O “eu comeria um índio, sem problema nenhum” de Jair Bolsonaro foi parar na capa do jornal inglês The Guardian. E foi como o que realmente é: um fato, porque a entrevista, o vídeo e as declarações do ainda deputado federal são, independente do juízo que se faça disso, verdadeiras e dignas de interesse, mesmo que a falta de companhia o tenha impedido de fazer a “degustação”.
Nos nossos jornais, porém, o fato foi tratado como se fosse parte da mixórdia de fake news, quase que no mesmo nível de “mamadeiras de piroca” ou “satanismo”. O fato, antigamente chamado por jornalistas como “Sua Excelência” (a expressão é de Ulysses Guimarães), passou a ser tratado como se fosse apenas uma versão. Uma “narrativa”, para usar a novilíngua bolsonarista.
Desde o dia em que o vídeo surgiu, nossa grande imprensa o tratou assim e não como uma declaração real, objetivamente. Este blog registrou, ao dar a notícia que, antes de fazê-lo, checou a integridade do vídeo e até o teor da reportagem do NY Times para a qual foi feita, na qual – e isto foi um erro – o correspondente Simon Romero disse não ter usado a declaração porque, diz ele à Folha, Bolsonaro desejava apenas “causar”.
Poderia ser desculpável (e não acho que seja) então, mas não é assim quando é quem diz isso que ocupa o governo de um dos maiores países do mundo.
É direito do leitor – e cidadão – conhecer o que diz e o que disse seu presidente e o candidato à reeleição. Porque a declaração – e isso é o que importa – é verdadeira e, portanto, completa o quesito necessário a ser notícia: é um fato.
Diante da realidade, claro, cada um faça seu julgamento e forme seu veredito sobre quem fala tal coisa. Aí está na esfera do leitor e da leitora, algo que um jornalista, mesmo de opinião, não pode invadir senão com argumentos, jamais com acobertamento.
Cada um que analise as consequências de terem se tornadas conhecidas as obsessões mórbidas de nosso atual governante, porque é inevitável que vai repercutir no mundo, o fato de que um chefe de Estado admite não só o desejo de ver um ser humano ser cozinhado, mas também de comer sua carne.
Agora, a notícia e o vídeo estão circulando diante de governos e corpos diplomáticos do mundo inteiro e isso não depende de “narrativas”, porque é um fato comprovado pelas próprias palavras do presidente da república que as profere.
Se a história tivesse sido tornada conhecida antes, é duvidoso até que os ingleses o aceitassem nos funerais de Elizabeth II.