tentar dominar o Congresso pelos agrados ao Centrão, obteve também uma vitória secundária, já que o partido dos tucanos sentiu um cheiro de cargos no ar e deu com um pé atrás. Agora não se sabe mais se tucanos ainda quererem que Bolsonaro e seu fascismo acabem no país.
Bolsonaro é pau-mandado de um grupo de generais que estão satisfeitíssimos com seus reforços no soldo, estão pouco se lixando para a nação, jogaram, e já jogaram mesmo as Forças no lixo da história.
Excelente análise Fernando.