Renato Rovai, editor da Forum, cantou essa bola há dias. Agora a Folha também confirma. Teles e Globo se uniram para rever regras da internet. As teles querem derrubar a neutralidade da rede, o princípio mais importante do Marco Civil. A Globo quer incluir uma jabuticaba: uma lei que garanta a retirada de conteúdo sem autorização judicial. Notificação extra-judicial é o nome.
Esperta, a Globo cita a mudança como se ela constasse no texto original. Não consta. Trata-se de um substitutivo. A Globo finge defender a neutralidade, mas parece disposta a vender esse ponto às teles em troca de um enrijecimento dos direitos autorais na internet, o que seria um golpe de morte na liberdade hoje vigente no Brasil.
Caso isso prospere, o Marco Civil, ao invés de representar um avanço na liberdade de expressão na internet brasileira, seria a sua lápide.
Trecho do editorial da Globo, de hoje, que menciona a novidade:
“Nesta questão, o projeto acolhe a prática usual de que quem se sentir atingido pelo uso indevido de sua obra possa notificar o suposto infrator, fora das vias judiciais. A partir daí, o notificado passa a ser juridicamente responsável pelo desrespeito ao direito autoral. Mas há quem queira que a comunicação seja feita por tribunais. Na prática, um obstáculo, às vezes intransponível, para artistas, autores, donos de obras, sem dinheiro e estrutura para acionar a Justiça.”
Mentira e demagogia do Globo. O direito autoral hoje, na internet, é regulado pela Justiça. Assim deve continuar. Se introduzirmos o conceito de notificação extra-judicial, haverá o caos. Será como criar milhares de pedágios na internet. Se eu reproduzir (ou pior, se um comentarista do blog fazê-lo) um trecho de um livro, de uma música, citar uma reportagem, receberei “notificação extra-judicial”?
Essa regra beneficiará os grandes grupos de mídia, que têm peso financeiro para suportar uma forma de lidar com conteúdo onde se paga por cada palavra publicada. Grupos de mídia que se estruturaram, sempre é bom lembrar, com dinheiro público, via publicidade, financiamento estatal, lobbies parlamentares e golpes de Estado. Isso sem falar na interferência de governos estrangeiros.
Um marco civil, todavia, só tem sentido se for para beneficiar os pequenos, protegendo-os da violência e poder dos gigantes da mídia e da telefonia.
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Teles e Globo se unem para rever regras da internet
JULIO WIZIACK, FOLHA DE SÃO PAULO
As operadoras de telefonia se uniram às Organizações Globo para tentar virar o jogo e rever o ponto central do Marco Civil da Internet, que está previsto para ser votado pela Câmara na quarta-feira.
A Folha apurou que, a pedido do presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), deverá ser votado um texto de consenso, que reunirá sugestões feitas pelas teles e pela Globo. Na quarta passada, a pressão das operadoras impediu a votação.
Plano B das operadoras pode alterar atual isonomia na rede
Oficialmente, as empresas não comentam. Por meio de sua assessoria, a Globo afirmou que defende o princípio da neutralidade da rede, principal ponto do projeto, e que não fechou qualquer acordo.
A reportagem teve acesso a versões preliminares do novo texto que surgiram após uma reunião na casa do presidente da Câmara, quarta.
Além de representantes das teles e da Globo, estiveram no encontro o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
A participação da Globo ganhou força porque os radiodifusores buscam garantias de que o projeto trate de direitos autorais. As emissoras querem que conteúdos publicados sem licença na internet sejam retirados do ar pelos sites sem necessidade de ordem judicial, como é hoje.
BARREIRAS
A votação do projeto está emperrada porque, da forma como está, ele afeta vários negócios das empresas. As operadoras, donas das redes, vendem pacotes de internet e também têm provedores.
Emissoras comercializam programas para empresas de TV paga de que são sócias. A Globo, por exemplo, tem participação na Net e também é dona de um provedor de acesso à internet (Globo.com) e do portal de notícias G1.
Para garantir a neutralidade da rede, nome dado ao tratamento isonômico dos usuários, independente do tipo de acesso, Molon usou regras internacionais como referência.
De acordo com elas, paga mais quem quer velocidade sem limite de dados. Mas esse cliente não pode ter preferência de acesso, prejudicando quem tem plano básico.
Para as teles, isso nunca foi um problema. O que elas pretendem é cobrar mais de acordo com o conteúdo ou serviço acessado. Pacotes prevendo upload ou download de vídeo teriam preços maiores.
Molon é contrário a essa ideia porque ela abriria brechas na neutralidade. Um provedor de conteúdo que gastasse mais com uma operadora teria vantagem competitiva sobre outro, assinante de um plano inferior.
CULPA DO TRÁFEGO
A discussão chegou a esse ponto porque, nos últimos anos, o tráfego de dados, principalmente de vídeos em serviços como o Youtube, o Netflix e a AppleTV, cresceu cinco vezes. No período, as receitas nem dobraram.
Um dos controladores da Oi afirma que, nesse ritmo, a operadora ficará sem recursos para investir em cinco anos. A saída seria cortar dividendos, algo que contraria qualquer modelo de negócio.
As operadoras reclamam dessa situação desde 2008. Para elas, Google, Apple, Netflix, entre outros, lucram às suas custas. Com custo baixo, exploram comercialmente conteúdos produzidos por terceiros que exigem cada vez mais capacidade da rede.
Houve uma tentativa de acordo, mas não prosperou. Motivo: empresas como o Google consideram que as operadoras ganham muito com o aumento do tráfego, deveriam reduzir lucros e ampliar investimentos na rede.
Sem acordo, o Marco Civil da Internet tornou-se o novo palco dessa disputa. Ao cobrar mais de quem acessa vídeos, por exemplo, as teles estariam, indiretamente, equilibrando essa conta.
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Hora de votar Marco Civil da Internet – EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO – 03/11
Exemplo lapidar de como a sociedade avança à frente dos arcabouços jurídicos — os quais, de tempos em tempos, precisam ser atualizados — é a internet. E neste momento, no estabelecimento de normas sobre a nova atividade, há o risco de se incorrer em erros capazes de prejudicar o melhor uso possível do que se quer regular. Enquadra-se neste caso o Marco Civil da Internet, projeto encaminhado pelo governo ao Congresso, discutido ao extremo na Câmara dos Deputados, antes de ir ao Senado, e no centro de acesas divergências.
Mas, em setembro, depois da denúncia de que os espiões eletrônicos da Agência Nacional de Segurança americana bisbilhotavam a presidente Dilma Rousseff, interlocutores e até a Petrobras, o governo viu no projeto a possibilidade de erguer barreiras legais contra este tipo de invasão de privacidade. Foi, então, pedido ao relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que incluísse no texto a determinação de que os grandes provedores mundiais de internet mantenham centros de dados no Brasil, para facilitar a execução de determinações judiciais sobre qualquer conteúdo que trafegue pela rede no Brasil.
E para apressar a tramitação na Câmara, o projeto entrou em regime de urgência, para ser aprovado em 45 dias no máximo. O prazo venceu na semana passada, e o Marco Civil passou a trancar a pauta da Casa. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), conclamou as partes em conflito a buscar um acordo antes que o projeto seja colocado em votação, esta semana.
Há duas grandes divergências. Uma sobre o conceito de “neutralidade de rede”, incluído no projeto com apoio do governo e suprapartidário. E a outra, em torno da defesa do direito autoral. Nesta questão, o projeto acolhe a prática usual de que quem se sentir atingido pelo uso indevido de sua obra possa notificar o suposto infrator, fora das vias judiciais. A partir daí, o notificado passa a ser juridicamente responsável pelo desrespeito ao direito autoral. Mas há quem queira que a comunicação seja feita por tribunais. Na prática, um obstáculo, às vezes intransponível, para artistas, autores, donos de obras, sem dinheiro e estrutura para acionar a Justiça.
No caso da “neutralidade de rede”, há bolsões atuantes na Casa que discordam do princípio, e neles está o deputado Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro, líder da bancada do PMDB. A “neutralidade” enfrenta cerrada oposição das empresas de telecomunicações, em todo o mundo. Pois veem nela um obstáculo ao aumento de receita. Afinal, o princípio garante a qualquer usuário da rede as mesmas condições de tráfego (velocidade, tamanho de arquivo, etc).
Não é uma questão banal, pois agride a ideia central da internet livre, aberta a todos. Permitir cobrança diferenciada pelos provedores é dar espaço, por exemplo, para a criação de barreira à entrada de novos concorrentes no mundo digital.
Como tudo já foi debatido ao extremo, é hora de a Câmara votar o projeto.
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Pro ANDRE LUIS aí de cima que conseguiu, em poucas palavras, mostrar o quanto ele NAO ENTENDE MUITO DO ASSUNTO.
E, pela qualidade da informacao, aos demais leitores sugiro a leitura abaixo:
http://jornalggn.com.br/noticia/a-importancia-do-marco-civil-da-internet
Tijolaço, por favor, entendo que vocês poderiam trocar em miúdos, tecnicamente, esta matéria, a fim de que possamos entender melhor.
Legal que usaram a imagem do primeiro slide da apresentação que fiz sobre o Marco Civil da Internet para a semana acadêmica da Faculdade de Informática PUCRS 2013: A liberdade na Internet está em perigo no Brasil?
A maior bancada do Congresso é a da mídia, que engloba todos os ajuntamentos de direita = da bancada dos "coronéis", respeitosamente chamados de "ruralistas", até a dos pastores evangélicos -, e por isso tanto a Câmara como o Senado deveriam ser mantidos sob cerco popular náo por um ou dois dias, mas ao longo de cada legislatura. Basta ver, na matéria, quem está à frente dos trapaceiros: o nefando Eduardo Cunha.
Tijolo, creio que é preciso criar uma coisa muito sintética, para informar com eficácia a grande massa dos usuários da internet , os quais não são dados a textos longos. em seguida talvez propor um abaixo assinado "on line". abraço a todos
"sem dinheiro e estrutura para acionar a Justiça.”"
Art. 5 da Constituição:
(...)
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Justiça Gratuita quebra o que o Globo considera barreira aos que não têm dinheiro. Agora, quanto à estrutura, acho que foi só um substantivo vago lançado no texto, para melhor compreender o que quis dizer, têm de explicar melhor, seria um MotoBoy para protocolar nos fóruns, ou uma Linha de Onibus para levar o autor até um juizado especial, no setor de atermação, para impetrar sua ação grátis?
Nenhuma emissora, nenhuma corporação, nenhum poder pode conter ou controlar a internet... é um hipertexto em desenvolvimento eterno, vivo, sem inicio meio nem fim, engolindo nossa realidade material. Mesmo que o Marco seja avacalhado pela Globo, isso não irá salva-la, nem a ninguém.
Contraponto debate Marco Civil da Internet
O professor Sérgio Amadeu será entrevistado nesta segunda-feira (4) no programa Contraponto, exibido ao vivo pelo site do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Rede Brasil Atual,
http://www.redebrasilatual.com.br/
Se os governos apertarem, se surpreenderão... (apesar do fingimento de alguns).
Sem comentário,grande FDP.